sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

CRÍTICA: SANGUE NEGRO / Desta vez o petróleo não é o vilão da história

Embora Paul Thomas Anderson seja um grande diretor, ele ainda não fez um grande filme. Jogada de Risco tem estilo e é uma estréia de respeito. Boogie Nights – Prazer Sem Limites é excelente nos seus dois primeiros terços, depois cai demais. Magnólia é intrigante, não uma obra-prima, como acreditam alguns. Embriagado de Amor? Dá um tempo. Ninguém o mencionaria se não levasse a assinatura do Paul. E agora Sangue Negro, indicado a oito Oscars, um dos melhores de 2007, e ainda assim, não um grande filme. Não sei se peca pelo final exagerado, que dá piruetas e cambalhotas, ou se pela confusão que provoca. Depois da sessão, fui ao banheiro. Duas senhoras comentavam entre elas: “O que foi aquilo? Você entendeu alguma coisa?”. Pra ser sincera, também não compreendi direito. Melhorou após eu ler o roteiro que, aliás, tá tão cheio de revisões, cenas omitidas e acrescentadas, que demonstra que o Paul sabia o que queria até a metade, e não sabia como terminar seu épico.

Daniel Day Lewis faz um monstro ambicioso que, no início do século passado, vive pra descobrir petróleo. E Paul Dano (o irmão meio mudo de Pequena Miss Sunshine) interpreta um pastor que vira seu principal inimigo. Mas, mesmo que o personagem do Daniel seja detestável, não dá pra se identificar com o pastor. Um é um psicopata ganancioso, outro um fanático religioso (no roteiro ele acredita claramente ser a terceira revelação). Suponho que, no final das contas, o pastor talvez ainda ajude mais pessoas que o capitalista selvagem. Mas duvido que qualquer um deles vá pro céu. É possível ver o filme como uma lição de moral - aquele velho tema de que dinheiro não traz felicidade. Mas o personagem do Daniel não tem como ser feliz nunca, pobre ou rico, por desprezar tanto toda a humanidade. E por representar o que há de pior na competividade americana. Não é só querer enriquecer, é querer sempre ser melhor que o outro, deixar o outro no chinelo, humilhá-lo. Mais pra frente o maridão perguntou: “Como que ele desfruta da sua riqueza?”. E eu só consegui responder: “Bom, ele tem um dálmata”.

Sangue nunca é chato, pelo contrário, envolve, nos deixa tensos. Mas o terço final é estranho. Não tinha diálogo melhor que “Eu tomo o seu milkshake!”? Inclusive, havia milkshake naquela época? E todavia, a frase já tá tão famosa quanto “Eu sou Esparta!”. Entrou pra galeria dos falas clássicas. E ela é tão fanfarrona quanto a trilha sonora. Não a música do Jonny Greenwood (do Radiohead) em si, que só se torna realmente grandiosa – como a interpretação do Daniel – após a metade do filme (o maridão, que não entendeu bulhufas, pelo menos teve o insight de observar que a música só chega com orquestra e tudo depois que um dos personangens sofre um terrível acidente que o deixa surdo). Por bastante tempo são acordes sinistros, como os de Iluminado e 2001. Adorei a parte da música que imita um poço sendo perfurado, mas prefiro as batidas da máquina de escrever na trilha de Desejo e Reparação. Então, o que me incomoda da trilha de Sangue é que ela seja tão persistente. Não descansa nunca. É excessiva, como se pode dizer das atuações.

O Daniel está um tanto quanto exagerado, cheio de tiques e maneirismos. Quer dizer, eu adoro o astro de Meu Pé Esquerdo, mas ele é quase sempre assim, né? Gosto que, em Sangue, um de seus olhos tenha mais vida que o outro. Só que, pra mim, a melhor interpretação do ano foi a do Viggo Mortensen em Senhores do Crime, e não só porque podemos vê-lo nu por todos os ângulos. Torço por ele, apesar do Daniel ser o favorito. O Paul está bem, um pouco histriônico também, às vezes, mas convence. Menos quando ele precisa envelhecer duas décadas, porque ele parece sempre ter os mesmos 16 aninhos.

Agora, não sei se foi intencional, acredito que não, porque Sangue é intenso demais pra ter tanto humor, mas a cena do exorcismo e eventual batismo do Daniel fez com que o cinema lotado morresse de rir. Não vi uma gargalhada dessas em nenhuma parte de Juno, nem de longe. E há uma cena muito malfeita, em que alguém atira na cabeça de outra pessoa e a bala passa tão longe que eu tinha certeza que o cara atira do lado de propósito. Não, a vítima morre! Tudo bem, são detalhes. O problema tá mais pra frente, no fim. Falarei disso num próximo post.

6 comentários:

Daniel Miyagi disse...

Não assisti o filme , não gosto de faroeste, mas talvez assistisse só pelo Daniel Day-Lewis. É um excelente ator.

lola aronovich disse...

Nao é bem um faroeste, Dan. Tá mais pra épico sobre a ambição e a falta de humanidade de um homem. Vale a pena assistir!

Vitor Ferreira disse...

Eu adoro Magnólia e Boogie Nights. Tirando a última cena de Boogie Nights que acho que ficou patética, igual a última cena do primeiro Matrix (Aquele final 'para o alto e avante' do Neo acaba com o filme, que eu já nem acho grande coisa). Assisti metade desse filme. Achei boring. Vou ver o restante pra poder opinar.

lola aronovich disse...

Ah, Vitorzinho, veja o filme inteiro! Nao achei nada chato. Mas a primeira metade é superior a primeira... Ou pelo menos o filme cai no terceiro ato altamente exagerado! E vc nao gosta de Matrix?

Vitor Ferreira disse...

Gosto mais ou menos. A filosofia do filme em si é interessante (pelo menos eu achei na época, mas hoje em dia nem lembro direito da história do filme), mas todo aquele show pirotécnico espetaculoso de efeitos especiais me cansa muito.

Luciana disse...

O milkshake é uma alusao a um discurso de um senador, Senator Albert Fall, de 1924, veja aqui http://www.usatoday.com/life/movies/news/2008-02-03-blood-milkshake_N.htm