segunda-feira, 29 de novembro de 2004

CRÍTICA: COLATERAL / Use transporte colateral: vá de metrô

Ver "Colateral" me levou a algumas reflexões. Uma: taxista é fogo. Será que essa categoria é igual em todo canto? Aqui eles são famosos por apoiarem pena de morte e odiarem a esquerda com todas as forças. Mesmo nos EUA, creio eu, as chances de pegar um táxi com motorista psicopata tipo "Taxi Driver" são maiores que as de acabar com um sujeito que irá por uma via mais rápida pra chegar antes ao destino do cliente. Mas vamos à verdadeira reflexão. Sabe quanto diz ganhar o taxista do filme, que vive e trabalha em Los Angeles? 350 dólares por noite, em média. Eu fiquei fazendo os cálculos: 350 dólares vezes 22 dias vezes doze meses... Isso dá 270 mil reais num ano?! É mais ou menos o que eu ganho em duas décadas como professora. Mas claro, nenhum dinheiro do mundo compensa o prazer de dar aula pra adolescente e morar no Brasil.

Pode ser que por pensar nisso me desconcentrei de "Colateral", ou pode ser que perdi o interesse porque o filme vai do improvável ao impossível e do estúpido ao muito estúpido em questão de minutos. Na sessão que eu fui tinha gente morrendo de rir das bobagens da história. Se você viu o trailer, você conhece. O Jamie Foxx é um taxista de L.A. que, numa noite, sem querer, abre seu carro prum Tom Cruise de cabelos grisalhos, que faz um assassino de aluguel contratado pra eliminar cinco desafetos. O filme quer fazer crer que o Tom é o bambambam da profissão, mas, sei lá, já na sua primeira encomenda a vítima cai logo em cima do capô do táxi. Aí o Tom decide que o natural é continuar andando num táxi quebrado com manchas de sangue, algo que talvez atraia a atenção da polícia, sabe? E, pro quadro ficar completo, o carro leva um cadáver no porta-malas. Indivíduo competente, esse Tom. Tudo que ele tem que fazer é matar o taxista, pegar outro, e seguir sua rotina. O que me faz concluir que deve ser muito difícil conseguir táxi em L.A. (Aliás, por que cargas d'água alguém pegaria táxi se, a julgar pelas últimas cenas do filme, o metrô da cidade é de graça?).

Se a idéia do Tom é matar o taxista após matar suas encomendas (que, por coincidência, são todas testemunhas de acusação – imagino que algum detetive mais esperto iria desconfiar), e simular que foi tudo obra do taxista, o Tom seria mais discreto, né? Quilos de gente vêem os dois juntos. Mas enquanto são só os dois, o filminho até que é legal. Até me lembrou um tiquinho um thriller que eu adoro, "A Morte Pede Carona". Mas em seguida entra toda a força policial da metrópole e o FBI de lambuja, e a aventura perde seu caráter mais intimista. Lógico que adiante todos os policiais somem de vez. Acho que o Tom liquida mais tiras que o Schwarzza em "Exterminador do Futuro". Mas eu realmente não entendi por que o Tom não mata o taxista. Como o filme não fornece explicação, a gente tem que acreditar na ridícula lógica do assassino: existe uma conexão mítica entre eles, okay? Ai meu Deus. A verdade é que desde o bárbaro "Silêncio dos Inocentes" as longas conversas entre algoz e vítima ou entre detetive e psicopata viraram moda. "Colateral" ainda tem um quê de diálogos tarantinescos, com a diferença que os do Tarantino não envolvem metáforas falando de, hum, Papai Noel (não tô inventando).

E que diabo é aquele lobo passando? E o que é aquilo que passa antes do bicho? Outro coiote? Um gato? Cervo é que não é... Acho o máximo essas metáforas que podem significar qualquer coisa. Ah, a cena final do metrô pode ser homenagem a quinhentos filmes que têm alguma cena no metrô. Mas também pode ser referência honrosa ao primeiro filme de grande sucesso do Tom, “Negócio Arriscado”, não pode? Cada um vê o que quer. Só que "Colateral" não é inteligente nem profundo, e tenho a impressão que nenhum crítico estaria usando esses adjetivos se o filme não fosse do Michael Mann, que virou queridinho desde “O Informante”. E, você sabe, quando um diretor é bajulado pela crítica, TODOS os seus filmes, inclusive as bombas anteriores, ganham status de obra-prima. É um privilégio vitalício e retroativo, vide Clint Eastwood. Tá acontecendo por muito menos com o Mann. E olha que “O Informante” não é nenhum “Imperdoáveis”, nem de longe.

E que negócio é esse que "Colateral" é incrível porque os personagens são bem-desenvolvidos? Só colocar duas frases na boca de um sujeito falando sobre sua infância e mais duas na boca de outro explicando sua motivação não faz esses caras mais especiais, pô. É aquele clichê: a gente quer que o assassino seja cool? Fácil: vamos fazê-lo gostar de jazz. Uau, e ele é existencialista? Quantos assassinos no cinema recente não são?

"Colateral" tem montes de cenas filmadas em vídeo digital, o que tirou minha concentração. Ou eu tava pensando no salário do taxista, ou nessas imagens que às vezes viravam de televisão. E depois o pessoal reclama da linguagem televisiva de "Olga"... Conselho pro Jayme Monjardim: mude seu nome pra Michael Mann. Aí você vai poder fazer os filmes mais banais e os críticos vão achar tudo genial. Não tem erro.

P.S.: O título desta crônica não faz sentido? É uma homenagem a "Colateral", um título que também não quer dizer nada.

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