domingo, 30 de janeiro de 2022

QUATORZE ANOS DE BLOG!

Semana passada meu bloguinho completou 14 anos de vida!

Comecei o Escreva Lola Escreva enquanto fazia doutorado-sanduíche em Detroit, Michigan. Foi no final de janeiro de 2008. Não lembro a data exata do primeiro post, algo entre os dias 24 e 27 de janeiro. Muita gente pensa que o blog existe desde 1998, já que há posts dessa época. É que, ao iniciar o blog, busquei outros artigos meus que estavam perdidos por aí na internet e os coloquei aqui, com a data da publicação original (é por isso que eles praticamente não têm comentários). A maior parte foi escrita para o jornal catarinense ANotícia, pois fui colaboradora lá entre 1998 e 2011. 

14 anos de blog é uma eternidade, e muitas vezes dá preguiça de escrever. Mas geralmente é por falta de tempo mesmo. Vou tocando o blog. Não será para sempre!

Pra comemorar, pedi pro grande artista Cris Vector fazer um selo comemorativo. Vocês podem vê-lo aí no lado direito da barra do blog, e também em cima neste post. Ele se baseou nesta foto ao lado de quando eu tinha uns 12 anos e meio, em Búzios. 

O Cris é um amor, e ele fez os selos pra celebrar também os 12 e 13 anos do meu bloguinho (aí em cima).

E também a ilustração do meu canal no YouTube, o Fala Lola Fala, que preciso retomar (parei em novembro porque, com a reforma-monstro aqui em casa, não havia silêncio). Conheci o Cris pessoalmente em SP, em 2019. Ele me deu este lindo quadro, que estava pendurado provisoriamente num quarto, mas agora está num lugar com mais destaque. Quando eu terminar de colocar todos os quadros (muitos da minha mãe), vou tirar fotos e colocar aqui. E vou encomendar quadrinhos dos três selos comemorativos. 

E vamu que vamu! Muito obrigada a todas e todos vocês que não cansam de ler o blog e que me acompanham há tanto tempo. E aos que estão chegando agora também! E também a quem divulga e conversa comigo no Twitter. E a quem colabora com guest posts, informações, ilustrações, comentários... Vocês são demais! Obrigada por tudo.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

AÇÚCAR E AFETO PRO CHICO E PRAS FEMINISTAS

Foto de Leo Aversa pro Globo, 2004

Ontem saiu uma matéria no site Metrópoles dizendo que Chico Buarque não irá mais cantar "Com açúcar, com afeto". A segunda linha trazia a informação "A razão são as críticas do movimento feminista ao teor machista da letra". 

Tinha um link embaixo das palavras "movimento feminista", então qual foi a primeira coisa que fiz, antes mesmo de ler o resto da matéria? Cliquei lá. Queria muito saber quem era esse tal movimento feminista (que é tão plural) que considera a letra machista. Seria um grupo que fez um abaixo-assinado explicando os motivos? Algumas feministas que haviam se manifestado individualmente? Quais? Onde? Quando? 

Pois bem. Veja o que aparece quando você clica no link do "movimento feminista": 

"Foi mal! Não achamos essa página". E eu fiquei sem resposta às minhas perguntas. 

Pelo jeito eu fui uma das poucas a ter essas dúvidas, já que o link nunca funcionou. E assim, sei que não é todo mundo que desconfia de afirmativas dobre o "movimento feminista", mas você não fica nem com uma pulguinha atrás da orelha quando lê algo tão genérico sobre o movimento feminista? 

Uma velha tática machista é criar falsas polêmicas em nome do feminismo para deslegitimar os feminismos. Uns anos atrás circulou um texto sobre coisas ultrajantes ditas por uma feminista no programa do Jô Soares. Não me lembro o que ela falava nem o nome dela. O fato é que ela não existia. Haviam inventado uma personagem que seria uma famosa feminista brasileira pra falar altas bobagens. Não há qualquer registro nem da existência dessa feminista, nem do que ela falou, nem de um programa do Jô com ela.

Mascus adoram fazer isso. Lembro quando eles criaram um ato em que feministas iam à praia sem absorvente, com o sangue escorrendo pelas suas pernas, e como, segundo esse grupo feminista, todas as mulheres deveriam fazer o mesmo. Tudo mentira. Mas um monte de gente espalhou o texto, sempre com o propósito de provar como feminista é maluca.

Não estou dizendo que a matéria do Metrópoles seguiu esse roteiro. Ela é assinada por Guilherme Amado, um jornalista sério que eu admiro. E ela dá outros detalhes: Chico anunciou essa decisão na série O canto livre de Nara Leão, em que ele narra que a canção de 1967 foi encomendada por Nara, que pediu uma música de uma mulher sofredora. (Só que faltou dizer que Chico não canta a música há quase 40 anos. Não foi algo que ele decidiu anteontem. Foi até antes da internet!).

Chico foi procurado pela reportagem mas não quis comentar quando tomou essa decisão e se ela envolveria outras de suas músicas. O que sabemos é o que ele diz na série: "Eu gostei de fazer [a canção]. A gente não tinha esse problema. É justo que haja, as feministas têm razão, vou sempre dar razão às feministas, mas elas precisam compreender que naquela época não existia, não passava pela cabeça da gente que isso era uma opressão, que a mulher não precisa ser tratada assim. Elas têm razão. Eu não vou cantar 'Com Açúcar com Afeto' mais e, se a Nara estivesse aqui, ela não cantaria, certamente". 

Bom, eu sou feminista desde os 8 anos de idade, sou autora de um dos maiores blogs feministas do país (esta semana completa 14 anos), e sempre adorei "Com Açúcar, com Afeto". Sempre cantarolei e não pretendo parar. Pra mim a música nunca foi machista. É uma denúncia a uma situação machista que, infelizmente, não ficou no passado. Muitas mulheres hoje ainda vivem a submissão daquela mulher da música. Muito menos mulheres hoje que há 54 anos, ainda bem. Graças a nós e a nossa luta.

Na canção temos uma mulher, o eu-lírico, narrando a sua experiência. Livros, filmes, peças, poemas, histórias em quadrinho, canções -- todas as obras podem incluir personagens machistas, racistas, LGBTfóbicos, capacitistas, etaristas, gordofóbicos etc. Seria até estranho se não incluíssem, já que nosso mundo está cheio de gente assim. E essas personagens podem ser protagonistas dessas obras. Podem ser narradoras. Criar um personagem preconceituoso não faz com que a obra ou o autor seja automaticamente preconceituoso.

E nem toda obra precisa ser empoderadora pra ser feminista. Alertar sobre opressão também é feminismo. Já vi feminista americana dizendo que o grande filme Thelma e Louise não é feminista porque não tem final feliz. Ué, isso importa? Toda a jornada e transformação daquelas duas personagens, a sororidade que formam entre elas, a libertação e o primeiro orgasmo de Thelma -- nada disso é válido? Mas perceba que é possível discordar de feministas sem atacá-las, sem chamá-las de lacradoras ou censoras ou, citando "Com Açúcar, com afeto", sei lá o quê.  

Mas olha só, quando você ouve/lê a explicação do Chico pra não cantar mais a música, no que você pensa que aconteceu para que ele tomasse essa decisão? 1) Uma horda de feministas enfurecidas ameaçaram boicotá-lo, cancelá-lo, deixar de amá-lo (posso dizer sem medo de errar que a maior parte das feministas somos apaixonadas pelo Chico), se ele não jogasse a canção no lixo? 2) Uma feminista mandou pro Chico um email com a foto de sua pistola calibre 45 e a mensagem "Cante essa música mais uma vez e você vai ver o que é bom pra tosse, seu comunista safado"? 3) Terríveis feministas peludas e bigodudas fizeram piquete em frente ao estúdio e foram a um show com cartazes de "Meu Açúcar, Meu Afeto"? ou 4) Ao longo dos anos, uma ou outra amiga feminista do Chico chegou pra ele e disse "Vem cá, você não acha que essa música tá um pouco datada?" 

Minha aposta é a alternativa 4. Então por que tanta gente tá reagindo xingando feministas? O PCO (Partido da Causa Operária), por exemplo, que há anos decidiu que o maior problema da esquerda, e quiçá do Brasil e do mundo, é o identitarismo, falou que as feministas finalmente conseguiram algo que nem a ditadura militar conseguiu: censurar o Chico! Uau, como essas feministas malvadas são poderosas! 

Na minha timeline, várias mulheres, imagino que muitas feministas, vieram manifestar sua revolta contra... as feministas. Uma disse que continuaria cantando "Com Açúcar, com Afeto" a plenos pulmões e mandou as feministas tomarem banho. (Dica: geralmente nos mandam lavar louça). Quem tá te impedindo de cantar, moça? Outra disse que daqui a pouco vamos querer cancelar "Mulheres de Atenas" e "Geni" (acho que não: a primeira é claramente irônica, e o alvo da segunda é quem joga pedra na Geni, nunca Geni). Outra disse que sempre se sentiu incomodada com essa música (arte também é feita pra incomodar). 

Outra disse: a gente vivendo o inferno de um governo fascista, com eleições pra este ano, e as feministas preocupadas com uma música?! Pois é, eu realmente duvido que muitas feministas estejam prontas pra pegar em armas por conta de uma canção de meio século atrás. Mas eu também posso perguntar: a gente vivendo o inferno de um governo fascista, com eleições pra este ano, e o pessoal descendo a lenha nas feministas, nos identitários? Será que esse pessoal não têm nada mais útil pra fazer não?

O fato é que um cantor decidir não cantar mais uma música não é censura. Sting, outro divino e maravilhoso que sempre esteve ligado a causas progressistas, já contou como ficou horrorizado ao ver que a canção mais popular do Police, "Every breath you take" -- a história de um stalker obsessivamente vigiando alguém, provavelmente sua ex --, era vista por muitos como uma canção romântica, tocada em casamentos. Sting não parou de cantar a música porque ela representa um quarto de toda sua renda. Mas ele mesmo a problematizou! Ele está lacrando? Censurando sua própria música? (aliás, dá pra problematizar uma obra e continuar adorando? Depende de cada um. Pra mim dá). 

Teve gente que me informou que Madonna parou de cantar "Material Girl". Não sei. Sei que o Frank Sinatra detestava de coração "My Way", que é tipo a canção favorita de quase todo machista (ou, vamos dizer assim, o hino tocado no velório de tantos avôs). Ele achava que a música não o representava, embora tenha sido adaptada do francês pra ele, e também não aguentava mais cantá-la em cada show em Las Vegas (eu gosto da música, mas cada vez que a ouço, mais penso que ela é irônica, porque não é possível. A parte "devo dizer, não de um jeito tímido" a entrega). Sinatra não pôde deixá-la de lado porque seu público a exigia. Era lucrativa demais pra ser escamoteada.

Uma leitora, a Maria Gamboa, lembrou de outro caso: a banda mexicana Café Tacvba parou de cantar uma de suas músicas mais conhecidas, "La Ingrata", em 2017. O videoclipe de 1995 havia sido escolhido pela MTV como o melhor vídeo latinoamericano do ano. Mas 28 anos depois a banda desistiu daquela canção com uma melodia alegre e dançante que trata de um homem que ameaça e no fim mata sua ex ("Estarei com você no seu funeral", promete ele). Como alegou um dos membros da banda, "Éramos muito jovens quando compomos a canção e não estávamos sensibilizados como essa problemática [feminicídio] como estamos agora". Outro emendou, "Muita gente pode dizer que é só uma música. Mas músicas são cultura, e essa cultura é a que faz com que algumas pessoas se sintam com o poder de agredir, de causar dano". Perceba que demorou 28 anos pra banda se tocar. Nenhuma feminista censora malvadona exigiu. Perceba também que a MTV não viu nenhum problema com a canção na época. Nem a revista Rolling Stone, que elegeu o álbum o melhor da história do rock latinoamericano. 

Um dos primeiros sucessos de Sandy e Júnior, "Maria Chiquinha" (neste vídeo de 1992, as crianças cantam sobre Genaro, que desconfia que foi traído por Maria Chiquinha, e que promete que vai cortar sua cabeça e aproveitar o resto do corpo), ficou fora da turnê comemorativa da dupla em 2019. Durante um show em Fortaleza, o público puxou um coro da música enquanto um problema técnico era corrigido. A dupla cantou um pouquinho, mas Júnior discursou no final: "Com o resto [do corpo]? Para com isso. Isso não é mais aceitável, não são mais os anos 90. Não vou fazer nada com o resto, deixa em paz a Maria Chiquinha. A Maria Chiquinha faz o que ela quiser no mato. Não é muito melhor?" 

Pra ser sincera, eu nem vi feministas problematizando "Com Açúcar, com afeto". O que vi foi o pessoal problematizando o identitarismo em geral e as feministas em particular. Vi gente confundindo a decisão pessoal de um grande artista com censura. Chico tem quase 500 magníficas composições no seu repertório. Ele não tem como cantar todas as 500 em cada show. Escolhe as que quer. Nenhuma vai sumir do catálogo. É fácil encontrar qualquer uma no YouTube.

Existe um termo, snowflake (floco de neve, ou floquinho de neve especial), usado pejorativamente pra classificar gente sensível demais, que se ofende com facilidade (ou seja, pra xingar uma geração ou os identitários). Mas quem critica identitários também parece ser sensível demais, não? Afinal, basta alguém problematizar uma obra que os caras já gritam que é censura, cancelamento, linchamento, lacração! Problematizar, criticar, apontar os preconceitos de uma obra não é censura. Censura é proibir a obra. Ah, censura é também proibir a crítica à obra!

Bom, Chico, agradeço a confiança nas feministas. Por mim, você pode cantar "Com Açúcar, com Afeto" até o final de sua vida, que espero que seja eterna. E se precisar de alguém pra formar um dueto, tamos aqui pra isso. 

UPDATE em 5/2/22: Em entrevista à jornalista Regina Zappa publicada no Brasil 247, Chico conversou sobre a celeuma absurda: "O único feminista que criticou essa música fui eu. Eu disse que não cantava mais 'Com Açúcar, com Afeto', como de fato não canto há muitos e muitos anos. Para mim, essa música é meio datada. Agora, dizer que a cancelei, ou censurei, ou vetei é desinformação ou má fé. Devo ter mais de 400 músicas. Não posso cantar todas. Tem um samba que gosto muito e é uma pena não poder cantar que é o 'Pelas Tabelas'. Não canto mais porque fala 'Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela / Eu achei que era ela puxando o cordão'. Não dá mais. Era situada na época das Diretas Já. Ou seja, todo mundo batendo panela de camisa amarela, se eu cantar hoje... (risos). Ficou datada, não é? Não quer dizer que eu renegue a música. Só não canto mais". 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

O MUNDO É UM LUGAR MELHOR SEM OLAVO DE CARVALHO

As ironias da vida: o guru bolsonarista Olavo de Carvalho morreu de covid. Lógico que seus seguidores (e sua família) inventarão outra causa de morte, porque não pega bem um negacionista antivax que passou os últimos dois anos pregando que a pandemia não existe morrer logo disso. Mas o fato é que ele estava internado com covid. 

Aos 74 anos, cheio das comorbidades, viveu demais. Ano passado ficou quatro meses internado num hospital em SP (mas era contra o SUS). Em novembro, um dia depois de receber uma intimação para depor no inquérito sobre as milícias digitais, fugiu do Brasil. Dizem que foi pelo Paraguai. Mas Heloísa, a filha que rompeu com ele (e que tuitou hoje: "Que Deus perdoe ele de todas as maldades que cometeu"), me convenceu que não tinha como um senhor idoso e doente aguentar horas de carro até outro país. 

Não há absolutamente nada de positivo a ser dito sobre Olavo. Era um ególatra repleto de ódio, rancor e ressentimentos. E não guardava isso pra si. Pelo contrário, ensinava pra sua seita que nunca deveria se debater com o inimigo (qualquer um que discordasse dele), e sim esmagar adversários e arruinar a reputação de pessoas de esquerda. Não à toa, era o ídolo de bolsonaristas, mascus, neonazis, incels. As pessoas mais nefastas do país iam a manifestações fascistas com cartazes de "Olavo tem razão".

Antes da internet, eu nunca tinha ouvido falar dele. Ele é um modelo de como se vendem produtos estragados na internet. A primeira vez que ouvi que o nazismo foi de esquerda foi através de um olavete comentando no meu blog (logo no início, em 2008). Quando descobri a existência dos mascus, vi que eram todos fanáticos por Olavo. Eles criavam tópicos afirmando que Olavo merecia o Nobel (nunca especificavam qual: o da paz? De Literatura? De Física?). 

Eu o comparava a David Irving, um autointitulado historiador que negava o holocausto (sua história é contada no ótimo filme Negação). Com a internet, seu séquito cresceu: Irving conseguiu multiplicar o número de fascistas que juravam que Hitler nunca matou judeus. Sua vida nunca esteve tão boa. Recebe doações que lhe permitem viver numa mansão e dirigir um Rolls-Royce. Não sei quanta grana Olavão arrecadou. Creio que estava falido. Só sua dívida no processo do Caetano já chegava a quase 4 milhões.

Durante sua longa vida, Olavão foi muçulmano, comunista, astrólogo, deu calote em monte de gente, mas encontrou mesmo seu nicho de mercado apelando para a extrema-direita, bem antes de Steve Bannon. Suas ideias não eram originais -- ele apenas copiava as teorias conspiratórias internacionais, mas certamente havia público pra elas no Brasil. Pontuava todas as frases com palavrões e tinha obsessão por c*, como se nunca tivesse saído da fase anal. 

Uma vez eu respondi a um olavete que foi me insultar no Twitter algo como "Deixe-me te desejar um vtc antes de te bloquear". Assim mesmo, vtc (vai tomar no c*), só as iniciais, porque eu não costumo falar palavrão. Aí saiu no jornal: "Professora universitária usa palavrão com um tuiteiro". Era estranho. Sua seita, boa parte formada por fundamentalistas cristãos, não via problema na sua linguagem ou na sua coleção de armas. Ele realmente preparou o terreno pra aceitação de Bolso, que de messias só tem o nome.

Seu pior momento, se é que é possível apontar só um (a Pepsi usa fetos abortados como adoçante?), foi quando ele disse numa live com o padre Paulo Ricardo (que foi caçar urso com ele na Virgínia) que meninas de 9 anos que são estupradas e engravidam nunca deveriam abortar: "Ter um bebezinho é o sonho de toda menina. É por isso que brincam de boneca, se tiver um bebezinho direto já salta a etapa da boneca, porra! Tem que respeitar esse sentimento da criança". No mesmo vídeo ele também gritou: "Esses casos de ataque sexual a meninas, quase todos acontecem em casas de mães solteiras que vivem com o amante, na família regularmente constituída isso é raríssimo".

Megalomaníaco, Olavão costumava dizer que era o ser humano mais perseguido da história da humanidade. Mas era ele quem perseguia e colecionava desafetos. A mim ele chamava de Barangovich. Em 2015, quando o mascu Marcelo (preso desde maio de 2018) criou um site de ódio com meu nome, Roger do Ultraje e Olavão ajudaram a divulgá-lo. Sabiam que o site não era meu, mas não ligavam. Valia tudo pra esmagar adversários.

Olavo não foi negacionista apenas com a covid, mas com tudo. Não acreditava em crise climática nem terra redonda. Lecionava que cigarro faz bem, que a Aids só passa pra gays. Negava a realidade. Preferia se mover através de conspirações como marxismo cultural, foro de SP, vírus chinês. Não era somente contra a vacina que combate a covid, mas contra todas. Fazia propaganda contra vacinação infantil. Um perigo pro mundo todo. Pelo menos foi coerente: não se vacinou. E morreu de covid.

Não vou comemorar (ao menos não publicamente) a morte dele, mas querer que eu lamente o fim de alguém que só causou o mal é um pouco demais. O mundo é um lugar melhor sem lunáticos como Olavo.

Hoje um mascu olavete deixou um comentário às duas da manhã me culpando pela morte do astrólogo (eles já me culparam quando Bolso escorregou no banheiro). Sinto-me lisonjeada, mas não tenho esse poder.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

GOVERNO DO CHILE: NUNCA MAIS SEM ELAS

Semana passada, numa entrevista de Lula a blogueiros progressistas em que só havia uma mulher presente, um deles perguntou ao ex (e futuro) presidente se colocaria mais mulheres no ministério do seu próximo governo. Lula afirmou que esta é uma pauta importante, mas não quis se comprometer muito. 

Tomara que ele siga o exemplo do novo chanceler da Alemanha, o social-democrata Olaf Scholz, e do presidente chileno Gabriel Boric. Ambos prometeram em campanha que seus ministérios teriam paridade de gênero. Scholz já avisou que, das 18 pastas, metade terá ministras. Boric foi além: anunciou 14 ministras e 10 ministros. 

Publico aqui o texto da Isabela, que sempre nos informa do que está acontecendo no nosso país hermano. A jornalista Isabela Vargas é mãe da Gabriela, feminista e integra a coordenação do coletivo Mujeres por la Democracia Santiago de Chile, que organizou os protestos do #EleNao no Chile.

Na semana em que o presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, anunciou os nomes das pessoas que farão parte do seu governo ocupando os ministérios, as redes sociais foram invadidas por várias imagens icônicas. Numa delas, uma montagem mostrava uma comparação entre o primeiro governo depois da ditadura do Pinochet, onde se veem somente homens vestindo camisas brancas com ternos e gravatas pretas, contrastando com o colorido do novo governo, formado por 14 ministras e 10 ministros, que aparecem sorridentes, num clima de descontração com algumas mães, inclusive, segurando seus filhos no colo.

A equipe de governo de Boric reflete os novos tempos no Chile. Formado por mulheres, em sua maioria, o recado das ruas foi ouvido: nunca mais um governo sem a participação delas (nunca más sin nosotras). Alguns nomes, não me surpreenderam porque foram mulheres que tiveram uma intensa participação e protagonismo na campanha eleitoral. É o caso da Izkia Siches, Ministra do Interior e Seguridad Pública (o que equivale a figura de vice-presidente), e da Camila Vallejo, que será a porta voz da presidência ocupando o Ministério na Secretaria Geral do Governo. 

As duas foram companheiras de militância de Boric no movimento estudantil e vários usuários compartilharam fotos relembrando esse período e a trajetória de lutas desses nomes que vão compor o novo governo a partir de 11 de março de 2022. Outras integrantes também geraram grande alvoroço entre internautas pela evidente mudança que representam.

A neta do presidente Salvador Allende, Maya Fernandéz Allende, anunciada como futura ministra da Defesa, foi lembrada nas redes sociais num registro em que aparece nos braços do avô, que morreu logo após o atentado ao Palácio La Moneda, no golpe militar de 1973. Um fato curioso sobre Maya: ela é voluntária do corpo de bombeiros no Chile.

Quem também foi lembrada pelo parentesco com uma figura importante na luta contra a ditadura de Pinochet foi a futura ministra do Esporte, Alexandra Benado. Ela é filha da integrante do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionario) Lucia Vergara, assassinada pelo regime militar em 1983. 

É a primeira vez na história do Chile que o Ministério do Interior será ocupado por uma mulher. As mulheres serão maioria no gabinete (14 a 10), na comissão política (três a duas), e também serão protagonistas em pastas tradicionalmente associadas ao poder masculino como a diplomacia, as Forças Armadas e os tribunais: Relações Exteriores, Defesa e Justiça. 

O anúncio do gabinete de governo foi comentado por vários aspectos, não apenas pela forte representatividade das mulheres. Um dos mais importantes é verdade, já que somente em 2006, a então presidenta Michele Bachelet também anunciou um gabinete com paridade, fato que foi mencionado por Boric em seu discurso durante a cerimônia. 

O novo governo rompe com uma antiga tradição chilena de nomear parentes, já que os círculos de poder estão sempre próximos e ligados por relações de parentesco, seja na esfera pública ou privada. É o famoso “clasismo chileno”. As futuras ministras e ministros têm origens tão diversas como a atual sociedade chilena. Há uma ministra e um ministro que abertamente representam a diversidade sexual e um deles ocupará a pasta da Educação. Esse é um fato que jamais poderíamos imaginar no Brasil de hoje com Bolsonaro presidente. 

Além da equipe inovadora, o local escolhido para o anúncio do novo governo também surpreendeu a muita gente. O evento ocorreu no Parque Quinta Normal, um lugar bem popular aqui em Santiago, que reúne três museus em suas instalações. Boric escolheu um parque público, ponto de encontro e de diversidade, com uma longa tradição histórica onde as pessoas realmente compartilham não apenas o espaço público, mas sonhos e esperanças de um novo Chile.

Numa época em que as imagens valem muito, especialmente pela força das redes sociais, o discurso de Gabriel Boric também foi um ponto importante no anúncio da sua equipe ministerial. Em vários momentos, ele relembrou uma importante artista chilena -- uma das minhas favoritas – Violeta Parra. Boric indicou que a meta é trabalhar “por um Chile que nos abrigue e cuide de nós e que aspire a essa harmonia de que nos falou Violeta Parra, interpretada naquela bela canção final (...) onde ela diz que a harmonia vai ser do pão com o instrumento, do beijo e do pensamento”. 

Depois desse importante evento, podem ter certeza e que a marcha do dia 8 de março, realizada anualmente e que nesta edição antecederá à cerimônia de posse de Boric marcada para 11 do mesmo mês, será novamente “histórica” reafirmando o protagonismo das mulheres nos eventos que estão transformando a sociedade no Chile.