sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

Como leio até bula de remédio, gosto de passar os olhos por todo santo jornalzinho que pego nos supermercados e na universidade. Esses jornais são grátis, mas têm anunciantes. Um deles, por exemplo, parece inteirinho feito pra eleger o proprietário, Mr. Fracassa, a vereador de algum subúrbio. Praticamente todas as páginas do tablóide têm “Fracassa” nelas, pra lembrar a gente de quem manda. O semanário é dedicado à memória da Sra. Fracassa, que Deus a tenha, e coloca as filhas como colunistas (uma é adolescente, dando conselhos amorosos pra adultos). Os outros colunistas que tiveram o azar de nascer sem o sobrenome Fracassa se empenham em destacar as virtudes do patrão. Um está indignado com os pré-candidatos democratas à presidência, que não entendem que os EUA estão em guerra, sim, contra os muçulmanos terroristas, e devem ficar no Iraque pra defender os valores republicanos, e se tiver um petrolinho na jogada, melhor ainda. Isso o cara não diz porque mais adiante algum capacho escreve sobre “o mito da gasolina cara nos EUA” (subtítulo: “Desde quando ‘lucro’ virou um palavrão neste país?”). Quando a meca do capitalismo precisa defender o capitalismo é porque a coisa tá feia.Dois jornais dedicados à comunidade afro-americana promovem seus próprios valores. Um deles traz o perfil de um nigeriano que provou cientificamente a existência do Todo Poderoso (o quê? Você não sabia?); logo, o sujeito é mais importante que Einstein e Newton juntos, e merece o prêmio Nobel. Outro tablóide diz, num editorial, que a cultura negra está indo pras cucuias porque os homens de cor deixaram de ter poder em suas casas, o que vai contra a vontade divina. Segundo o dono do jornal, as mulheres têm uma só função (reproduzir), e Deus jamais quis que elas competissem com osmachos, já que são visivelmente inferiores, física e mentalmente. Se meu cachorrinho morasse comigo nos EUA, ele teria vários usos para esse tablóide.Um outro jornalzinho, este escrito, ilustrado, e dirigido por uma única mulher, tem tantos erros de gramática e pontuação que eu não me contive: escrevi pra dona, com todo respeito, implorando pra que ela aprendesse a usar, no mínimo, esse trocinho chamado vírgula. A mulher separa sujeito do predicado, objeto do verbo, e enfia vírgula em todo canto. Tá, sei o que você tá pensando: um monte de gente escrevendo besteira, e eu mando email pra quem escreve certo por linhas (muito) tortas? É que sou a favor da liberdade da expressão, mas pô, falar e escrever são atos de comunicação, e precisam seguir algumas regrinhas básicas. Pra mim um jornal em que todas as frases sejam do tipo “Eu, publiquei, um, livro” torna-se ilegível. A dona primeiro me respondeu educadamente, disse que lhe falta educação formal mas que tentaria se aprimorar, embora suas leitoras não ligassem pra esses detalhes de “comma” (vírgula, em inglês, com um só M a mais que “coma”), porque ela escrevia com emoção, com o estômago (e aparentemente sem tempo de fazer a digestão e reler o que redige). Daí ela pensou melhor e me mandou um segundo email, este me xingando. Meus queridos leitores, todos os quatro, se algum dia eu tiver alguma disfunção hormonal e passar a usar vírgulas com a compulsão que americano come x-burger, corrijam-me, por favor. Eu insisto.

Saudades e Berimbau
Em Washington DC ficamos na casa de um casal de amigos brasileiros. Eles são biólogos conceituados, estão nos EUA há quase dez anos, e têm dois filhos nascidos em Boston. As crianças, de 6 e 8 anos, loirinhas de olhos azuis, não só falam inglês perfeito como se parecem com muitos americanos. O português delas não é tão bom, mesmo que os pais insistam em só falar português em casa. Elas respondem em inglês e pronto. Portanto, têm sotaque, não conjugam os verbos direito, e vão esquecendo as origens. Os pais não gostam disso porque, apesar de viverem aqui, têm grande orgulho de serem brasileiros. Como meu amigo me confidenciou, seu maior medo é que seus filhos virem gringos totais. Pra tentar evitar, ele matriculou os guris em aulas de capoeira. É num instituto brasileiro, com uma ótima professora baiana. Eu fui a uma das aulas e adorei. Várias crianças, todas filhas de brasileiros, falando algumas frases em português, dançando e pulando e aprendendo a tocar berimbau. Meu amigo se emocionou vendo a aula. Isso que dá ficar longe de casa tanto tempo.

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