Se existe feel good movie, também deve existir feel bad movie, do qual Bem-Vindos à Casa de Bonecas (1995) é um belo exemplar. O único jeito de considerar este um feel good movie é se você comparar a sua adolescência com a da protagonista e constatar que puxa, ela até que foi encantadora. Aqui é o inferno. Pra quem acha Atração Mortal (Heathers) ou Eleição cínicos demais pra serem enquadrados como filme adolescente, bom, bem-vindo a Bem-Vindos.
Sou fã do Todd Solondz por dois motivos principais. Primeiro que ele não se vendeu ao sistema. Começou como diretor independente e, depois de quatro filmes, continua como diretor independente, sempre muito audaz (sem ser chato ou pretensioso). Aliás, dá a impressão que ele tá cada vez mais independente – é só ver seu filme mais recente, Palindromes, que soa quase amador. O carinha não tem vergonha de falar dos temas mais polêmicos, como pedofilia (Felicidade, Palindromes), sexo entre professor e aluna na universidade (Histórias Proibidas, seu pior filme, ainda assim acima da média), aborto (Palindromes), ou o desprezo dos pais pelos filhos (principalmente Bem-Vindos). O segundo motivo pra eu gostar do diretor é que ele consegue fazer isso com humor.
Não que Bem-Vindos seja uma comédia de humor negro, como alguns a definem. Pra mim é um drama. Dawn é uma menina fora dos padrões de beleza que sofre na sétima série. Seus colegas a chamam de “cara de cão”, os professores a humilham, e sua mãe só tem olhos pra irmãzinha, que vive vestida de bailarina e dançando (a maior parte de nós que tem uma irmã mais nova já a viu saltitante, vestida de bailarina). Numa produção convencional, tipo Disney, até o final o patinho feio Dawn se transformaria em cisne. Mas como é do Solondz, a situação só piora. O que temos deve ser o retrato mais cruel já mostrado num filme sobre uma adolescente americana. Ela pergunta a Mark, seu irmão mais velho, meio nerd, se a vida melhora na oitava série. Ele diz que não, e que começa a melhorar apenas nas séries finais, mais perto da faculdade: “Ainda vão te xingar, mas não na sua frente”.
Pobre Dawn! É incrível a sensibilidade do Solondz pra tratar do que parece ser a mais ameaçadora espécie de bullying – um colega diz que vai estuprá-la. Felizmente isso não ocorre, e algoz e vítima passam a ser amigos, mais ou menos. Mas a relação de abuso só se perpetua. Dawn aproveita os palavrões novinhos que aprendeu na escola (usados contra ela) pra insultar sua irmã. E as melhores cenas nem são as da escola, mas a do ambiente familiar, igualmente terrível. A mãe é uma víbora total. Adoro o momento em que Dawn explica que revidou uma agressão, e a mãe, histérica, questiona: “Quem te ensinou a revidar?”. Ou quando a família inteira, reunida, assiste a um vídeo caseiro, e todos riem quando a irmã joga Dawn numa piscininha (todos menos Dawn. Ela não tem razão pra rir no filme). Mas quase choro na cena em que a mãe pede a Dawn para esvaziar o quartinho no quintal que lhe serve de refúgio, porque será usado na comemoração do aniversário de casamento. Dawn se recusa, e a mãe volta pra mesa de jantar com uma bela sobremesa, separada em cinco pratos. Na hora de passar o prato à filha, a mãe muda de idéia, e Dawn fica lá, arrasada, vendo todos se deliciarem. A irmãzinha não perde a deixa e pergunta: “Mãe, já que a Dawn não vai comer sua parte, você pode reparti-la entre eu e o Mark?”. E Mark, na hora: “É, mãe, divide, vai!”. A mãe acata a sugestão, e em seguida pede ajuda dos irmãos para limpar o cantinho de Dawn. É de cortar o coração.
Bem-Vindos é o anti-Patricinhas, mas dá pra gostar dos dois. Se eu fosse você, via (ou revia) logo todos os filmes do Solondz, porque o cara é fodonz (ignore esse trocadilho infame).
16 comentários:
Até veria os filmes do Solodonz, mas nao existem em DVD no Brasil, pelo menos Felicidade nao tem nas locadoras e nem para compra. Quanto aos outros acredito que também não existam em DVD.
é verdade, claudemir, também já andei caçando filmes dele e não achei, tem coisas que simplesmente não se acha!
queria muito ver...
Pois eh, Mari, nessas horas a Netflix seria bem-vinda no Brasil. Será que a Netflix não tem planos de se expandir para outro países?
Seria ótimo...
Clau, Mari, eu vi Felicidade e Histórias Proibidas no Brasil em DVD. O Bem-Vindos eu não lembro, acho que vi primeiro na TV. Mas deve ter em DVD. Palindromes, de fato, podem desistir. É meio alternativo demais pra sair no Brasil (uma mesma personagem interpretada por sete pessoas de idades, cores e sexos diferentes?). Clau, vá nos comentários do meu post sobre a Netflix que alguns leitores comentaram a existência de uma locadora virtual parecida no Brasil (só em cidades grandes, por enquanto). Não acho que a Netflix planeje se espalhar. Li agora que a empresa tava muito mal das pernas uns dois anos atrás. Com os downloads do computador, ninguém dava nada por ela. Mas parece que ainda vai demorar muito pra poder ver filme de graça, e de qualidade, num computador. E agora a Netflix aparentemente é a 49a maior empresa americana...
Eu vi o filme, e achei o fim meio vago, ou então sem fim mesmo. Ela é a verdadeira anti-heroína, mas tem motivo pra ser.
É, Lolla, é revoltante que só passem filmes interessantes como "Bem-Vindos" nos piores horários. Eu acho um assunto tão pertintente... Mas vc é má, hein? Torcer pela morte da irmãzinha bailarina?! Tadinha. Ela é só uma criança. Já a mãe é outra história...
Vitor, é, o final é vago. Mas gostei de tudo, sabe? Não que a personagem da Dawn me agrade... Ela é uma menina bem insuportável, convenhamos. O que não justifica a maldade que o pessoal faz com ela. Mas pra mim dá perfeitamente pra ver filmes com um crápula como protagonista e ainda assim adorar o filme (Laranja Mecânica e Psicopata Americano vêm à mente).
Ha, tenho certeza que vc tinha certeza que eu iria dizer isso, Lolla! Churrasquinho de menininha de sete anos! Não, vc não é má, vc é doente! Ok, sério, eu não acredito muito na bondade e na pureza das crianças. Acho que algo como "Senhor das Moscas", em que crianças se encontram sozinhas numa ilha e, ao invés de colaborar pra sobreviver, acabam formando gangues e se matando, aconteceria em qualquer cultura. Não tenho certeza se aconteceria se fossem meninas, e não meninos, mas aí é outra história. Sim, eu acho que tem criança que parece que já nasce muito cruel, ou torna-se cruel com pouquíssima idade. Mas prisão perpétua pra criaça? Eu ainda tenho uma pontinha de esperança que dá pra reformar um indivíduo. Bom, talvez reformar seja difícil, mas domar, reprimir o suficiente pra que esse indivíduo possa conviver em sociedade?
Mas fiquei curiosa com as suas experiências bullísticas, Lolla. Como vc sofreu nas mãos de crianças na sua infância? Escreve um post lá no seu ÓTIMO blog sobre isso, vai.
OLhe, essa teoria de que um mundo dominado por mulheres seria um mundo melhor é tudo furada. Balela delirante. Lorota da boa! Eu já sabia disso, mas pude ter certeza absoluta durante o período que eu fiquei no Hawaii, em que o maior problema foi conviver com as brasileiras. Elas brigavam todos os dias e por todos os motivos imagináveis. Era um verdadeiro inferno, com direito ao famoso "cat fight" - unhadas, mordidas, puxões de cabelos e afins. Enfim, seja homem, ou seja mulher, dá tudo na mesma. E criança realmente, pra mim, nasce ruim. Senão não seria necessário educar.
Eu também não tenho muita certeza, Lolla, sobre meninas serem menos violentas. Mas acho que somos mais reprimidas desde que nascemos, e que nossa feminilidadade não está ligada à violência, ao contrário da masculinidade dos meninos. "O que é ser mulher" não passa por dar uns sopapos nas coleguinhas, enquanto que pros meninos, "o que é ser homem" é não chorar, distribuir tabefes, não levar desaforo pra casa... Isso talvez nos faça menos violentas, sim, porque mais reprimidas. Ou quem sabe exista algo como um instinto materno, que faça que tenhamos mais vontade de criar e preservar a vida, ao invés de destrui-la pra marcar território. Mas sei que meninas bullies podem ser tão terríveis quanto meninos.
Sobre o caso dos meninos de 10 que mataram um de 2, sim, tô sabendo. É horrível. Mas, convenhamos, felizmente isso não é comum (ainda! As crianças estão ficando cada dia mais precoces).
Acho que a maior parte dos adultos sabe muito bem, talvez por experiência própria, que criança pode ser cruel. O limite dessa crueldade é que é duvidoso.
Mas o que eu sinto é o seguinte: o blog é seu. Vc pode escrever sobre o que quiser. E óbvio que vai ter gente discordando de vc. Mas isso pode gerar um bom debate. Olha, lendo os seus posts antigos, vejo que não somos muito parecidas, não (só no gosto pra filme, talvez, e no nosso amor aos animais. O resto... Vc até gosta de chocolate branco! Eca!). Mas isso não impede que eu goste muito de ler o seu blog. E nos seus posts novos, se eu ficar revoltadíssima com algo que vc escreve, vou comentar, discordando educadamente. Ou ironicamente. Mas ninguém vira inimigo mortal por discordar de outra pessoa, vira? Ou eu que sou ingênua demais?
E sobre a sua experiência bullística... Agora me lembrei que um menino colocou chiclete no meu cabelo! Não lembro quem nem quando, mas certamente foi traumático, ou eu não odiaria tanto chiclete. Talvez eu já odiasse antes disso, não lembro, mas ter que cortar parte do meu cabelo pra retirar um chiclete nojento que um menino igualmente nojento grudou certamente não ajudou a causa.
Nunca vi esse filme, mas me interessou. Vou procurar nas locadoras e se não achar acho que vou ter que apelar para a internet mesmo.
Nita, avise se encontrar nas locadoras, porque tenho quase certeza que o vi por aí no Brasil. Talvez seja difícil de encontrar porque fica escondido. Felicidade, por exemplo, numa locadora em Joinville ficava na prateleira de "Cinema Europeu". É totalmente americano, mas tão fora do padrão que a locadora não acreditou!
Vitor, mil desculpas! Eu não li o seu comentário quando vc o escreveu. Só tô lendo agora. Eu realmente não sei, Vitor. Não quero que mulheres "dominem" o mundo, quero só que mais governantes sejam mulheres. Seria bom ter 50/50. As mulheres que já tivemos no poder não foram melhores que os homens, mas a verdade é que foram tão poucas que fica difícil comparar. Tem alguma coisa na construção da masculinidade que os meninos sofrem que os faz mais violentos, e alguma coisa na construção das meninas, que são muito mais reprimidas e têm menos liberdade (é só ver como um menino e uma menina são criados na mesma família), que faz as mulheres menos violentas. Lembre-se que é raríssimo ter mulher serial killer, estupradora, pedófila. É quase impossível determinar se a mulher nasce assim ou se a repressão faz com que ela se torne menos violenta. A questão das "cat fights" é diferente. É quase uma performance. Não estou defendendo, é ridículo de qualquer jeito, mas convenhamos: essas cat fights não acabam em morte, ao contrário de brigas entre homens.
Eu concordo, mas continuo achando que um mundo dominado por mulheres não seria muito diferente. A Dama de Ferro que o diga. Concordo que os cargos poderiam ser 50/50.
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