4) VIAGEM AO SUL DO SUL: MARATONISTAS E SALVA-VIDAS
Minha figueira e minha Lagoa dos Patos em São Lourenço do Sul.
A saga das minhas férias de 2003 continua. Leia as outras partes desta aventura: 1, 2, e 3.
NÓS, MARATONISTAS...
Lá em São Lourenço do Sul, fomos ver uma figueira amiga minha. A figueira ficava um tiquinho longe da nossa pousada, coisa de 500 metros, se tanto, e decidimos ir andando. Pra quê? Em questão de minutos, o maridão já tava se apoiando em mim e quase desmaiando. Não posso dizer que ele tava de língua de fora porque ele não parava de reclamar: "Uf! É muito longe! Cadê o carro?". Era um contraste enorme com a camiseta que ele usava, uma preta sem mangas que tinha "Capoeira" escrito bem grande e "Mestre Bigodinho" embaixo (tem mais escrito. Num restaurante, vi um garçom tentar ler o resto da camiseta e balançar a cabeça como se dissesse: "Não dá pra acreditar!"). Andamos até nos depararmos com uma placa enferrujada que dizia: "Parabéns! Você completou 3.500 metros. Caminhar faz bem pra saúde". O maridão imediatamente se apoiou na placa e, arfando, resmungou: "3.500 metros! É por isso que eu tô exausto! E a gente ainda nem chegou na figueira". Eu: "Mestre Bigodinho, 3.500 metros é pro pessoal que começou a andar lá do outro lado da praia. Pra gente não deve ter sido nem 500". Ele: "Eu acredito no que tá escrito". Eu: "Certo, parabéns, Mestre. Você tá em ótima forma mesmo. Vai ficar se apoiando na placa por muito tempo ou a gente pode continuar?". Ele: "Estou esperando os fotógrafos chegarem pra registrar este momento histórico". Eu: "Momento histórico? Tá mais pra espetáculo degradante. Desgruda dessa placa!". Ele: "Nós, maratonistas, somos constantemente incompreendidos". Daí pra frente, ele iniciou todas as frases com "nós, maratonistas...". Finalmente, a figueira apareceu, e ela é linda, imensa, frondosa. Fiquei acariciando-a por um bom tempo, enquanto o maridão se recuperava – é um modo de dizer, a condição dele é irrecuperável. Voltamos à praia perto da pousada, e o maridão não parava de repetir: "7 mil! Eu andei 7 mil metros! E nem estou contando os quebrados!". De longe, os salva-vidas só observavam. E eu li o pensamento deles. Conto na próxima, juro.
A DURA ROTINA DOS SALVA-VIDAS
A Lagoa dos Patos que eu conheço, em São Lourenço do Sul, não tem ondas. Mas nem por isso deixa de ter bandeirinhas vermelhas na água, salva-vidas, esses detalhes que caracterizam qualquer balneário. Pois bem, quando o maridão se arrastou até uma figueira próxima, comigo a tiracolo, eu li o pensamento dos salva-vidas. Isso foi o que minha avançada mente mediúnica conseguiu captar: "Ih! Você tá vendo aquele velhinho caquético pendurado na placa que mede a quilometragem? Aquele um com a moça deslumbrante do lado? O que tá vestindo uma camiseta escrito 'capoeira' e 'Mestre Bigodinho'? Então, ele não agüenta andar 500 metros, mas aposto como vai querer entrar na água. E ainda por cima ele tem um barrigão! Como que a gente pode impedir que ele entre? Não dá pra simplesmente proibir. Seria inconstitucional. Opa! Eureka! Tive uma idéia!". Foi uma espécie de telepatia. Mas nos aproximamos de verdade dos salva-vidas e puxamos conversa. Nós: "E aí, como vão as coisas? Tranquilo?" Eles: "É, mais ou menos. A praia tá boa, mas a água tá cheia de coliformes fecais". Nós: "Sério?! Ué, parece tão limpa!". Eles: "É, mas não tá não. Já já vão colocar uma placa de 'impróprio para banho'. Mas o trecho na outra praia lá longe ainda tá bom". Nós: "Mas... Mas... Acho que a gente vai arriscar assim mesmo". Eles: "Não! Não! Ó, minha guria entrou aí ontem e passou o dia inteiro vomitando". Eu entendi a mensagem; o maridão, não. E, como você pode imaginar, o dono da pousada onde ficamos não gostou nada da estratégia dos salva-vidas. O que fizemos foi ir a um ponto mais distante, mais fora da guarda deles, e entramos na lagoa, que estava uma delícia, claro. É verdade que não havia muita gente. Porém, atribuo isso mais ao fato de ser um dia da semana do que da suposta sujeira da água. Mas o maridão não perdeu a chance: "Estou me lembrando da cena de 'Tubarão'. É como se o prefeito do filme dissesse: 'Entrem, podem entrar na água, aqui não tem coliformes fecais!'".
Sou professora da UFC, doutora em Literatura em Língua Inglesa pela UFSC e, na definição de um troll, ingrata com o patriarcado. Neste bloguinho não acadêmico falo de feminismo, cinema, literatura, política, mídia, bichinhos de estimação, maridão, combate a preconceitos, chocolate, e o que mais me der na telha. Apareça sempre e sinta-se em casa. Meu email: lolaescreva@gmail.com. Meu Twitter também é movimentado. Agora tenho um canal no YT, o Fala Lola Fala. Te vejo lá também!
Um comentário:
Lola.. quando vc vai fazer as malas e viajar pra outro país... to com tanta saudade dos seus textos quando vc estava nos states!
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