A Ana me enviou este email.
Oi, meu nome é Ana, sou leitora do blog. Estava lendo alguns posts seus, como o de uma menina que se julga feia ou de homens que se relacionam com mulheres gordas, e aquele post de homens que julgam mulheres fora do padrão normativo, e lembrei de algo que me aconteceu há uns cinco anos. Os nomes são fictícios.
Lembro até hoje no primeiro ano do ensino médio do olhar de um menino que me fitou. A princípio eu estava a fim de um outro garoto que ao longo do ano me zoou apenas por gostar dele, mas, vendo que havia quem admirava minha beleza, e talvez me valorizaria, logo fiquei a fim dele, o "Paulo".
Eu, negra, pele escura, cabelo crespo, nariz pequeno, boca levemente cheia, sem corpo escultural de passista, uma menina de altura média, "cheinha", rústica, cabelo amarrado para trás que mesclava entre coque e rabo de cavalo, nerd, nada "feminina", tímida. Ele, um rapaz de pele bem clara, magro, alto, bonito. Parecia gostar de mim e sempre me fitava quando podia. O que mais gostei nele foi o jeito reservado.
A sociedade não gostou. Quem mais se incomodou foi um amigo do Paulo que já havia declarado no começo do ano que eu era muito preta e portanto nunca ficaria comigo (disse a outro garoto e eu ouvi), e logo emendou que eu era muito feia (para disfarçar o racismo que chocou até o menino que lhe perguntou se ficaria comigo).
Paulo não sabia que seu amigo me detestava por ser negra, ele não tinha presenciado esse ato racista, então, ele continuava a me olhar, e a andar com seu amigo. No meio de todos os meninos machistas e agressivos, Paulo parecia diferente, e isso me encantou. Apesar de tudo, ele não me zoava, apenas ficava calado, e eu achava que ele ficava assim por medo de ser zoado, talvez. Tentei esquecê-lo, evitava olhar, mas ele não retrocedia.
No meio de todo bullying que eu sofria por ser quieta, negra, estranha, como diziam, ainda tinha gente de outra sala de olho em mim. Várias meninas paravam na minha frente pra me reparar e se perguntavam o que Paulo tinha visto em mim. Eu tentava fingir que não era comigo, mas doía. O assédio era grande.
Passei a ver Paulo como o diabo e eu fugia dele, pois só o fato d' ele olhar para mim (ele era de outra turma) fazia com que seus amigos de turma implicassem comigo.
Passei a evitar tudo, a não participar de gincanas do colégio, a ter crises de ansiedade que doíam meu estômago, a não ficar nem no pátio do colégio para evitar exposição (eu me isolava no auditório vazio que tinha atrás do pátio do colégio). Durante esse tempo os meninos já tinham inventado coisas de mim que eu desconhecia, apenas ouvia boatos.
Eu já era a feia da sala e nerd estranha, a maioria das meninas negras são, então eu evitava o Paulo pra não ser importunada. Eu nem sabia o nome dele, só soube cinco anos depois, quando eu já havia saído do colégio e ainda sofria as consequências do bullying (depressão e fobia social).
Eu nunca entendia a falta de coragem que Paulo tinha para chegar em mim. Todas as meninas ficavam, algumas nem eram consideradas bonitas, mas depois de pensar bastante, me liguei que o problema era minha cor mesmo. Eu não era uma simples menina, era uma menina negra e pra variar, tímida. Eu era a menina mais escura da sala, e eu pensava que era apenas um complexo meu, até que sempre que passava perto dos colegas de Paulo, notavam que se referiam a mim como "neguinha" e coisas do tipo.
O amigo racista dele aproveitava que ele estava longe e cuspia no chão toda vez que me via, assim, todos os outros meninos passaram a fazer o mesmo, e ele a olhar calado. Às vezes ele até ria, parecia que de nervoso.
Eu já tinha desistido d'ele fazer algum contato comigo, estava no segundo ano depois de um ano de bullying, até que um dia ele me estendeu a mão enquanto eu estava sentada no banco, me cumprimentou. Eu, apavorada, apertei as mãos dele. Todos viram.
A consequência desse aperto não foi muito boa e então eu tive que sair do colégio. Estava insuportável o ambiente, o assédio tanto das meninas quanto dos meninos era demais, eu já não aguentava mais.
Ao todo foi um ano e meio de bullying (saí na metade do segundo ano). Eu era importunada porque não parecia uma menina convencional, segundo eles, porque eu não merecia ser amada por ser "feia", por ser diferente. Ninguém poderia gostar de mim, era o que mostrava a reação de todos.
Apesar de tudo, de toda a covardia dele, ainda assim foi a única lembrança boa que tive do ensino médio. Você já presenciou alguma cena do tipo, Lola? Quem era a menina feia da sua sala? Na sua sala haviam pessoas negras e como eram tratadas, em especial, as meninas?
Meus comentários: Eu estudei numa escola americana em SP, de elite. Havia gente de várias nacionalidades, mas na minha sala não havia negros (se bem que havia indianos, e também japoneses e coreanos). Na minha turma tinha uma muçulmana, uma brasileira gordinha que era bastante zoada, mas talvez mais pelos seus valores conservadores que pela sua forma ou religião. Não sei. Eu gostava muito da minha turma e acho que no ensino médio havia pouco bullying, felizmente. Havia mais na sexta, sétima série pra trás.
Sinto muito por tudo que você passou, Ana. Imagino como isso deve afetar sua autoestima até hoje. Eu fico pasma como tem gente que nega que o racismo exista...