Eu li a teleplay (peça feita pra TV) Doze Homens e uma Sentença (12 Angry Men no o
riginal, ou 12 Homens Zangados), de Reginald Rose, na oitava série. Acho que foi em 82, quando eu tinha 14 ou 15 anos. Adorei, e fiquei muito impressionada com aquela história que se passa inteirinha numa sala quente com doze jurados discutindo o destido de um acusado. Só agora, neste natal, quando revi o clássico filme de 1957 de Sidney Lumet, me fiz a pergunta “Ué, por que eu e meus coleguinhas não vimos o filme na escola?”. E a resposta veio correndo: porque eram tempos pré-históricos. Vídeocassete tava engatinhando, duvido que minha escola (apesar de cara) tivesse um e, mesmo que tivesse, não haveria a fita em si (pouquíssimas fitas eram
seladas, mas mesmo gravar da TV era serviço pra profissionais). Em compensação, naquela época a Globo passava filmes maravilhosos na madrugada, e Doze Homens era uma atração constante (eu e muita gente da minha geração viu seus primeiros clássicos na TV aberta. Atualmente contamos com o Intercine pra decidir se preferimos ver Norbit ou Garfield 2).
Hoje, graças aos céus, é fácil baixar o clássico. Logo, você não tem desculpa: se não viu Doze, tá esperando o quê? Trata-se de um belo filme humanista. A trama é simples: um
rapaz de 18 anos é acusado de matar seu pai. Não vemos nada do julgamento, apenas as considerações do juiz: a sentença do júri deve ser unânime, todos os doze jurados precisam votar igual, e se o rapaz for condenado, a pena será a morte. Os jurados, que não têm nome (são apenas mencionados como jurado número 1, jurado número 2 etc), estão convictos que o acusado é culpado. Só um dos doze membros quer discutir o ca
so, pois vê espaço para dúvidas razoáveis. Um outro quer acabar logo para ir assistir um jogo. Outro é um racista inveterado que crê que “pessoas daquelas bandas” (cortiços, favelas) são sempre culpadas. Outro tem um problema pessoal com o próprio filho, que não fala com ele há anos, porque ele, o pai, passou a vida toda batendo no rapaz para “torná-lo um homem” (violência, um remédio testado e aprovado para afastar seus filhos de você).
Apesar dos jurados não terem nome, seus intérpretes têm, e vários são famosos. O principal, o jurado que duvida da culpa do rapaz, é Henry Fonda, pai de Jane e Peter, grande ator de Vinhas da Ira e Era uma Vez no Oeste (Oscar por Num Lago Dourado no seu últi
mo ano de vida, 1982). Martin Balsam, que faz o jurado número 1, é o detetive de Psicose. Já Lee J. Cobb, o jurado com motivos mais pessoais, é o detetive de O Exorcista e o principal mafioso de Sindicato de Ladrões. E o rosto mais velho do Jack Warden (o jurado brincalhão fanático por esportes) é conhecido por Todos os Homens do Presidente, Muito Além do Jardim, e Enquanto Você Dormia, entre muitos outros. Mas todos os doze atores estão perfeit
os.
O que mais gosto do Henry Fonda nesse filme é que, apesar d'ele interpretar um personagem “do bem”, preocupado com direitos humanos e mais livre de preconceitos que seus colegas de júri, ele ainda assim é um homem zangado. Seu tom de voz não é dócil e carinhoso, mas bastante agressivo. Bem diferente do Jack Lemmon, que fez o papel quarenta anos depois, em 1997, numa versão para TV, dirigida por um cara de respeito, William Friedkin (Exorcista, Operação França).
Essa versão é excelente também, já que a peça é excelente, mas não se compara ao clássico de 57. Pra começo de conversa, a peça em si tá datada, já que hoje seria impensável ter um júri composto apenas de homens (apenas brancos, em 1957, e misto, 40 anos depois). E seria complicado transformar alguns personagens em mulheres, já que mudaria toda a dinâmica. A versão de 97 ainda tenta colocar uma juíza (Mary McDonnell, de Dança com Lob
os), mas é pouco. A ausência de mulheres ainda pode não chamar a atenção em algumas áreas, mas num júri, seria inegável.
O filme de 97 também tá cheio de atores famosos. Além do grande Jack (Quanto Mais Quente Melhor, Se Meu Apartamento Falasse), tem entre os jurados James Gandolfini (Sopranos), William Petersen (CSI), George C. Scott (Patton, Rebelde ou Herói, Dr. Fantástico), Hume Cronyn (Cocoon), Ossie Davis (Faça a Coisa Certa), Edward James Olmos (O Preço do Desafio, e o detetive colega do Harrison Ford em Blade Runner), Armin Mueller-Stahl (Shine, Senhores do Crime), e Mykelti Williamson (o Bubba de Forrest Gump). Mas deixa eu tentar explicar por que prefiro o de 57 (fora a interpretação mais assertiva do Henry).
A cena mais conhecida do clássico, aquela em que o jurado racista inicia um monólogo cheio de ódio contra “essa gentalha”, e os jurados se levantam um a um, deixando o irado falando sozinho, não
funciona tão bem no remake. Nele, os jurados dialogam com o irado. O monólogo e a mesa vazia são muito mais eficazes. E tem uma escolha que eu considero bem problemática: quem faz o jurado racista na versão de 97 é um negro. E, numa história que não menciona religiões, é desconfortável que, nessa versão pra TV, esse jurado seja muçulmano com direito a chapéuzinho e tudo. Entendo que o discurso do sujeito nessa versão seja de racismo contra hispânicos (o rapaz acusado é hispânico), mas é complicado usar um negro pra ser racista. Não que eles não existam, mas, pô, pra mim o personagem tem que ser o típico homem branco padrão. Ou o pessoal que refez o filme achava que o racismo de brancos contra outras raças estava datado em 97?
Também funciona muito melhor o jeito do jurado com problemas pessoais mostrar a foto do filho, e depois rasgá-la, como acontece na versão de 57. O modo como ele diz “
Not guilty” (inocente) passa mais a ideia que ele está absolvendo o filho. George C. Scott é um ator excepcional, sem dúvida, mas nesse caso a idade atrapalha (ele, já velhinho, dificilmente teria um filho adolescente), e o Lee J. Cobb, com todo seu cinismo, marcou o papel em 57 (tanto quanto Henry marcou o seu).
Um outro detalhe que faz toda a diferença é que, na cena em que o jurado dos problemas com o filho vai mostrar como foi a facada (ou punhalada), na versão de 97 ele pede um voluntário, e quem se
levanta é o Jack Lemmon. Essa cena é cheia de tensão porque, antes dela, vemos o jurado exaltar-se e gritar “Eu vou te matar!” pro dissidente. Então não é de bom tom que esse mesmo sujeito realize uma demonstração envolvendo uma faca e o corpo de seu desafeto. Que o filme faça com que o jurado “do bem” se voluntarie dá a ele poderes místicos, meio “bom demais pra ser verdade”, sabe? No filme de 57, Lee J. Cobb não pede voluntários. Ele vai até alguém que já está de pé, e esse alguém calha de ser o Henry Fonda. Claro que a continuação dessa cena (nas duas versões) já revela um monte sobre o caráter do jurado bonzinho, já que, quando o irado usa a faca e todo mundo espera o pior, o bonzinho nem pisca.
De todo modo são dois ótimos filmes feitos a partir de uma teleplay incrível. Os conservadores odeiam a trama porque ela é sobre como um “bleeding heart liberal” (um sujeito que insiste em ver o contexto da criação do acusado, e que não quer
mandá-lo pra cadeira elétrica, até porque o guri tem apenas 18 anos — alô você que defende a redução da maioria penal, tudo bem?) convence uma cambada de homens de cabeça feita a refletir e mudar de ideia. Ao mesmo tempo, o filme de 57 é um hiper clássico do cinema não só pelas suas inúmeras qualidades, mas também porque traz um tema querido aos americanos: o do indivíduo que luta sozinho contra todo um sistema. E ganha, lógico.








O que mais gosto do Henry Fonda nesse filme é que, apesar d'ele interpretar um personagem “do bem”, preocupado com direitos humanos e mais livre de preconceitos que seus colegas de júri, ele ainda assim é um homem zangado. Seu tom de voz não é dócil e carinhoso, mas bastante agressivo. Bem diferente do Jack Lemmon, que fez o papel quarenta anos depois, em 1997, numa versão para TV, dirigida por um cara de respeito, William Friedkin (Exorcista, Operação França).


O filme de 97 também tá cheio de atores famosos. Além do grande Jack (Quanto Mais Quente Melhor, Se Meu Apartamento Falasse), tem entre os jurados James Gandolfini (Sopranos), William Petersen (CSI), George C. Scott (Patton, Rebelde ou Herói, Dr. Fantástico), Hume Cronyn (Cocoon), Ossie Davis (Faça a Coisa Certa), Edward James Olmos (O Preço do Desafio, e o detetive colega do Harrison Ford em Blade Runner), Armin Mueller-Stahl (Shine, Senhores do Crime), e Mykelti Williamson (o Bubba de Forrest Gump). Mas deixa eu tentar explicar por que prefiro o de 57 (fora a interpretação mais assertiva do Henry).




Um outro detalhe que faz toda a diferença é que, na cena em que o jurado dos problemas com o filho vai mostrar como foi a facada (ou punhalada), na versão de 97 ele pede um voluntário, e quem se


