Reproduzo aqui o aqui o relato da figurinista Su Tonani, publicado hoje na coluna Agora é que são elas, da Folha (já foi deletado. Por quê?).
Su em foto de viagem |
Como José Mayer é uma celebridade, um nome nacionalmente conhecido, a denúncia de Su vai dar muito o que falar. Ela conta que o ator, que fez fama e fortuna principalmente por interpretar garanhões (muitas vezes misóginos) nas novelas, a assediou durante meses nos camarins da Globo. Apesar de Su deixar claro que não queria nada com ele -- quase quarenta anos mais velho que ela --, ele continuou.
Culminou quando, em fevereiro deste ano, na frente de duas outras mulheres (que acharam engraçado e não falaram nada), o ator pos a mão na vagina de Su. Aí já não é nem mais assédio, é estupro mesmo. Poucos dias depois, num set com trinta pessoas, Mayer a ameaçou de tocá-la novamente caso ela não voltasse a falar com ele. Ele a xingou de "vaca". Todo mundo viu. Essa foi a gota d'água para Su que, com muita coragem, decidisse denunciá-lo.
Vamos ver o que a Globo vai fazer. Vai abafar o caso? Vai punir a vítima? A Globo é uma empresa como outra qualquer. Se uma funcionária denuncia assédio, isso precisa ser investigado. E a empresa precisa tomar uma atitude. De preferência, uma atitude exemplar que desestimule outros homens (porque são quase sempre homens) a agirem da mesma forma.
A denúncia, na realidade, veio à tona no início de março, ainda sem identificação da vítima. Na ocasião, havia a notícia de que uma outra funcionária havia pedido demissão após ter sido agarrada à força pelo ator no camarim. A Globo se manifestou, dizendo: "O desrespeito no ambiente de trabalho não é tolerado pela emissora. A Globo não comenta assuntos internos".
Notícia de 3 de março de 2017 |
Cartaz em protesto feminista contra cultura de estupro: Não tem a ver com libido, tem a ver com poder |
Su sabe muito bem que será acusada de oportunista e mentirosa. Se já não é nada fácil denunciar assédio e estupro cometidos por homens comuns, fica mais difícil ainda quando o algoz é um galã famoso. Afinal, na imaginação popular, ator e personagem se fundem. As pessoas acreditam que José Mayer pode ter qualquer mulher que quiser. É o que dizem sempre que uma mulher denuncia estupro de um cara famoso, bonitão (pense em Bill Cosby, cujo número de vítimas já ultrapassou 58) -- por que ele a estupraria? Todas as mulheres querem dar pra ele, ele não precisa disso. É até uma honra pra ela ser assediada por Mayer!
Esse senso comum e extremamente ignorante é o mesmo que acha que só mulher jovem e bonita é assediada e estuprada. Porque, prum monte de gente, estupro é a manifestação natural e incontrolável do instinto masculino (veja que quem diz isso não são as feministas, e sim a sociedade machista. É quem é acusada de odiar homens?), e não um desejo de poder e humilhação.
Toda a sororidade a Su Tonani. Nós feministas vamos acompanhar essa história.
JOSÉ MAYER ME ASSEDIOU
Por #AgoraÉQueSãoElas
Por Su Tonani
Eu, Susllem Meneguzzi Tonani, fui assediada por José Mayer Drumond. Tenho 28 anos, sou uma mulher branca, bonita, alta. Há cinco anos vim morar no Rio de Janeiro, em busca do meu sonho: ser figurinista.
Qual mulher nunca levou uma cantada? Qual mulher nunca foi oprimida a rotular a violência do assédio como “brincadeira”? A primeira “brincadeira” de José Mayer Drumond comigo foi há 8 meses. Ele era protagonista da primeira novela em que eu trabalhava como figurinista assistente.
E essa história de violência se iniciou com o simples: “como você é bonita”. Trabalhando de segunda à sábado, lidar com José Mayer era rotineiro. E com ele vinham seus “elogios”. Do “como você se veste bem”, logo eu estava ouvindo: “como a sua cintura é fina”, “fico olhando a sua bundinha e imaginando seu peitinho”, “você nunca vai dar para mim?”.
José Mayer como Tião na novela A Lei do Amor |
Quantas vezes tivemos e teremos que nos sentir despidas pelo olhar de um homem, e ainda assim – ou por isso mesmo – sentir medo de gritar e parecer loucas? Quantas vezes teremos que ouvir, inclusive de outras mulheres: “ai que exagero! Foi só uma piada”. Quantas vezes vamos deixar passar, constrangidas e enojadas, essas ações machistas, elitistas, sexistas e maldosas?
Pai e filha: José Mayer e Julia Fajardo em 2014 |
Foram meses envergonhada, sem graça, de sorrisos encabulados. Disse a ele, com palavras exatas e claras, que não queria, que ele não podia me tocar, que se ele me encostasse a mão eu iria ao RH. Foram meses saindo de perto. Uma vez lhe disse: “você é mais velho que o meu pai. Você tem uma filha da minha idade. Você gostaria que alguém tratasse assim a sua filha?”
A opressão é aquela que nos engana e naturaliza o absurdo. Transforma tudo em aceitável, em tolerável, em normal. A vaidade é aquela que faz o outro crer na falta de limite, no estrelato, no poder e na impunidade. Quantas vezes teremos que pedir para não sermos sexualizadas em nosso local de trabalho? Até quando teremos que ir às ruas, ao departamento de RH ou à ouvidoria pedir respeito?
Em fevereiro de 2017, dentro do camarim da empresa, na presença de outras duas mulheres, esse ator, branco, rico, de 67 anos, que fez fama como garanhão, colocou a mão esquerda na minha genitália. Sim, ele colocou a mão na minha buceta e ainda disse que esse era seu desejo antigo. Elas? Elas, que poderiam estar eu meu lugar, não ficaram constrangidas. Chegaram até a rir de sua “piada”. Eu? Eu me vi só, desprotegida, encurralada, ridicularizada, inferiorizada, invisível. Senti desespero, nojo, arrependimento de estar ali. Não havia cumplicidade, sororidade.
Mas segui na engrenagem, no mecanismo subserviente.
Nos próximos dias, fui trabalhar rezando para não encontrá-lo. Tentando driblar sua presença para poder seguir. O trabalho dos meus sonhos tinha virado um pesadelo. E para me segurar eu imaginava que, depois da mão na buceta, nada de pior poderia acontecer. Aquilo já era de longe a coisa mais distante da sanidade que eu tinha vivido.
José Mayer em A Lei do Amor |
Até que nos vimos, ele e eu, num set de filmagem com 30 pessoas. Ele no centro, sob os refletores, no cenário, câmeras apontadas para si, prestes a dizer seu texto de protagonista. Neste momento, sem medo, ameaçou me tocar novamente se eu continuasse a não falar com ele. E eu não silenciei.
“VACA”, ele gritou. Para quem quisesse ouvir. Não teve medo. E por que teria, mesmo?
Chega. Acusei o santo, o milagre e a igreja. Procurei quem me colocou ali. Fui ao RH. Liguei para a ouvidoria. Fui ao departamento que cuida dos atores. Acessei todas as pessoas, todas as instâncias, contei sobre o assédio moral e sexual que há meses eu vinha sofrendo. Contei que tudo escalou e eu não conseguia encontrar mais motivos, forças para estar ali. A empresa reconheceu a gravidade do acontecimento e prometeu tomar as medidas necessárias. Me pergunto: quais serão as medidas? Que lei fará justiça e irá reger a punição? Que me protegerá e como?
Sinto no peito uma culpa imensa por não ter tomado medidas sérias e árduas antes, sinto um arrependimento violento por ter me calado, me odeio por todas às vezes em que, constrangida, lidei com o assédio com um sorriso amarelo. E, principalmente, me sinto oprimida por não ter gritado só porque estava em meu local de trabalho. Dá medo, sabia? Porque a gente acha que o ator renomado, 30 e tantos papéis, garanhão da ficção com contrato assinado, vai seguir impassível, porque assim lhe permitem, produto de ouro, prata da casa. E eu, engrenagem, mulher, paga por obra, sou quem leva a fama de oportunista. E se acharem que eu dei mole? Será que vão me contratar outra vez?
José Mayer em Presença de Anita, 2001 |
Tenho de repetir o mantra: a culpa não foi minha. A culpa nunca é da vítiva. E me sentiria eternamente culpada se não falasse. Precisamos falar. Precisamos mudar a engrenagem.
Não quero mais ser encurralada, não quero mais me sentir inferior, não quero me sentir mais bicho e muito menos uma “vaca”. Não quero ser invisível se não estiver atendendo aos desejos de um homem.
Su Tonani, mulher de coragem |
Falo em meu nome e acuso o nome dele para que fique claro, que não haja dúvidas. Para que não seja mais fofoca. Que entendam que é abusivo, é antigo, não é brincadeira, é coronelismo, é machismo, é errado. É crime. Entendam que não irei me calar e me afastar por medo. Digo isso a ele e a todos e todas que, como ele, homem ou mulher, pensem diferente. Que entendam que não passarão. E o que o meu assédio não vai ser embrulho de peixe. Vai é embrulhar o estômago de todos vocês por muito, muito tempo.
UPDATES: A Folha disse ter removido o relato da Su porque feria o regulamento de não ouvir o outro lado.
Agora no final da tarde José Mayer se pronunciou: negou tudo, óbvio, e disse que estava sendo denunciado pelo comportamento machista de seu personagem. Uma péssima desculpa.
A atriz Leticia Sabatella, que já trabalhou duas vezes com Mayer, se posicionou no Facebook. Colocou o texto de Su e disse que "José Mayer não se emenda", sugerindo que isso aconteceu outras vezes, com outras mulheres.
Aqui e ali pipocam casos de mulheres que ainda não querem falar, mas minha aposta é que elas vão aparecer. A atitude de Mayer com a figurinista é típica de quem faz isso com frequência, e há tempos.
Hoje, a partir das 20:45, durante a novela, vamos fazer um tuitaço chamado #JoseMayerAssedio. Participe! Mexeu com uma, mexeu com todas!
Pedi ao ator José de Abreu, sempre atuante e acessível no Twitter, uma declaração do que acha desse caso todo, e ele respondeu:
"Eu acredito na Su. Eu fiz umas 4 novelas com o Zé [José Mayer], adoro ele, e nunca vi nada disso. Vi, sim, ele fazer brincadeiras picantes, comuns na nossa geração careta e machista, e nunca nesse nível que ela diz. Mas o depoimento é muito contundente. Ela teria que ser muito boa ficcionista para escrever aquilo sem ter sido verdade. A defesa do Zé, sinto muito, deve ter sido ideia de advogado, é primária; a censura da Folha mais primária ainda, tocou fogo na internet. E o final, segundo a Su, foi na frente de 30 pessoas! Alguém certamente vai dizer a verdade. Eu sinto muito o acontecido, admiro muito os dois, e estou sofrendo muito com isso".
Leia mais sobre o caso: Vitória das mulheres no caso do assédio de José Mayer. E um update sobre a "reviravolta".
UPDATES: A Folha disse ter removido o relato da Su porque feria o regulamento de não ouvir o outro lado.
Agora no final da tarde José Mayer se pronunciou: negou tudo, óbvio, e disse que estava sendo denunciado pelo comportamento machista de seu personagem. Uma péssima desculpa.
A atriz Leticia Sabatella, que já trabalhou duas vezes com Mayer, se posicionou no Facebook. Colocou o texto de Su e disse que "José Mayer não se emenda", sugerindo que isso aconteceu outras vezes, com outras mulheres.
Aqui e ali pipocam casos de mulheres que ainda não querem falar, mas minha aposta é que elas vão aparecer. A atitude de Mayer com a figurinista é típica de quem faz isso com frequência, e há tempos.
Hoje, a partir das 20:45, durante a novela, vamos fazer um tuitaço chamado #JoseMayerAssedio. Participe! Mexeu com uma, mexeu com todas!
Pedi ao ator José de Abreu, sempre atuante e acessível no Twitter, uma declaração do que acha desse caso todo, e ele respondeu:
"Eu acredito na Su. Eu fiz umas 4 novelas com o Zé [José Mayer], adoro ele, e nunca vi nada disso. Vi, sim, ele fazer brincadeiras picantes, comuns na nossa geração careta e machista, e nunca nesse nível que ela diz. Mas o depoimento é muito contundente. Ela teria que ser muito boa ficcionista para escrever aquilo sem ter sido verdade. A defesa do Zé, sinto muito, deve ter sido ideia de advogado, é primária; a censura da Folha mais primária ainda, tocou fogo na internet. E o final, segundo a Su, foi na frente de 30 pessoas! Alguém certamente vai dizer a verdade. Eu sinto muito o acontecido, admiro muito os dois, e estou sofrendo muito com isso".
Leia mais sobre o caso: Vitória das mulheres no caso do assédio de José Mayer. E um update sobre a "reviravolta".