Acabei de ver os quatro episódios do documentário da Netflix sobre Jeffrey Epstein (JE: Poder e Perversão). É nojento, que raiva que dá! Porém, é um trabalho de fôlego, que entrevista dezenas de pessoas, entre elas várias vítimas, e cobre dezenas de anos.
Há evidências de que ele abusou sexualmente de pelo menos 400 adolescentes. Ele criou um bem sucedido esquema de pirâmide sexual da prostituição. Uma menina (em idade escolar, no ensino médio, entre 14 e 17 anos) era abusada, e ela indicava uma amiga para também ganhar uns 200 dólares (a promessa geralmente era fazer massagem), que também era abusada, indicava outra... E ele compartilhava algumas delas com outros amigos bilionários. Levava no seu jatinho (chamado de Lolita Express) os estupradores e as garotas para sua ilha particular nas Ilhas Virgens americanas.
São centenas de vítimas que não vão conseguir indenização nem mesmo para pagar as custas judiciais, pois, dois dias antes da sua morte, Epstein transferiu 600 milhões de dólares para uma conta nas Ilhas Virgens, paraíso fiscal, provando (como se ainda precisasse de prova!) de que ele realmente era um péssimo ser humano.
O milionário deveria ter sido condenado à prisão perpétua anos antes de sua prisão definitiva (em julho de 2019) apenas pelos crimes que cometeu em Palm Beach, Flórida. Mas a justiça é suave com os ricos e poderosos. Ele conseguiu um acordo e só ficou preso 13 meses. Aliás, mal ficou preso. Podia permanecer livre 12 horas por dia, seis dias por semana, "trabalhando".
Em 2010, soltinho da silva, Epstein ainda recebia cientistas e prêmios Nobel em sua casa. Esses homens não são pedófilos nem estão sendo acusados de nada (ao contrário do príncipe Andrew, por exemplo, que no documentário fica escancarado como estuprador e mentiroso), se bem que eram patrocinados por Epstein. Mas o mais escandaloso pra mim é que não era vergonha ser visto na companhia de um pedófilo condenado!
O documentário deixa bem claro que o que mudou esse cenário foi o movimento Me Too. A verdade é que se não fosse essa campanha feminista iniciada em 2017 que revelou os bastidores de assédio permanente de poderosos como Harvey Weintein, Epstein não teria sido preso em definitivo. Infelizmente, o Me Too não foi suficiente para barrar podres como Donald Trump, que foi amigão de Epstein durante anos.
Esptein foi encontrado morto em sua cela em agosto do ano passado, em circunstâncias pra lá de misteriosas. Muita gente não crê em suicídio e sim em queima de arquivo.
A série me lembrou de que, quando eu tinha 12 ou 13 anos, fui abordada em Búzios por uma mulher jovem que queria me apresentar a um velho (ela veio até mim, apontou pra ele) muito rico, que poderia me dar várias coisas se eu saísse com ele.
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Última foto de Epstein, já na cadeia, aos 66 anos |
Eu ri, disse que não estava interessada, não levei muito a sério. Fui pra casa que alugávamos na Praia dos Ossos (na mesma rua do cinema e boate) e contei pro meu pai, meio que rindo. Foi a reação dele que me fez ver a gravidade da situação. Ele ficou furioso, saiu correndo, foi ao cinema onde isso tinha acontecido, chamou a polícia.
O casal já tinha ido embora e nunca ficamos sabendo quem eram. Mas imagina quantas meninas e meninos não caem nesses esquemas? Nunca esqueci disso. O caso Jeffrey Epstein é muito mais comum (e universal) do que a gente imagina.