Um rapaz (que prefere não se identificar) da área de TI escreveu este ótimo e detalhado artigo explicando pra gente como funcionam os bots criados para alterar a opinião pública.
Bot é um diminutivo da palavra robot, que significa robô. No contexto de programação e internet é usado para programas de computador que são capazes de simular ações de seres humanos.
O meu primeiro bot foi programado há 30 anos. Era um bot que simulava um jogador no videogame de computador que eu estava desenvolvendo. Um jogo de ação de combate aéreo, similar ao conhecido jogo de Atari 2600, o River Raid. Assim, em vez de ficar pressionando teclas ou usando o joystick para ver se o que acabei de programar estava funcionando adequadamente, apenas assistia a ação, tomava notas, percebia se tinha algo errado. O bot desviava de naves e disparos inimigos, disparava contra eles e tentava marcar pontos. Depois de um tempo de testes voltava a programar o jogo para corrigir os defeitos que identificava.
Também programei bots para testar programas de computador de outros tipos. Os bots preenchiam formulários com nomes, datas, escolhas e enviavam o formulário para ser processado. Preenchiam de forma aleatória, com valores diferentes, para facilitar a descoberta de erros. Se o bot identificasse a palavra erro no formulário automaticamente salvaria a tela, que poderia ser analisada depois.
Atualmente, uso um bot que copia dados de um sistema para o outro sem precisar ter acesso ao código de nenhum dos dois. São muito úteis. Transformo uma tarefa de 5 minutos em 1 minuto sem desgastar os meus tendões.
Um dos bots que programei para aprendizado era capaz de jogar alguns modos de um jogo que eu gostava de forma independente. O objetivo era ver as mensagens que se compram com dinheiro do game. Deixava o bot atuando durante a madrugada para conseguir moedas e diamantes. Quando acordava via as mensagens pagas com o que havia conseguido. As mensagens eram bem engraçadas. Era uma trapaça, mas não afetava ninguém. Era só uma forma de não gastar meu tempo com tarefas repetitivas.
Mostrei para um amigo esse último bot. Ele teve a ideia de criar um bot para fazer colheita de seus amigos num famoso jogo do saudoso Orkut. Tirou umas dúvidas comigo, mas ele mesmo desenvolveu o bot. Eu não achei lá muito legal, pois ele estava trapaceando os seus amigos. Deixava-os frustrados. Perguntavam como ele não dava sossego, se ele não dormia para ficar jogando, já que ele não os deixava acumularem nenhuma produção.
Nessas eleições no Brasil e em outras estrangeiras fomos influenciados pela ação desse tipo de bot. A democracia, que funciona com a apresentação de propostas, visões políticas e alianças, não foi apenas desenvolvida por seres humanos como você. Usou-se de muito dinheiro para acrescentar bots que tiveram o poder de influenciar a opinião pública.
Os bots usaram de informações das redes sociais para descobrir os maiores medos de nossa população. Tivemos campanhas com divulgação de notícias falsas alinhadas a esses medos. Se temos por exemplo quem tenha medo de ser assaltado sem ter como reagir, podemos receber uma fake news falando que armas serão distribuídas gratuitamente para a população.
Os medos que serão explorados podem ser alinhados com qualquer ideologia. Podem passar mensagens prometendo que casas e carros serão confiscados, que direitos trabalhistas serão eliminados, basta descobrir a quais mensagens a maior parte da população é suscetível e escolher o candidato que vai representar a solução para esses medos.
Se num post sobre um candidato você vê dezenas de comentários de apoio -- às vezes exaltando a visão dele, que pode em parte ser parecida com a sua -- você pode começar a se identificar cada vez mais com o candidato em questão. Se o processo se repete mais vezes, você pode sentir uma identificação praticamente absoluta, sentindo que o candidato fará no governo o que você desejaria que fosse feito. Infelizmente, uma boa parte desses comentários vieram de bots. Tente lembrar do tanto de vezes que vocês viram comentários apoiando um candidato, desde anos antes dessa eleição, sem às vezes sequer fazer sentido no contexto.
Quando somos manipulados em massa, passamos a ser nós mesmos os bots que vão até a urna apertar os botões em favor do candidato. Isso não dá para fazer com bots de internet, então nós mesmos fazemos. E achamos que estamos fazendo o certo, que estamos participando do processo democrático, que estamos escolhendo. Não há raciocínio, não há análise, não há tomada de decisão. Só estamos reagindo aos nossos medos. Escolheram por nós e vamos lá apenas para apertar os botões. E sequer tem a ver com inteligência. Mesmo as pessoas inteligentes não são imunes às mensagens falsas direcionadas para explorar os seus medos.
Considerem o quanto isso é, no mínimo, desonesto. Você está interagindo com programas de computador. Eles tem fotos, tem nomes de pessoas, tem amigos que o seguem (normalmente, mais bots). Em alguns casos há o cuidado de se criar uma história para os bots, posts como fotos de aniversário, por exemplo. Alguns são capazes de até conduzir um diálogo, respondendo e fazendo perguntas, concordando, te convencendo. Você pode interagir apenas com bots um dia inteiro e nem perceber.
Todas as redes sociais e formas de comunicação que usam meio eletrônico estão sujeitas aos bots. As mais utilizadas como Facebook, WhatsApp, Instagram e Twitter são particularmente mais vantajosas para se investir. Algumas redes são usadas também para coleta de informações. Uma simples reação de risada numa reportagem em que há denúncia de violência contra uma lésbica pode indicar o perfil do usuário. Juntam-se várias reações similares, comentários e interesses e se consegue bastante precisão.
Bots precisam de recursos computacionais, programadores de computadores como eu, psicólogos, marqueteiros e publicitários para que as mensagens programadas funcionem melhor e atinjam um grande público. Isso tudo custa muito dinheiro. E, se custa muito dinheiro, o investimento não será feito por pessoas comuns, ainda que essas possam ajudar a propagar as mensagens pessoalmente ou por outras formas de comunicação. Será feito por quem tem muito poder econômico. Quem tem muito poder econômico pode até desejar algumas mudanças que sejam boas para a população, mas o seu objetivo primário será sempre aumentar o seu próprio poder econômico. Qualquer lado numa eleição pode usar esse recurso, mas é certo que uma parte será mais beneficiada que a outra. Basta verificar quem será mais beneficiado economicamente.
Em campanhas anteriores tivemos, obviamente, outras formas de manipulação. Só que uma coisa é você receber uma notícia falsa ou tendenciosa vindo da TV, rádio ou jornais impressos, outra é você receber uma mensagem falsa de uma pessoa em quem você confia. E uma mensagem baseada nos seus maiores medos. Você acredita mais, automaticamente, pois a confiança que você tem na pessoa é transferida em parte à mensagem.
Temos que pensar nas perguntas a seguir, procurar informações e lutar para conseguirmos manter algo que poderemos chamar de democracia.
Conseguiremos provar a existência de bots que manipulem eleições?
Esses bots são ilegais?
Se não são, deveriam ser?
Deveriam obrigar que os bots fossem identificados como bots e, em se detectando uso indevido não identificado, penalizar os culpados?
Que empresários investiram para que esses bots fossem utilizados nas campanhas eleitorais?
O investimento foi declarado?
O que esperam de retorno para esses investimentos?
Estou me sentindo muito manipulado, o que posso fazer?
Como você se sente ao saber de tudo isso?
Como poderemos prevenir ou limitar os efeitos dessa manipulação no futuro?