Quem fez as perguntas foi a jornalista Gislene Ramos. A Vice, assim como a Ponte e a Fórum, já publicou diversos artigos sobre mascus.
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Eu e Silvinho em Buenos Aires na semana passada |
VICE: Quais sentimentos passaram por você após a divulgação da pena de 41 anos a Marcelo?
Lola Aronovich: Como estou de férias, não estou acompanhando direito as notícias. Ontem à tarde [penúltima terça] alguém me perguntou no Twitter se a decisão do STF não soltaria o Marcelo, que foi preso pela Operação Bravata em 10 de maio, e já teve quatro habeas corpus negados. Fiquei preocupada e comentei com meu marido que, se Marcelo fosse solto, a primeira coisa que ele faria seria fugir do país, para só depois voltar a fazer tudo que ele sempre fez na vida, que é atacar, ameaçar, difamar pessoas.
Fora do país ele encomendaria a minha morte (e talvez a do meu marido também), como vinha prometendo havia anos. Depois do jantar, à noite, voltei para a quitinete, e um rapaz passou o link pelo Twitter sobre a condenação de Marcelo a 41 anos. Claro que fiquei muito feliz! Estou sorrindo de orelha a orelha até agora! Mas o alívio maior foi a prisão de Marcelo no dia 10 de maio. De lá pra cá minha vida melhorou bastante.
Em algum momento, ao longo desses anos de ataques e investigações, você teve medo?
Lola: Medo eu nunca tive, sinceramente. Ele e sua quadrilha são muito covardes. Querem nos intimidar com ameaças de morte e estupro. Nas primeiras ameaças às pessoas que a gente ama (como a meu marido e a minha mãe), eu senti um pouco de medo. Mas em seguida vi que eram só mais ameaças vazias. Por outro lado, sou um alvo fácil. Eles sabem meu endereço residencial há 8 anos. Sabem onde eu trabalho. Acompanham as palestras que dou em todo o país. Se eles quisessem me matar, não seria difícil. E não há nada que eu possa fazer. Mas acho que eles sabem que, se me matassem, me transformariam numa mártir (como as milícias fizeram com Marielle), e que eles seriam os principais suspeitos.
Você chegou a perder a esperança de que ele seria punido?
Lola: Foram 5 anos ininterruptos de ataques a mim e a muitas outras pessoas, principalmente mulheres, negros e LGBTs. E ambos me processaram! Dá uma raiva danada ser processada por quem te difama e ameaça de morte. Mas eles fizeram isso só pra incomodar, e quando viram que não teriam chance de ganhar as ações, nem de me forçar a ir a Curitiba ficar frente a frente com eles, desistiram dos processos. Muitas vezes eu perdi a esperança que eles voltariam a ser punidos, mas continuei colaborando com a Polícia Federal, mandando e-mails, prints e links do que eles estavam fazendo. Foi muito compensador saber em maio que tudo que eu enviei foi usado na investigação e na eventual condenação. Tudo que Marcelo criou contra mim (por exemplo, um site horrível em 2015, com meu nome, fotos e endereço) foi usado para sua condenação.
É possível acreditar que a prisão de Marcelo intimide outros misóginos e racistas a não praticarem atos semelhantes?
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Figurinha antiga: comunidade no Orkut criada por Marcelo e quadrilha em 2009 |
Lola: Acredito que sim. Marcelo existia faz muito tempo na internet, era uma figurinha conhecida nos rincões. Então todos os channers (frequentadores de fóruns anônimos), todos os mascus, sabem muito bem quem ele é. E lógico que eles estão intimidados. Eles achavam que não daria em nada, que seria “feijoada”, um termo que eles usam sempre. A quadrilha que ele comandava, o Dogolachan, fórum que ele criou em 2013, quando saiu da prisão, migrou para a Deep Web pouco depois de Marcelo ser preso novamente, em maio de 2018. Está lá. Ainda há outros membros que devem ser presos e condenados. Mas creio que já ficou evidente que a vida que eles levam não compensa: Marcelo foi condenado a 41 anos, Emerson está foragido na Espanha, André se suicidou em junho (não sem antes matar Luciana, uma mulher que ele nunca havia visto na vida, em Penápolis, SP), e por aí vai. Desconheço o caso de algum misógino que tenha conquistado algo ou que seja feliz. O fracasso os define. A prova disso é que nem mesmo a vitória de um candidato dos sonhos deles os contenta. São eternos infelizes.
O período das eleições foi marcado por diversos casos de ataques racistas e misóginos por eleitores e apoiadores de Jair Bolsonaro . O que você espera para 2019, com a prisão do Marcelo, mas ao mesmo tempo, com uma onda fascista se espalhando no país?
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Primeiros apoiadores: mascus queriam Bolso presidente já em 2011 |
Lola: Pois é, como eu disse, minha vida melhorou a partir de maio, quando um sujeito que vivia para arruinar os meus dias foi preso. Mas muitas ameaças e ataques voltaram no segundo semestre, junto com as eleições. Sem dúvida, a presença de um candidato abertamente misógino, racista e homofóbico fez com que muitos homens que pensam igual a ele saíssem do armário. Houve vários ataques no período eleitoral, inclusive algumas mortes. Ativistas e grupos historicamente perseguidos por fascistas ficamos com medo, compreensivelmente.
Espero que aqueles que se dizem “homens de bem” entendam que a vitória de um presidente execrável, que é piada no mundo inteiro mas um pesadelo para nós, não anula a Constituição, não acaba com as leis, e que eles não ganharam um passe-livre para nos atacarem. O que me causa mais apreensão é que Bolsonaro cumpra sua promessa de liberar as armas. Se isso acontecer, teremos muitos mais casos hediondos de crimes de ódio, como o massacre de Realengo, em 2012. Viraremos um EUA no que eles têm de pior, que é um massacre por semana em alguma escola. Marcelo, que desfilava com uma camiseta pró-Bolsonaro até ser preso, sonhava com o fácil acesso a armas para poder cometer massacres. Ele jurava que iria cometer um atentado terrorista na UnB (onde estudou Letras Japonês por um semestre) há muito tempo, desde a época do Orkut.
Para a luta feminista, o que essa condenação representa? Como se sente agora para seguir em frente com seu trabalho e luta?
Lola: É uma vitória, um reconhecimento do meu trabalho, e me dá mais ânimo para seguir adiante, mesmo sabendo que viveremos um período horroroso e sem precedentes no Brasil. Toda feminista sabe o que é um mascu, um misógino, porque já foi atacada por eles. Saber que não estamos sozinhas, que a internet não é uma terra sem lei, nos dá força.
Que sentimento fica agora e o que você tem a dizer às mulheres que sofrem ataques misóginos na internet?
Lola: O sentimento é de vitória, de força, de garra, de quem não se deixa calar. Gostaria que as mulheres que sofram ataques sejam fortes também, que continuem lutando, que denunciem, que saibam que não estão sós. Em abril foi sancionada a Lei Lola, que atribui à Polícia Federal a investigação de crimes de misoginia na internet. É pouco, mas é um começo para que todos saibam que mulheres merecem ser respeitadas em todos os espaços.