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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

CLÁSSICOS DUVIDOSOS: Amanhecer Violento

E os soviéticos invadiram os EUA... em 1984.

Quem viveu os anos 80 deve ter visto (ou pelo menos ouvido falar de) um filminho chamado Red Dawn, ou Amanhecer Violento. Lembra (trailer aqui)? É uma produção do orwelliano ano de 1984 com um elenco estelar. Ok, estelar pra época: tem Patrick Swayze, Charlie Sheen (que dois anos depois estrelaria Platoon, e vinte anos depois estaria preso no universo alternativo das sitcoms, quando não está preso de verdade por bater na mulher), C. Thomas Howell (nem sei se ele está vivo hoje, tadinho, mas ele foi quase grande nos anos 80 ― ET, Vidas sem Rumo, A Morte Pede Carona), Lea Thompson (que no ano seguinte faria De Volta para o Futuro e, depois, meio que sepultaria sua carreira com Howard, o Pato), e Jennifer Grey (que pouco depois voltaria a atuar com Charlie Sheen por uns breves e deliciosos momentos em Curtindo a Vida Adoidado ― eles se beijam na delegacia ―, e, claro, com Patrick Swayze em Dirty Dancing). E, de sobra, Harry Dean Stanton dá o ar de sua graça como o pai de um dos meninos, mas não sei se isso é relevante, já que Harry apareceu e continua aparecendo em tudo quanto é filme (só pra registrar os mais conhecidos da década de 80: Paris, Texas, Repo Man, A Garota de Rosa Shocking, A Última Tentação de Cristo). Nem me lembrava que tinha tanta gente famosa num filmeco tão desgramado!
Por que filmeco? Porque é realmente de terceira categoria. As atuações do pessoal acima são péssimas, mas zuzo bem, porque Amanhecer tenta compensar essa falha com montes de explosões e tiros de canhões. É difícil de acreditar que, naquele tempo, ele foi considerado ultra violento. O mais violento em Amanhecer, e também o que o quase o torna um clássico, é mesmo sua ideologia de direita. Poucas vezes o reacionarismo americano foi tão explícito.
Quem está por trás de Amanhecer, e até hoje é crucificado ou louvado por isso (depende de quem o julga), é John Milius. Na vida real, John é um proud member (orgulhoso membro) do NRA. Sabe o National Rifle Association, entidade comandada por Charlton Heston até morrer? É raro alguém ter carteirinha do NRA sem ser um completo reaça, já que a organização defende o porte irrestrito de armas de fogo, o que está sempre ligado à defesa da propriedade. Só pra ter uma ideia, toda vez que há um massacre numa escola americana, em que algum adolescente revoltado decide atirar nos coleguinhas e se matar em seguida, especialistas procuram debater como crianças têm tanto acesso a armas, e se esse assesso não deveria ser um pouquinho mais controlado. O NRA sempre tira o corpo fora. A explicação que a organização deu pra Columbine é que, se os outros alunos (fora os que atiraram) tivessem armas, eles poderiam atirar de volta, e a tragédia não teria acontecido. Bendita lógica, hein? Fogo cruzado no meio de uma escola!
Então, John adora armas. Ele é o roteirista, junto com Coppola, do excepcional Apocalypse Now. E de filmes fascistas como Dirty Harry. Hoje, ele escreve e produz seriados como Roma, um prato cheio pra quem gosta
de sexo e violência. Nos anos 80, ele havia dirigido Conan, o Bárbaro, quando Amanhecer caiu no seu colo. Parece que o roteiro inicial era uma história mais à la O Senhor das Moscas, mostrando como crianças podem ser cruéis. John decidiu jogar essa psicologia pra escanteio e fez um filme, digamos, sociológico.
Começa com um professor numa sala de aula de segundo grau, numa cidadezinha americana, glorificando a estratégia militar de um Gengis Khan. Sua palestra é interrompida por inúmeros paraquedistas que pousam no pátio da escola. Assim que pisam em terra firme, passam a atirar. Eles são russos, cubanos, nicaraguenses, salvadorenhos invadindo os EUA. Ou seja, todo mundo que estivesse contra os EUA naqueles tempos. Hoje seriam iranianos, afegãos, iraquianos, norte-coreanos e, óbvio, venezuelanos (como que eu acompanho quem são os adversários? É só ver quem a direita brasileira elege como seus inimigos número um!).
Antes do início da ação, um prólogo estabele o cenário mundial (minha tradução capenga): “A União Soviética tem sua pior colheita em 55 anos... Revoltas por trabalho e comida na Polônia... A USSR invade. Cuba e Nicarágua têm 500,000 soldados. El Salvador e Honduras caem... O Partido Verde toma controle do parlamento da Alemanha Ocidental. Exige retirada de armas nucleares do solo europeu. O México é tragado por uma revolução... OTAN se dissolve... EUA está só”. Ou seja, um cenário desolador... e tudo culpa do Partido Verde!
Daí em diante é tudo pretexto para que um grupo de jovens americanos, jogadores de futebol (o de verdade) na escola e tudo, defenda a sua terra contra os imperialistas. No fundo, é pretexto pra que esses jovens se armem até os dentes e possam explodir alguns comunas, após atirar neles. Num ponto da trama aparece até uma crítica velada, quando um rapaz questiona os métodos do grupo de resistência e pergunta: “Qual a diferença entre nós e eles?”. Outro responde: “Nós moramos aqui!”. No entanto, o pretexto maior é reescrever a História: nesta fantasia, os americanos são o grupo em desvantagem lutando em guerrilhas pela sua liberdade, não a super potência militar invadindo países para derrubar governantes que não atendem seus interesses econômicos.
Amanhecer está longe de ser um bom filme, mas é um importante documento cultural dos anos Reagan. Era o tempo em que Hollywood, pra variar, quis dar uma forcinha pro conservadorismo, e lançou propaganda como Chuck Norris e Schwarzenegger derrotando os vermelhos, e, principalmente, Stallone ganhando a Guerra do Vietnã sozinho em Rambo (ou combatendo boxeadores negros e soviéticos em vários Rockys, ou lutando contra terroristas internacionais em Falcões da Noite, ou proferindo que o crime é uma doença, e ele é a cura em Cobra). Todos produtos de uma época bem difícil.
Por isso eu fico tão chocada que Amanhecer Violento tenha sido refilmado no ano passado. Desta vez são os chineses que invadem os EUA, e não pra venderem bugigangas de 1,99, mas pra liquidar alguns ianques. E, pelo que vi no trailer, os russos também tomam parte. Putz, alguém pode avisar Hollywood que a Guerra Fria já acabou? Ou será que esse revival tem a ver com a extrema direita americana chamar o Obama de socialista e criar milícias que fazem tiro ao alvo com a figura do presidente? Ish...