Ontem de manhã o pessoal do Facada Fest entrou em contato comigo, e pouco depois saiu uma matéria extensa na Folha de SP sobre o coletivo de punk rock de Belém. Hoje o #FacadaFest chegou ao topo dos Trending Topics do Twitter.
O festival acontece na capital do Pará desde 2017, ou seja, bem antes da "fakeada do mito". Em junho do ano passado, Carluxo se incomodou com uma das imagens de divulgação do festival, que mostrava um palhaço com faixa presidencial sendo empalado por um lápis. Um ex-delegado e agora deputado federal do Pará pela extrema-direita compartilhou o cartaz na sua rede social.
O autor da imagem do palhaço, o artista Paulo Victor Mauro, explicou que, quando fez a arte, o país estava no meio das manifestações em defesa da educação. "Por isso me deram a ideia de fazer o lápis, que representa a educação, derrotando essa palhaçada. [...] Não tem incitação de matar ninguém. Não passamos a ideia de fuzilar oposição", alfineta ele.
Mas Carluxo não viu desse jeito, e tuitou:
"Tá valendo tudo nesse país da p*taria da esquerda. Está na hora de agir antes que seja tarde". Os organizadores então adiaram o festival, já que ele aconteceria em lugar aberto (em frente ao Mercado de São Brás) e poderia atrair reaças para brigar. O Facada Fest 3 foi remarcado em julho para um lugar fechado. Porém, meia hora antes do início, quase vinte viaturas policiais chegaram para impedir o evento. Inventaram que um dos alvarás estava vencido.
Finalmente, após a mobilização da esquerda contra a censura, o Facada Fest ocorreu dois meses depois, com grande sucesso. E ainda gerou outras edições em cidades como Belo Horizonte, Campinas, Curitiba e Marabá (com cartazes que também incomodam muito).
Mas a censura não dorme em serviço.
Graças ao presidente do Instituto Conservador, que fez representação criminal contra os organizadores por crimes contra a honra de Bolsonaro, o assunto acabou na Procuradoria-Geral da República e no Ministério da Justiça, comandado por Sérgio Moro, que ordenou a abertura de um inquérito por apologia ao crime. Depois Moro negou que a investigação foi sua, mas que "poderia ter sido" (mentira!). Ontem quatro integrantes do coletivo foram chamados para depor na Polícia Federal.
Uma das fundadoras do Facada, Josy Lobato, aponta que o Facada Fest não é um festival de rock, mas um ato político e cultural. E ela compra a briga: "Ficamos surpresos, mas não vamos parar por conta disso [do inquérito, da perseguição policial]. O Facada nasceu na periferia, já sofremos violência todos os dias. Se incomoda é porque estamos fazendo barulho".
Segue o manifesto que o Facada me enviou ontem:
SERGIO MORO PERSEGUE FESTIVAL DE ROCK PARAENSE
Cartaz de Marabá, PA |
Os integrantes do festival de rock Facada Fest foram intimados a comparecer a Polícia Federal para prestar depoimento. Em despacho assinado pelo Ministro da Justiça, Sergio Moro, e pelo Procurador Geral da República, Augusto Aras, a organização do festival é acusada de "apologia de crime" e "crimes contra a honra" do presidente da república, Jair Bolsonaro. O motivo, alega o Ministro da Justiça, é a ilustração do cartaz do evento. Em tom satírico, ela mostra o triunfo da educação sobre o obscurantismo ao retratar um palhaço empalado por um lápis. Realizado em junho do ano passado, o Facada Fest foi um sucesso de público e não registrou nenhuma ocorrência policial, além de ter arrecadado brinquedos para o instituto infantil Bianca e Adriele. Os depoimentos acontecem hoje [ontem] às 14:00 horas, na sede da Polícia Federal em Belém do Pará.
A perseguição ao Facada Fest começou em junho do ano passado. Na ocasião foram mobilizadas quase duas dezenas de viaturas -- entre PM, Polícia Civil, Choque, Secom e Bombeiros -- para reprimir o evento, que acabou sendo cancelado e realizado um mês depois. Com um público estimado em três mil pessoas, o Facada Fest contou ainda com shows de rock, punk rock, hardcore, rap, oficinas de reciclagem e compostagem de lixo, exposição de artes plásticas, leitura de poesia e arrecadação de brinquedos para o instituto Bianca e Adriele, que cuida de crianças carentes no bairro da Pratinha, região metropolitana da capital paraense.
Com tantos problemas ocorrendo neste momento no Brasil -- motim das polícias militares, degradação ambiental na Amazônia e os indícios cada vez mais fortes de ligações entre políticos e milicianos -- causa-nos espanto o uso do aparato judicial e policial de nosso país na repressão de um festival de música. Criminalizando a atividade artística e a liberdade de expressão, garantidas pela Constituição de 1988, a Constituição Cidadã.