Mostrando postagens com marcador delírios de consumo de Becky Bloom. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador delírios de consumo de Becky Bloom. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 1 de maio de 2009

DELÍRIOS DE CONSUMO DE BECKY BLOOM / Comprar é o paraíso... pra quem?

- É meu! É meu! Eu preciso desse pano pra ser feliz!

Não se preocupe que não vou falar muito desse filminho descartável que é Delírios de Consumo de Becky Bloom (em inglês, Confessions of a Shopaholic - veja o trailer aqui). Mas vou falar de consumo, ok? Antes, só um tiquinho sobre essa comédia romântica em que uma jornalista viciada em compras acaba contratada pra trabalhar numa revista de negócios:
- A protagonista é a Isla Fisher. E eu não sei quem é Isla Fisher (vi que na vida real ela é casada com o Borat). Só sei que parece ser irmã gêmea da Amy Adams. E se juntassem as duas com a que faz a secretária gracinha do The Office (Jenna Fischer), eu diria que são trimeas. Podiam fazer um terror trash, Ataque das Clones ou algo assim. (Estranho... Eu já vivi num mundo em que as pessoas não queriam ser confundidas. Queriam ser únicas. Eu sei, sou um dinossauro).
- Delírios tem umas piadinhas ofensivas pros finlandeses. Mas eu só tinha olhos pro galã, o Hugh Dancy (Clube de Leitura de Jane Austen). Ele é lindo, gente! Eu não me cansava de olhar pra ele. Quero um pra mim! Pago com cartão de crédito!
- Os pais da Becky guardaram dinheiro a vida toda, nunca foram consumistas, e tudo que eles conseguiram juntar foi... 13 mil dólares?! Sério? Sem falar que a Joan Cusack ainda não tem idade pra fazer a mãe de uma mulher de 32 anos!
- A favor do filme, posso dizer que nem eu nem o maridão tivemos vontade de sair do cinema no meio. E a gente não odiou a protagonista. E olha que seria fácil odiá-la: ela é fútil, burra, vive comprando coisas que não precisa, é totalmente descontrolada e, pra completar, é uma mentirosa compulsiva.
Quando o galã não tava na tela, tudo que eu conseguia pensar era num excelente documentário que vi nos EUA, Maxed Out. O trailer tá aqui, e dá pra ver o filme inteiro no YouTube (comece pela parte 1). Infelizmente não tem legendas, mas é obrigatório pra entender como os EUA se meteram neste buraco em que estão (estamos) agora. E pra entender como o capitalismo opera, claro.
Maxed Out mostra como funciona o sistema de crédito pros americanos. A dívida de Becky com cartões de crédito não é ficção: cada americano deve, em média, quase 10 mil dólares só em cartões. A parte do cobrador da dívida na comédia é perfeitamente real. Veja como é lindo o capitalismo: pequenas empresas, grandes negócios compram dívidas “impagáveis” por um preço bem baixo. Instalam um escritório com cinco funcionários pra irem atrás desses consumidores que estão tão, mas tão endividados que já desistiram de pagar o que devem (eles podem declarar falência apenas uma vez). Os funcionários passam a ligar pra esses devedores várias vezes por dia. Eles realmente bully seus clientes para que paguem. Não é invenção não. Eles espalham pros vizinhos os detalhes da sua dívida, ligam pro seu chefe, ameaçam a família. Na vida real, há muitos casos de suicídio (Maxed Out mostra alguns). O sorridente dono de uma dessas empresas de cobrança compara seus métodos com o dos piratas levando a pessoa até a bordinha da prancha pra jogá-la no mar.
Lógico, dirão os defensores do sistema, as pessoas são patas completas por comprarem tudo que veem pela frente com o dinheiro de plástico, sem pensarem se vão conseguir pagar depois. Mas culpá-las não é tão simples: vivemos numa sociedade que ensina que somos definidos pelas bugigangas que temos. Todo santo dia somos bombardeados por novas “necessidades” de consumo. A maior parte de nós nunca teve nada parecido com educação financeira. As companhias de crédito oferecem mil e um cartões sem pedir garantia alguma. Nos EUA, elas atacam nas universidades (aqui também, né?). Pegam jovens de 17, 18 anos, sem nenhuma responsabilidade mas cheios de desejo pra comprar, e lhes dão um cartão quase sem limite. Detalhe: não é preciso a autorização dos pais! E os juros são altíssimos (para cada dólar emprestado, a pessoa deve outros dois, entre juros e taxas de serviço). E não há nenhum controle do governo. É tudo legal. As empresas podem dar corda à vontade pro consumidor se enforcar.
Agora, se você quer saber como tudo começa, é fácil. É só ver este documentário sensacional Criança, A Alma do Negócio fala da realidade brasileira, que simplesmente copia o ultraconsumismo americano. É parecido. Delírios mostra uma Becky menininha, arrasada porque sua mãe, uma pão-dura miserável, não lhe compra sapatos da moda, só pisantes marrons sem salto. Que audácia! Onde já se viu colocar nos pés da sua princesinha uma sandália sem salto?! E mostra também a competição, aquilo de definir o outro pelo que tem (ou não tem). As outras garotas na loja tiram sarro de Becky. Claro que isso vai traumatizá-la, tadinha. Aí ela cresce e vira esse monstro consumista que vemos pelo resto do filme. Puxa, as meninas que compravam os sapatos da moda na loja e riam da Becky virarão o quê quando adultas? Monges budistas?
Criança, o documentário, fala coisas assustadoras: que as meninas começam a andar maquiadas aos 3 anos de idade (não pra imitar a mãe, que mãe não tá com nada hoje em dia, mas pra copiar o que veem nas suas cinco horas diárias de TV). Usam salto alto e alisam o cabelo. O que me chateia não é só a questão da futilidade, de como é absurdo que uma garotinha já se sinta inadequada tão nova (porque você se maquia pra “melhorar”, pra “disfarçar”, “pra ficar bonita”, certo? Aparentemente, não somos bonitas ao natural). É também o cerceamento dos movimentos, da liberdade. Uma menina de salto alto vai ter dificuldade pra correr. Se seu cabelo estiver todo arrumadinho, ela não irá querer se mexer, pra não desmanchá-lo. Deve ser por isso que todas as crianças do doc preferem comprar a brincar.
É a triste realidade: crianças sem infância vão virar Becky Blooms. Vão passar o resto da vida trabalhando em empregos que detestam pra comprar coisas que não precisam. E isso tudo pra sustentar um sistema moribundo, o capitalismo. Tá, hoje estou revoltada. Feliz Dia do Trabalho pra você também. - Oops! Acho que fui enganada.