Não sei se vocês notaram, mas não estou em Fortaleza. Eu e o maridão estamos conhecendo Maceió pela primeira vez, e a Samantha está ajudando a moderar os comentários do blog (obrigada, querida!). Por enquanto, tudo bem. Só chego perto do computador uma ou duas vezes por dia, por poucos minutos.
Ontem de manhã recebi um email de alguém que não conhecia o blog. A pessoa chegou aqui através do post sobre Adrilles, um dos participantes do BBB15. Anteontem publiquei o relato de uma jovem que foi stalkeada pelo escritor de Belo Horizonte. Seu relato era levinho se comparado ao que o Extra tinha publicado: anos atrás, Adrilles se apaixonou por uma colega que não lhe correspondeu a atenção. Isso não faz diferença para um stalker, e o rapaz a perseguiu a tal ponto de descobrir que ela traía o noivo. Assim, ele foi capaz de "alertar" o noivo e desfazer o casamento já marcado.

Não posso falar muito da pessoa que me enviou este último email, porque ela não quer ser identificada. Apenas que é uma das envolvidas nessa história do casamento, que não aconteceu como o Extra publicou. Essa pessoa me disse, por email: "Adrilles é, sim, um stalker perigoso e complicado. Mas a bem da verdade não destruiu o casamento de ninguém. A história foi mal contada pelo Extra, mal apurada e nos expôs de forma desagradável".
Pois é. A história é muito, muito pior que aquela narrada pelo Extra.
Doze anos atrás, uma moça -- vamos chamá-la de Ana --, conheceu Adrilles na faculdade. O método de abordagem dele foi o mesmo contado por G. e outras meninas nas redes sociais. Ele era rebuscado, inconveniente, grudento. Ana já estava noiva, mas isso não o impediu de persegui-la. Ele ligava dia e noite para sua casa, ligava para as amigas, queria saber onde ela estava, aparecia sem avisar.
Adrilles conseguiu um emprego onde Ana trabalhava para ficar perto dela. Ele a seguia até o carro, deixava bilhetes, flores, presentes. Depois de um tempo, Ana só saía da empresa acompanhada por um segurança. Ela chegou a ir a uma delegacia, mas, como Adrilles não havia encostado um só dedo nela, não deixaram que ela prestasse queixa. A sugestão do delegado foi mandar o noivo "dar um pau no cara".
Ela preferiu largar o emprego. O assédio de Adrilles a ela, porém, não cessou. Ao todo, durou dez anos. Dez anos de puro inferno.
No entanto, não foi ele o pivô do fim de noivado da Ana. Foi ela que contou ao noivo que estava apaixonada por outro. Foi um baque, porque foi na véspera do casamento. Tanto o noivo (um cara boa gente) quanto Ana entraram em depressão. Ana afastou-se do amante. Só voltaram a se falar oito meses depois, e desde então, nunca mais se desgrudaram. Casaram, tiveram filhos, vivem bem há dez anos, e ambos são profissionais respeitados em suas áreas. Uma linda história de amor.
Mas nada disso fez com que Adrilles parasse de stalkear Ana. Agora ele queria acabar com o relacionamento dela com o amante. Ligava para amigos em comum do casal dizendo que ele, o amante, só queria usá-la, só "comer e jogar fora". Quando ela e o amante se casaram, tiveram que contratar seguranças, com medo que Adrilles aparecesse. Mal curtiram a festa. Em outra ocasião, Adrilles compareceu a um evento do casal, e ficou espreitando, provocando, até que o marido de Ana tentou falar com ele. Ele perdeu a paciência e por pouco não bateu em Adrilles.
Após muito pensar, Ana decidiu procurar a justiça novamente. Com a ajuda do marido e de um delegado conhecido, desta vez não riram dela e permitiram que ela prestasse queixa. O caso chegou ao Juizado Especial e Adrilles foi obrigado a assinar um termo se comprometendo a manter no mínimo 500 metros de distância de Ana e de parar de ligar para a família dela e amigos.
Isso funcionou, e Ana nunca mais ouviu falar nele -- até anteontem.
Imaginem o que deve ser ver seu stalker num programa de TV. Imaginem ler a sua história mal contada, deturpada, no Globo e nas redes sociais. Quando Ana leu a matéria no Extra, ela chorou, tremeu, se desesperou: "Será que tudo vai voltar?", perguntou ela.
Toda a minha solidariedade a Ana e sua família. Eu, como autora de um blog feminista, já ouvi inúmeras histórias de perseguição. O incomum é o stalker ser premiado com participação na TV.
Então, só pra vocês saberem, foi esse cara que a Globo chamou para o BBB. Um cara que durante dez anos aterrorizou uma moça que nunca quis nada com ele. Um típico stalker. Quanto será que a Globo sabia? Por que dar destaque a um homem com comportamento obsessivo e perigoso?
Não sei como será o comportamento de Adrilles no BBB. Só torço para que ele saia logo. E, principalmente, para que stalking não seja romantizado. Não existe nada de "o amor é lindo!" (famosas palavras proferidas por Pedro Bial quando o país inteiro falava de um estupro no BBB) quando se trata de violência contra a mulher.
UPDATE em 30/1/15: Adrilles deu uma entrevista (não sei se agora ou antes de entrar no BBB) sobre o caso. Sua versão parece uma grande ficção: "Teve uma moça com quem tive um affair e que depois se casou com outro. O marido tinha ciúme de mim”. Adrilles nunca teve um "affair" com "Ana" (não é seu nome verdadeiro), a menos que ele considere perseguir uma mulher que estava com outro um affair. O marido não tinha ciúmes de Adrilles, por quem Ana não sentia nada além de medo e desprezo. O marido, isso sim, temia pela segurança de sua esposa. Afinal, alguém que fica ligando pra sua casa e mandando emails (como está na matéria) durante tantos anos e não aceita um não como resposta pode ser muito perigoso.
Mas Adrilles descreve a história como "engraçada e meio trágica". Engraçada, só se for pra ele. Pra Ana, é um grande trauma, um pesadelo que durou dez anos. Adrilles mente na cara dura ao dizer que recusou acordo. A própria matéria o desmente, afirmando que ele se comprometeu a não vê-la nunca mais. Este foi justamente o acordo que ele assinou: ele "se comprometeu a não estabelecer qualquer tipo de contato que possa vir a importunar a vítima, tais como email, telefonemas, contatos pessoais e contatos semelhantes".
Na sua versão romantizada, Adrilles é a verdadeira vítima, e seu único crime é "amar demais". Ele disse à reportagem: “Não há termo legal ou impedimento da lei que me impeça de amar alguém que me detesta”. De fato, não há. Ontem saiu uma matéria no R7. A matéria me cita e publica as palavras de Luíza Nagib Eluf: "O stalker não é crime no Brasil. Assim como teve dificuldade para criminar o assédio sexual, estamos tendo muita dificuldade convencer os legisladores desse tipo de crime."
Pois é, está na hora de começar a punir stalkers, em vez de premiá-los com participações em programas de TV que tratam tudo como "Que bafão!".

Mas Adrilles descreve a história como "engraçada e meio trágica". Engraçada, só se for pra ele. Pra Ana, é um grande trauma, um pesadelo que durou dez anos. Adrilles mente na cara dura ao dizer que recusou acordo. A própria matéria o desmente, afirmando que ele se comprometeu a não vê-la nunca mais. Este foi justamente o acordo que ele assinou: ele "se comprometeu a não estabelecer qualquer tipo de contato que possa vir a importunar a vítima, tais como email, telefonemas, contatos pessoais e contatos semelhantes".
Na sua versão romantizada, Adrilles é a verdadeira vítima, e seu único crime é "amar demais". Ele disse à reportagem: “Não há termo legal ou impedimento da lei que me impeça de amar alguém que me detesta”. De fato, não há. Ontem saiu uma matéria no R7. A matéria me cita e publica as palavras de Luíza Nagib Eluf: "O stalker não é crime no Brasil. Assim como teve dificuldade para criminar o assédio sexual, estamos tendo muita dificuldade convencer os legisladores desse tipo de crime."
Pois é, está na hora de começar a punir stalkers, em vez de premiá-los com participações em programas de TV que tratam tudo como "Que bafão!".