quarta-feira, 30 de abril de 2014

GUEST POST: CONTO SOBRE PROSTITUIÇÃO E ESTUPRO

Navalha na Carne, direção de Rubens Camelo. Brasília, 2013

Marianna Graf quer ser atriz. Ela resume: "Certa vez interpretei a prostituta Neusa Sueli da peça Navalha na Carne. A entrega ao papel me fez refletir sobre alguns assuntos". 
Seu jeito de se expressar foi escrevendo o conto abaixo. Como este é o tipo de post difícil de ilustrar, usarei imagens de montagens da peça clássica de Plínio Marcos. Mas o post não tem relação com Navalha na Carne. Conte o seu conto, Marianna!
Mas atenção: trigger warning, ok?

– Ana Beatriz Carvalho.
Tirei os olhos do chão e fitei o dono da voz grave que chamava o meu nome. Ele era grande, forte e fora de forma. Sua barriga proeminente brigava por espaço com o cinto apertado que ele usava com a farda.
– O delegado vai falar com você agora.
Segui pelo corredor na direção que ele indicara. Seu olhar acompanhou a minha saia curta quando passei na sua frente.
Paula Cohen interpreta Neusa 
Em outras circunstâncias, seria um cliente em potencial. Andei devagar por causa da enorme e dolorida mancha roxa que se destacava na pele branca da minha coxa esquerda. Estava descalça, despenteada e tinha os lábios vermelhos e inchados. Linhas escuras delineavam o caminho das minhas lágrimas, pretas por causa da maquiagem. Eu lembrava bem pouco a garota que havia saído de casa mais cedo naquele dia.
Ao chegar na sala, esperei de pé enquanto o delegado, um homem de uns 45 anos e expressão severa, me olhava de cima a baixo, analisando cada centímetro da roupa que eu vestia. Eu estava com uma blusa decotada cuja alça direita pendia logo abaixo dos meus cabelos, deixando à mostra uma parte do sutiã vermelho que abraçava os meus seios. Minha saia era apertada e ia até a metade da coxa. Nas mãos, levava um par de botas longas de couro preto, assim como uma bolsa pequena da mesma cor.
Vera Fischer em filme de 1997
– Estupro, é isso? – ele perguntou enquanto indicava a cadeira à sua frente. Fiz que sim com a cabeça e sentei encolhida. Não conseguia encara-lo: estava assustada, tremia de frio e o peso do julgamento no seu olhar fazia com que eu me sentisse envergonhada. Normalmente não me importava com esse tipo de comportamento, mas a fragilidade da situação na qual eu me encontrava fez com que eu me sentisse como um bicho acuado. – Hum. Bom, não sei o que você esperava saindo de casa desse jeito.
– Ela é prostituta, Senhor – disse um policial no qual eu não havia reparado quando entrei na sala. Seu rosto era estranhamente familiar, mas não o encarei por muito tempo. Era mais confortável olhar para o chão. Todos aqueles homens me lembravam o estuprador. Seus olhares eram violentos e desrespeitosos, como se eu fosse menos do que um objeto qualquer que eles jogavam fora depois de usado.
Jece Valadão e Glauce Rocha em filme
de 1969
– E como é que você sabe disso, Gomes?
O policial corou por um momento – Quem mais usaria esse tipo de roupa, Senhor? Quem mais estaria na rua a essa hora? – ele respondeu quando a confiança voltou. Olhei para ele novamente e o reconheci. Aquele homem e seu olhar de desprezo já haviam sido meus clientes.
O delegado deu uma gargalhada solta – Relaxa, Gomes. Só a sua esposa não sabe das suas escapadinhas. – voltou-se para mim – É verdade, você é uma mulher da vida, então?
Pensei em negar. Pensei em inventar uma história qualquer e dizer que era outra pessoa. Mas não. Nunca escondi quem eu era, e não seriam aqueles homens que mudariam isso. Levantei o rosto e encarei o delegado corajosamente – Sim. Eu sou uma prostituta, uma mulher da vida ou qualquer merda de nome que você queira dar.
Ele gargalhou mais uma vez – Olha o jeito que fala, sua puta – disse em tom de deboche enquanto se espreguiçava. – Caso resolvido. Pra que me chamaram mesmo?
Nesse momento, o encarei com ódio, mas antes que eu pudesse falar, o policial que havia me conduzido respondeu.
– Ela foi espancada, senhor. Olha as marcas.
O delegado revirou os olhos. – Deve ter aprontado alguma pro cafetão, leva essa vadia daqui.
– Você é louco? – Gritei entre lágrimas – Eu fui estuprada! O desgraçado me humilhou, me bateu, roubou tudo que eu tinha conseguido! Olha minha cara! Olha minha perna! Não é por ser prostituta que eu não possa ser estuprada. Eu tô destroçada, tenho o risco de ter pegado qualquer doença e você não vai fazer nada? NADA?
Louise Cardoso e Diogo Vilela
em montagem de 1995
Ele levantou – CALA A SUA BOCA, VADIA! Quer ir em cana? Vou te colocar numa cela cheia de homem pra você saber o que é estupro! Se bem que já deve estar acostumada a dar pra um monte de cara ao mesmo tempo, né? Gente da sua laia é assim. Parece aqueles viados filho da puta que acham que merecem tratamento diferente. Você é puta, não vou prender um homem de carne fraca só pq você quer. Agora...
Alguém bateu na porta.
– Que foi? – Gritou, babando de raiva.
Uma policial entrou timidamente a sala 
Montagem carioca de 2011
– Prendemos o elemento, senhor.
– Ah! Vamo ver o que o seu “estuprador” tem a dizer. – Deu um sorriso irônico – Traga o rapaz aqui, Denise.
Ela voltou pouco depois com a besta que me atacara aquela noite. Lágrimas escorreram quando olhei para ele, mas não baixei os olhos. Ele sorria pra mim de um jeito nojento.
Tonia Carrero como Neusa em
montagem de 1967
– Tire as algemas do rapaz, fulana. – Ela obedeceu. O homem era alto, mais alto que todos ali, mas sua fisionomia não mostrava a força que tinha. Lembrei de quando aquelas mãos imundas puxaram meu cabelo e bateram meu rosto na parede. Lutei, mas o monstro era mais forte. Ele me arrastou até um beco escuro há poucos metros da rua principal e me encostou num muro baixo.
Resisti e gritei quando ele me forçou a ajoelhar. Uma moça que passava na rua com o namorado me olhou com expressão triste, mas eles nada fizeram. 
Foi quando ele encostou uma lâmina afiada no meu pescoço. “Quetinha, vadia.” Puxou minha calcinha e me penetrou com força. Foi como se ele tivesse me rasgado no meio.  Lágrimas escorreram dos meus olhos e eu tentava imaginar que era um programa como outro qualquer enquanto ele forçava aquele pênis nojento para dentro de mim. Não era. 
“Não atende mais essa hora, é, vadia?” ele disse pouco antes de gozar “Nenhuma puta nega pra mim”. Quando terminou, ele se levantou, pegou todo o meu dinheiro na bolsa, cuspiu no chão e foi embora como se nada tivesse acontecido. Permaneci muito tempo ali antes de ter forças e coragem para levantar.
Agora ele estava ali, sendo protegido pelo homem que deveria me defender.
– Conhece essa moça, rapaz? – O delegado perguntou enquanto me olhava com desprezo. O estuprador fez que sim com a cabeça – E o que aconteceu entre vocês hoje?
– Eu paguei pra trepar com ela. Ela disse que tava indo embora, que não atendia mais, e teve que ser no meio da rua mesmo. A gente foi num beco e ela me deu, só que depois ela ficou de olho grande e pediu mais dinheiro. Eu disse que não e ela veio com uma faca pra cima de mim. – Ele mostrou um pequeno corte na camiseta suja, provavelmente causado pela minha resistência – Daí eu tive que me defende, meu Senhor. Ela tentou me mata.
O delegado sorriu satisfeito e dispensou o rapaz. Eu chorava desesperadamente agora. Aquele homem poderia ir atrás de mim novamente, devia estar com ódio. Supliquei que ele me ouvisse, que prendesse o homem e me levasse para ser examinada. Ele simplesmente me olhou friamente e disse – Vai embora agora ou te prendo. Aproveita que eu tô de bom humor.
Os policiais me escoltaram para fora e me senti triste e idiota por ter tentado fazer a denúncia. Para o sistema, prostitutas não são gente. E para essa sociedade imbecil em que vivemos, vítimas de estupro é que são as culpadas.

terça-feira, 29 de abril de 2014

GUEST POST: GANHO MAIS QUE MEU NAMORADO

A L. me enviou este relato:

Acompanho seu blog e gosto muito das reflexões e do espaço aberto para relatos.
Tenho 25 anos e sou formada em ciência sociais, pretendo um dia fazer mestrado em antropologia, com foco em gênero e antropologia do corpo. Faço dança de salão há anos e como dançarina percebo muita ideologia por trás do aprendizado corporal e gostaria de estudar isso.
Sempre fui independente em relação a relacionamentos. Não sei se por sorte ou por escolha, nunca tive namorados ciumentos ou possessivos. A primeira vez que lembro de ter feito algo que hoje considero feminista foi numa conversa como meu pai. Tive muitos namoricos e ele, em seu machismo, falou que eu não encontraria alguém que me levasse a sério se continuasse assim, que os estagiários que trabalhavam com ele chamavam mulheres como eu de "rodadas". Respondi simples e calmamente: "homem assim não é homem pra mim". 
Outra vez ele falou que pelo número de namorados que eu já tinha tido eu me aproximava de uma prostituta; respondi que essa era a opinião dele, e que como eu não via desse jeito ia seguir minha vida amorosa do jeito que bem entendesse. Minhas respostas a ele sempre foram calmas e seguras de forma que ele não tinha como rebater e não se sentia ofendido. Acredito que consegui isso por fazer terapia com uma psicóloga muito boa, que me ajudou a ter segurança, e por fazer uma faculdade que me ajudou a entender um pouco como funciona o processo de argumentação. 
Ultimamente tenho lido diversos artigos feministas que me ajudam a repensar o machismo que tenho internalizado, converso muito com meu namorado sobre esses assuntos e tento fazer com que ele questione alguns pressupostos dele. Não que ele seja do tipo machista -- pelo contrário --, mas sempre tem algum resquício da sociedade patriarcal.
Um desafio que vejo à frente é que passei em um concurso público e terei um bom salário, e meu namorado escolheu uma profissão difícil e provavelmente não conseguirá ganhar metade do que ganharei, então teremos que vencer a concepção machista que diz que o homem deve ganhar pelo mesmo o mesmo que sua parceira (preferivelmente mais). Minha terapeuta tem me ajudado a combater esses preconceitos internalizados, trazendo pra superfície essa questão que no começo eu estava negando, e me fazendo refletir sobre o que é mais importante, amor ou dinheiro. 
Ele é um namorado maravilhoso, temos uma relação bem igualitária sem possessividade de nenhuma das partes, posso conversar com ele sobre qualquer coisa, ele me ouve e me ajuda a melhorar, tem uma forma de pensar de esquerda e tenta não dar valor demais ao dinheiro. E o mais importante: ele me traz paz e eu trago paz a ele. Assim, a resposta sobre o que é mais importante é bem fácil: sem ter ele do meu lado como meu parceiro, o dinheiro não seria grande coisa, principalmente porque com o que vou ganhar, poderia bancar nós dois. Acho importante que ele tenha seu dinheiro e independência e não se sinta preso, mas não precisa ser mais que o necessário pra isso, o importante é que ele siga fazendo o que gosta e se satisfaça assim.
Ouvi duas mulheres novas (menos de 30 anos) que passaram no mesmo concurso dizendo "Ah, eu sou machista e não importa o quanto eu ganhe, meu marido tem que ganhar mais". Acho muito complicado impor algo tão desnecessário ao seu parceiro, não tem para que a não ser para alimentar uma cultura machista e, na minha opinião, esvaziar o relacionamento -- condicionando o seu sucesso a uma questão financeira e prejudicando a parceria entre os dois.
Escolhi o caminho dos concursos públicos porque queria tranquilidade e liberdade (condições financeiras boas sem ser escrava do mercado privado e com estabilidade), escolhi isso antes de começar meu relacionamento, e se deixasse que meu salário atrapalhasse essa relação ele seria uma prisão e não um facilitador. Nós já conversamos muito sobre o assunto e no começo ele estava um pouco tenso, então falei pra ele que eu corri atrás do que eu queria e consegui e que agora vou poder ajudar ele a correr atrás do que ele quer, o que quer que seja, e cada dia que passa estou mais certa disso.
Meu caso é bem tranquilo perto de tantos outros, mas mostra uma dificuldade nas mulheres de se permitirem empoderar, mesmo aquelas que poderiam muito bem manter uma casa sozinhas insistem em colocar o homem na situação de provedor.

Meu comentário: Pois é, L., essa história de que o homem precisa ganhar mais é parte do senso comum e está mesmo muito internalizada, até pra quem é feminista. E obviamente esse tipo de pensamento não condiz com as mudanças profundas que a sociedade passou e continua passando. Um dia, o fato de mulheres terem maior escolaridade irá se traduzir em salários pelo menos iguais. 
Felizmente, eu e o maridão nunca tivemos problemas quanto a isso, e creio que esse é um indício de que realmente sempre fomos feministas. Nesses 23 anos em que estamos juntos, sempre trabalhamos fora, e sempre revezamos -- havia semestres que eu ganhava mais, havia semestres que ele ganhava mais, mas sempre foi bastante equivalente. 
Só que aí eu passei dois anos fazendo mestrado (com bolsa), e mais quatro fazendo doutorado (com bolsa também, graças!), e eu sabia que meu futuro seria ser professora universitária. E entre professores, quem está na universidade é quem ganha melhor (bom, já ouvi falar de professor de cursinho que ganha uma nota, mas não acho que seja a maioria). 
E o maridão é jogador profissional, técnico e professor de xadrez, e não existe doutorado pra isso, e ele não tem perfil acadêmico. Ele vive de xadrez desde os treze anos de idade, é a vida dele, é o que ele ama fazer. Maravilha quando o que você ama fazer te traz um dinheirão, mas é raro. Em geral, acho, as pessoas ganham mal em empregos que não gostam. Então o maridão ganhar o suficiente pra se sustentar e ainda guardar grana fazendo o que gosta, putz, só tenho aplausos pra ele.
Desde que entrei na UFC, em 2010, eu ganho mais que o maridão. E assim será enquanto eu estiver na universidade (provavelmente, até a nossa aposentadoria). E estamos nos lixando pra isso. Eu ganhar mais que ele é tanto um problema quanto seria se ele ganhasse mais que eu -- ou seja, não é um problema, porque não medimos nosso valor, nem baseamos nosso relacionamento, no salário do outro. 
Somos pão-duros miseráveis frugais, gastamos menos do que ganhamos, não temos sonhos de consumo, temos tudo que queremos. Nunca discutimos por dinheiro (que é uma das principais causas de divórcio).
Uma coisa eu posso atestar: é muito bom prum relacionamento amoroso não estar preso a estereótipos de gênero. Isso nos dá uma liberdade indescritível. Equivale a se livrar de uma das camisas de força impostas pela sociedade, sabe?

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A LIBERDADE DE OPRESSÃO DOS ABERTAMENTE PRECONCEITUOSOS

Sentindo-se confortável no meio da rua?

Foi vendo o documentário O Riso dos Outros (para o qual tive a honra de ser entrevistada), de Pedro Arantes, que descobri que Preta Gil é (ou era? Será que não é mais?) uma muleta no humor brasileiro. Parece que, quando a noite de um comediante de stand-up não está rendendo e o público não ri, o humorista faz uma piadinha falando que a Preta Gil é gorda e feia, e o pessoal gargalha.
Tem gente que adora chamar negro de macaco, mulher de vadia gorda, homossexual de viado, e faz desse tipo de “humor” uma bandeira contra o politicamente correto. Pra essa gente, a pior praga que tem neste planeta não é a fome, a violência, o estupro -- é o politicamente correto.
No ano passado, um desconhecido comediante britânico, Michael J. Dolan, publicou um artigo chamado “Eu fui um comediante misógino”. Ele diz que lançou uma gravação independente com seu show e recebeu duas críticas, uma positiva e outra negativa, esta última declarando que suas piadas eram misóginas. Quando ele perguntou a uma amiga feminista o que ela achava, ela confirmou o machismo dos chistes. Após um pouco de reflexão, ele concordou, e chocou-se como aquilo havia passado batido para ele, o autor do roteiro. Ele escreve no artigo:

"A verdade é que a misoginia está em alta no cenário britânico do stand-up atual. Vá a qualquer clube de comédia e veja o quanto demora até que um dos atos chame uma mulher do público de vadia em troca de uma risada fácil. Veja quantas piadas giram em torno do humorista exercendo alguma violência sobre uma garota imaginária, e espante-se que essas piadas sejam tão bem recebidas. Ou apenas conte as piadas de estupro. Só haverá algumas, mas quase sempre haverá uma ou duas.
Exceto que não são só uma ou duas. A defesa usada com frequência é que são só piadas. Não devem ser levadas literalmente, e nós logicamente não estamos falando sério. Mas você raramente ouvirá um ato contemporâneo tentar justificar o racismo dessa maneira. [Nota da autora: Dolan precisa conhecer alguns humoristas brasileiros]. 
Sabemos que numa cultura racista toda piada racista contribui para essa cultura, e nenhuma delas é aceitável. Com a misoginia não é diferente. Na nossa cultura de misoginia, de violência contra as mulheres, toda piada misógina contribui. [...]
Os comediantes racistas de antigamente foram deixados pra trás quando o resto do mundo avançou. Alguns se recusaram a mudar, alguns foram incapazes de perceber o que havia de errado no que faziam. Uma nova geração de comediantes está prestes a ser deixada pra trás. Aqueles traficando misoginia, homofobia ou outras variedades de ódio para bêbados sem discernimento vão logo ficar sem amigos." (minha tradução).

Seria ótimo se a profecia de Dolan se tornasse realidade. E seria ótimo se muitos dos comediantes que temos no Brasil fizessem essa autocrítica que ele faz. Assim como podemos, na educação, fazer a pergunta "Pra que(m) serve o teu conhecimento?", também podemos perguntar: "Pra que(m) serve a tua piada?" Para ajudar a derrubar preconceitos, ou para perpetuá-los? Para empoderar grupos historicamente oprimidos, ou para oprimi-los mais uma vez?
Infelizmente, muitos humoristas parecem se achar semi-deuses, imunes a críticas, acima do bem e do mal. A cada nova discussão, esses comediantes costumam bradar “Censura!” Eles reclamam que há uma “patrulha”, uma “ditadura do politicamente correto” que não permite que realizem seu trabalho, que, dizem eles, é apenas o de fazer rir. Mas emprego é o que não falta pra eles. 
Existe uma inversão de valores, já consolidada pelo senso comum. Enquanto vários comediantes são vistos como modernos e despojados -- apesar das palavras reacionárias que saem de suas bocas -–, as pessoas que lutam por mudanças na sociedade são consideradas caretas e atrasadas. O resultado é que hoje politicamente incorreto virou eufemismo para abertamente preconceituoso.
O humor pode sim ser transgressor. Mas o que esse pessoal que ataca minorias pra fazer piada precisa entender é que eles não estão transgredindo nada. Seus tataravôs já eram preconceituosos. 
Certamente eles já comparavam negros com macacos, já faziam gracinhas sobre a sorte que uma moça feia tem em ser estuprada. Quem ainda adota essas piadas no século 21 não está sendo ousado ou criativo, só está seguindo uma tradição. Ousadia é querer mudar o mundo, começando pela forma que falamos. Não há nada de novo ou de rebelde ou de engraçado em eternizar velhos preconceitos.
Piadas não são neutras. São armas que podem ferir, destruir, perpetuar preconceitos, e também derrubá-los. O humor é um discurso como outro qualquer, não está acima da lei. Querer que o humor se responsabilize pelo que diz não é censura -– é também liberdade de expressão. Mas muitos humoristas parecem querer manter, a qualquer custo, a liberdade de opressão.

domingo, 27 de abril de 2014

FORAM AS FEMINISTAS QUE CRIARAM E USARAM MÍSSEIS ATÔMICOS

Clique para ampliar mais esta pérola do masculinismo brasileiro

Eu não resisto! Desculpe, gente, pensei que ficaria sem falar dos mascus por uns bons meses, mas às vezes me sinto como o Al Pacino no Poderoso Chefão 3
O troço acima foi publicado hoje pelo mascuchris, o funcionário público da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul que prometeu acabar sozinho com o feminismo no mundo. 
Cris está muito chateado com as feministas em particular e com as mulheres em geral. Hoje ele escreveu (tudo sic): "A mulher moderna é a criatura mais baixa e desprezível de todo o Universo. Eu tenho certeza de que em nenhum lugar desse Universo, nem nas mais longínquas galáxias, haveria uma raça alienígena que houvesse se degradado tanto quanto a mulher feminista moderna. E depois alguém vai querer culpar os gays só porque eles não se rebaixam em fazer sexo com uma criatura animalesca dessas? Quanto mais eu vejo o quão baixa e decadente está a mulher feminista moderna, mais as travestis sobem no meu conceito". 
Quer dizer, nada de novo no front. Chris fala isso todo dia, só que foi a primeira vez que acrescentou um caráter mais intergalático à coisa. Será que a missão de Chris não é mais apenas acabar com o feminismo no Brasil e no mundo, mas em todo o universo? Marcianas feministas, tremei! 
Chris certamente está fazendo a sua parte. O trecho que destaquei no início do post é uma das dicas que ele dá para homens combaterem o feminismo no dia a dia. Então, já viram: jamais votem em mulheres, porque mulheres são lunáticas e podem, se tiverem poder, jogar bombas nucleares em cidades japonesas... como nós fizemos na Segunda Guerra! 
Sei lá, mísseis nucleares são coisa tão masculina que os apelidos dados às bombas feitas e lançadas por homens em Nagasaki e Hiroshima levavam o apelido de Fat Man e Little Boy (Homem Gordo e Garoto Pequeno). Mísseis nucleares são coisas tão, mas tão fálicas que o genial Kubrick fez praticamente um filme inteiro sobre isso: Dr. Fantástico (que este ano completa cinquenta anos). 
Aliás, essa comédia clássica tem tudo a ver com os mascus. O general maluquinho que deflagra os mísseis americanos contra os russos, em plena guerra fria, têm certeza que seus "fluídos corporais" estão corrompidos pelo flúor colocado na água. 
Mascus também acreditam nisso de que o governo têm abaixado a testosterona dos homens através de toxinas na água. É tudo uma conspiração feminista-marxista pra acabar com a masculinidade, saca?
É isso aí, mascus! Continuem sendo sempre racionais! Imagine o perigo que seria se mulheres lunáticas tivessem o poder de explodir o mundo!