Enquanto eu via 2012, não conseguia parar de pensar em Doutor Fantástico, grande comédia do Kubrick de 1964. Não sei se vocês conhecem essa paródia da guerra fria e da ameaça nuclear. É sobre um general americano que sai fora da casinha e consegue tran
smitir uma ordem para que um grupo de pilotos jogue uma bomba atômica na União Soviética. Quando o alto comando dos EUA percebe que não vai poder detê-los, o presidente americano liga para Dimitri, o presidente russo, num dos mais famosos monólogos da história do cinema. É Peter Sellers que faz o presidente falando pelo telefone com o presidente russo, provavelmente bêbado. Veja o clip aqui e acompanhe a minha pobre tradução:
“Olá... Uhn, olá, Dimitri. Olha, não posso te ouvir muito bem, será que você poderia diminuir o volume da música um pouquinho? Ah, muito melhor. Sim, uh, sim. Posso te ouvir claramente agora, Dimitri. Eu também estou sendo claro? Ótimo, bem, como você diz, nós
dois estamos claros. Bom. É bom que você esteja claro e eu esteja claro. Então, Dimitri, você sabe que nós sempre falamos da possibilidade de algo dar errado com a bomba. A bomba, Dimitri. A bomba de hidrogênio. Bem, o que aconteceu é que, ahn, um de nossos comandantes, ele teve um probleminha na cabeça. Sabe, só um probleminha. E aí ele fez uma coisa tola. Bom, vou te dizer o que ele fez. Ele mandou que aviões atacassem o seu país. Bem, deixe-me terminar, Dimitri. Como você acha que eu me sinto a respeito? Você pode imaginar como eu me sinto, Dimitri? Por que você acha que eu te l
iguei? Só pra dizer oi? Claro que eu gosto de falar com você... claro que eu gosto de dizer oi. Não só agora, mas qualquer hora, Dimitri. Só estou ligando pra te dizer que algo muito ruim aconteceu. É um chamado amigável, lógico que é. Ouça, se não fosse amigável você provavelmente nem o receberia. Eles não vão alcançar seus alvos por pelo menos uma hora. Tenho certeza, Dimitri. Já falei sobre isso com seu embaixador... Não é um trote. Bom, vou te dizer. Gostaríamos de dar a sua equipe um relatório completo dos alvos, os planos de voo e do sistema de defesa dos aviões. Sim, quero dizer... Se não pudermos chamar os aviões de volta, vamos ter que ajudar vocês a destrui-los, Dimitri. Sei que são nossos meninos. Tudo
bem. Então, pra quem deveríamos ligar? Quem deveríamos chamar, Dimitri, sua voz sumiu um pouco. O Quartel General de Defesa Aérea do Povo. Onde é isso, Dimitri? Em Omsk. Ok. Ah, você vai ligar pra eles antes? Uh. Ouça, você tem o número deles? O quê? Ah, entendo, é só pedir pra Informações de Omsk. Ahn. Eu também sinto muito, Dimitri, muito mesmo. Tudo bem, você sente mais do que eu, mas eu também sinto. Eu sinto tanto quanto você, Dimitri, não diga que você sente mais porque eu sou capaz de sentir tanto quanto você. Então nós dois sentimos muito”.
Ele passa o telefone para que o embaixador russo fale com o presidente. E nota que não haverá salvação:
o sistema russo reagirá automaticamente a qualquer ataque, detonando a Máquina do Julgamento Final, que acabará com toda a vida animal e humana no planeta. Mas um dos cientistas do governo americano tem uma solução pra minimizar o problema: colocar todo o alto escalão do governo e do exército, e algumas outras pessoas, em minas, para garantir a sobrevivência da espécie. Ele recomenda dez mulheres para cada homem, para que eles possam repovoar o planeta rapidamente, assim que a poeira radiotiva baixar.
O general interpretado por George C. Scott gosta da ideia e pergunta: “Mas com essa esquação de dez mulheres pra cada homem, não teríamos que abrir mão dos nossos princípios monogâmicos?”. E o cientista, com um sorriso maroto no rosto: “É, nós homens teríamos que fazer esse sacrifício. E naturalmente as mulheres escolhidas teriam que ser jovens e bonitas, para que nos sentissemos estimulados para tal árdua tarefa”. Ha ha.
Doutor Fantástico, essa c
omédia de humor negro, tem exatamente uma atriz. Só uma, e ela aparece de biquini durante poucos minutos. Mas o general maluco que lança o ataque nuclear explica: seus “fluídos corporais” estão sendo afetados pelo flúor que colocam na água. Ele se deu conta disso ao ficar cansado na hora do sexo. O filme é inteirinho sobre sexo. Fora esses diálogos absurdos, há uma infinidade de imagens fálicas (aviões penetrando buracos de aviões, um piloto montado num foguete, o general e seu charuto, filmado de baixo pra cima, como se estivesse ereto).
Tá, e por que pensei tanto neste clássico enquanto via 2012? Não parece ter muito a ver. Afinal, as pessoas que se salvam em 2012 são (além dos políticos e memb
ros do exército) quase todas bilionárias que pagaram para estar na nave (é bacana que o filme dê destaque aos negros, se bem que não haja homossexuais ou gordos entre os sobreviventes). E nem se fala muito em procriação. Mas, pelo jeito, vai haver uma imensa falta de mulher, já que não existem muitas bilionárias na vida real, e nem todos os chefões levam as esposas. Quando a nave começa a ser ocupada po
r gente, vemos apenas uma mulher (Thandie Newton), a filha do presidente americano. Ela é chamada de doutora durante o filme todo, mas doutora em quê, só deus sabe, porque seu papel é completamente inútil. As outras duas únicas mulheres com falas na nave nem doutoras são. Uma é a ex do protagonista John Cusack, Amanda Peet. Sua profissão, aparentemente, é ser mãe. A outra é a jovem namorada
de um russo bilionário. Ela não tem filhos, mas tem instinto maternal: carrega consigo um cachorrinho. Profissão, nem pensar.
Acho que comentei na minha crítica ao remake de Destino do Poseidon como os homens têm profissões, enquanto as mulheres são apenas isso, mulheres. Tipos. Mães e filhas. Será que essa é uma dinâmica em todos os filmes-catástrofes ou em todos os filmes, ponto?
As três mulheres com falas de 2012 são jovens, bonitas, e não acrescentam nada à história. Elas estariam em casa tanto na nave de 2012 como nas minas de Doutor Fantástico.
A diferença de idade entre um filme e outro é de quase meio século. E nós mulheres continuamos tendo duas funções: procriar e decorar o ambiente.

“Olá... Uhn, olá, Dimitri. Olha, não posso te ouvir muito bem, será que você poderia diminuir o volume da música um pouquinho? Ah, muito melhor. Sim, uh, sim. Posso te ouvir claramente agora, Dimitri. Eu também estou sendo claro? Ótimo, bem, como você diz, nós



Ele passa o telefone para que o embaixador russo fale com o presidente. E nota que não haverá salvação:


Doutor Fantástico, essa c

Tá, e por que pensei tanto neste clássico enquanto via 2012? Não parece ter muito a ver. Afinal, as pessoas que se salvam em 2012 são (além dos políticos e memb



Acho que comentei na minha crítica ao remake de Destino do Poseidon como os homens têm profissões, enquanto as mulheres são apenas isso, mulheres. Tipos. Mães e filhas. Será que essa é uma dinâmica em todos os filmes-catástrofes ou em todos os filmes, ponto?
As três mulheres com falas de 2012 são jovens, bonitas, e não acrescentam nada à história. Elas estariam em casa tanto na nave de 2012 como nas minas de Doutor Fantástico.
