Publico artigo de João Paulo Jales dos Santos, estudante do curso de Ciências Sociais da UERN e colaborador frequente aqui do blog.
Elizabeth Warren é oficialmente pré-candidata presidencial democrata. O anúncio de Warren ocorreu cedo. Via de regra, pré-candidatos anunciam suas postulações entre os meses de março e abril. Warren, uma das líderes do movimento progressista, pode dividir a disputa pela indicação do movimento à presidência com Bernie Sanders, que não anunciou ainda que estará concorrendo, mas é alta a probabilidade do senador de, pela segunda vez consecutiva, ser candidato à indicação democrata.
Sanders não é filiado ao partido, é independente, mas no Senado é vinculado aos democratas através do caucus, congregação senatorial que o vincula à bancada democrata. Warren em 2016 não chegou a apoiar publicamente Sanders, preferiu se manter neutra durante o processo de primária de seu partido, vindo a tomar posição somente após a escolha de Hillary Clinton como candidata oficial, momento no qual Warren discursou na convenção nacional democrata defendendo o voto em sua correligionária.
A corrida presidencial nos Estados Unidos se inicia cerca de um ano e meio antes das escolhas dos candidatos pelos partidos em suas respectivas convenções partidárias. Há expectativas de que outros nomes vinculados ao movimento progressista anunciem candidaturas, no entanto, com o anúncio de Warren, a senadora acabou por refrear outros possíveis postulantes do seu movimento político, prejudicando, inclusive, chances maiores de Sanders conseguir a indicação. Se vier a anunciar a pré-candidatura, ele disputará diretamente com Warren o voto dos liberais-progressistas, dos socialistas democratas e da classe trabalhadora. Mas caso perca a indicação, fica a dúvida se poderá tentar uma candidatura à presidência concorrendo como candidato independente, se estiver bem posicionado nas pesquisas.
Convém olhar cuidadosamente o mapa da votação eleitoral das primárias democratas em 2016. Sanders aliou em torno de si os eleitores brancos democratas dos estados tradicionalmente mais conservadores, com os votos dos trabalhadores progressistas e os jovens e adultos mais à esquerda. Perdeu a indicação para Hillary porque teve baixíssimo apoio entre os negros, que representam um número alto de eleitores nas primárias democratas.
Desde 2017, Sanders vem viajando o país e levando sua plataforma de governo para estados tradicionalmente republicanos e aqueles atrelados à classe trabalhadora do meio-oeste. O intuito é organizar em torno de si os eleitores identificados com as causas trabalhistas e sociais, mas que penderam para Donald Trump em 2016, e tornar seu nome mais conhecido entre o eleitorado sulista negro, grupo que foi crucial por fazer de Hillary a indicada em 2016. É extremamente relevante que Sanders esteja levando sua plataforma para estados rurais, de médio porte populacional e para as antigas zonas industriais americanas. As andanças por essas regiões compreende zonas eleitorais longe da influência política e cultural dos grandes centros liberais americanos.
O movimento progressista democrata, que reúne em seu interior membros jovens, racialmente diversificados, com preponderante liderança de mulheres e partidários identificados com o socialismo, tem agora uma real possibilidade de tirar das mãos do establishment democrata neoliberal centrista a indicação presidencial de 2020. Alguns fatores são cruciais para isso.
A ala progressista está mais mobilizada na base dos movimentos de massas, o eleitorado democrata tem opiniões majoritariamente identificadas com as propostas trabalhistas, sociais e ambientais defendidas pelos progressistas, e um fator crucial que pende para que a balança do poder do controle do partido possa estar daqui a alguns anos sob controle do movimento, é que os democratas socialistas e progressistas são muito mais jovens que seus correligionários centristas. Há um enorme fosso geracional que divide a esquerda democrata dos centristas democratas.
E como a ascensão nas fileiras partidárias pertence ao grupo vinculado com as ideias de Alexandria Ocasio-Cortez, presume-se que as jovens lideranças socialistas serão aquelas que em breve estarão à frente da direção política do partido democrata.
E é justamente no que tange à liderança que os socialistas e progressistas democratas estarão sendo testados. Política é capacidade qualitativa de liderança, e as novas lideranças que ascendem na legenda democrata serão testadas nesse quesito. Os mandatos da ala mais à esquerda do partido serão postos em prática na atual legislatura americana. O modo como irão apaziguar, moderar, estabelecer consenso e debelar crises, são pontos cruciais aos quais as novas lideranças estarão sendo testadas.
Se forem bem-sucedidas, tendem a ter maior controle sob o partido democrata, e com isso, moldarem a agenda política da legenda, deslocando-a do centrismo liberal para uma plataforma mais à esquerda.
Não será tarefa fácil. O grupo de Ocasio-Cortez, Rashida Tlaib, Ilhan Omar, se verá diante de lobbies de grandes corporações, de necessidade de captação de recursos para eleições e mobilizações sociais e parlamentares. Como reagirão os socialistas democratas diante dos conflitos que terão com as forças econômicas neoliberais dirá e muito da capacidade do grupo de liderar uma mudança política no partido democrata.
Há uma profunda crise social e econômica nas entranhas dos Estados Unidos. O desemprego está em baixa, mas a qualidade dos empregos está aquém do período pré-crise. Os ganhos reais nos salários se dá paulatinamente, e não são todas as categorias que ganham aumentos reais, que se concentram na faixa dos empregos ligados à área de ciência e tecnologia e aqueles vinculados às carreiras executivas. A desindustrialização deixou uma profunda depressão social na região da outrora portentosa base econômica industrial manufatureira. Os altos salários da indústria deixaram de existir, e a mão-de-obra dos trabalhadores teve que se voltar para subempregos ou então se alocar em funções empregatícias de menor remuneração, como aquelas do setor de serviços.
A recuperação econômica não se dá uniformemente entre as regiões americanas, as costas oeste e leste consomem grande parte da recuperação econômica da crise neoliberal de 2007/2008, enquanto o vasto interior americano ou não vê ganhos, ou quando os vê, são extremamente modestos. E o crescimento econômico das costas não ocorre de maneira padronizada dentro das regiões dos estados. Enquanto as grandes áreas metropolitanas de Washington, Oregon, Califórnia, Nova York, Nova Jersey e Massachusetts, concentram a quase totalidade do crescimento econômico e da oferta de postos de trabalhos com melhores salários, as regiões interioranas afastadas das grandes cidades enfrentam dificuldades econômicas.
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Homeless in Seattle: sem teto |
Além dos desafios de ordem econômica que o movimento progressista terá que enfrentar e oferecer propostas para solucionar, há o exponencial aumento da desigualdade social, da miséria e da falta de habitação que assola a sociedade americana. Nova York, as cidades do Vale do Silício, Los Angeles e Seattle, só para citar algumas, estão com ruas cada vez mais abarrotadas de mendigos, com aluguéis altíssimos, um alto percentual de gentrificação, que faz questionar não só socialmente, mas moralmente, se é saudável ter grandes empreendimentos de alta tecnologia nas zonas urbanas densamente povoadas, quando a presença de grandes corporações, por mais que ofereçam mais empregos e com possibilidade de melhor remuneração, estão fortemente correlacionadas com uma piora na já aguda crise social acarretada pelo neoliberalismo.
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Sem teto no Vale do Silício |
O custo financeiro governamental que impacta na alta renúncia tributária que cidades oferecem para instalações de megas corporações, abrindo mão, portanto, de mais recursos para a provisão de serviços públicos, aliado com cada vez mais exclusão social causada pela chegadas da corporações, é um debate em voga na sociedade americana, que os líderes socialistas terão que tomar dianteira caso queiram frear mais geração de desigualdades.
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Trocadilho de acampamento de sem-teto em Seattle: home sweet home (lar doce lar) vira homeless (sem teto) |
Alguns dos grandes financistas democratas, que adoram doar para causas humanitárias e das liberdades individuais, mas que não gostam quando se questiona a ordem liberal, certamente não ficarão contentes com a ascensão de um grupo de jovens socialistas que questionam o status quo do atual estágio econômico-predatório, consumista e imediatista neoliberal. Não será pouco o incômodo causado em grandes doadores ao verem ser questionados seus negócios que geram desigualdades sociais, paulatino desaparecimento de postos de trabalho, e alta concentração de riqueza, por socialistas com um projeto de fazer oposição ao ordenamento neoliberal.
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A dureza de ser professora nos EUA |
Afinal de contas, os novos quadros progressistas da política americana emergem no interior do estado de coisas da ordem neoliberal, e serão ferozmente confrontados ao questionarem um modo de vida que faz o trabalhador ser um eterno pagador de contas e dívidas dos bancos e da burguesia. Isso aprisiona o trabalhador numa sujeição em que sua preocupação de questionamento simbólico e existencial de pertencimento de classe dentro do mundo capitalista, o faz desviar suas atenções apenas para o que comer e como pagar os assaltos diários das cobranças capitalistas.
Uma relevante constatação político-eleitoral da eleição de 2018 tange o crescimento do voto hispânico, que se tornou uma alta expectativa nos ordenamentos progressistas. A suposição de que o eleitor hispânico automaticamente se vincula com uma candidatura democrata precisa ser vista com cautela. Bill Nelson perdeu sua reeleição na Flórida porque os hispânicos votaram em menor número em sua postulação.
No Texas, mesmo Beto O’Rourke tendo feito um forte avanço na votação democrata, o eleitorado latino ficou bem abaixo de votar em altos números em sua candidatura. O crescimento demográfico hispânico criou uma espécie de mito entre os democratas, ao pensar que como fazem os negros, os latinos votariam em altíssimos índices em candidatos democratas, o que parcialmente até aqui, ainda não ocorreu.
Os democratas ainda precisam de apoio mínimo entre os brancos para ganhar em estados indecisos. Kyrsten Sinema venceu no Arizona porque teve uma considerável votação entre os brancos, que somou com sua votação entre as minorias raciais, e a fez vencer num estado que é relativamente conservador. E mesmo o avanço de O’Rourke no Texas ocorreu porque sua candidatura viu aumentar o voto entre o eleitorado branco, quando se compara com a votação de Hillary com esse grupo demográfico no estado em 2016.
Na Geórgia, onde a composição negra no eleitorado é significativamente maior que a da população latina, Stacey Abrams energizou a base democrata e teve a maior votação do partido em disputas estaduais desde 1998. Não venceu por pouco. Stacey, assim como Andrew Gillum, duas notórias figuras progressistas em ascensão, mesmo perdendo, fizeram avanços eleitorais importantes, que sinalizam que num próximo ciclo eleitoral, mesmo em estados razoavelmente conservadores como a Geórgia e a Florida, o progressismo pode, a depender da conjuntura política, vencer nas urnas em disputas executivas. Afinal, não é todo dia que se ganha, e muitas das vezes, é necessária paciência para se construir coalizações eleitorais que possibilitem de fato, vitórias.
Nos próximos meses, o movimento progressista passará por um importantíssimo teste político. Sua capacidade de se sobressair no aparato-institucional legislativo americano e formar uma base social-eleitoral que lhe permita vencer nas próximas eleições será seu maior desafio.
A história política americana é cíclica. Há pouco tempo, no rescaldo da histórica vitória de Obama, o movimento ultradireitista Tea Party derrotou nomes tradicionais do partido republicano nas primárias partidárias e venceu na eleição geral. Os novos parlamentares socialistas democratas vêm no lastro da impopularidade de Donald Trump.
Neste ciclo eleitoral, é a esquerda que se sobressai. No ciclo de 2010, era a direita reacionária que se sagrava nas urnas. O Tea Party, por ora, está enfraquecido. O desafio do progressismo- socialista americano é perdurar nos próximos anos, para que suas ideias possam ser alternativas factíveis na sociedade do capitalismo imperialista.