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terça-feira, 13 de setembro de 2022

KIWI FARMS, A FACE MAIS PERIGOSA DO TERRORISMO ONLINE


Ben Collins, repórter do NBCNews, escreveu uma thread longa e interessante sobre uma coisa na internet que eu ainda desconhecia: Kiwi Farms. Alguém traduziu:

Venho cobrindo partes ruins da internet há muito tempo.

Durante anos, surgiu um site que pesquisadores extremistas me alertaram para não cobrir porque publicá-lo seria perigoso.

Mas é hora das pessoas conhecerem o Kiwi Farms – e como seus usuários estão perseguindo inimigos políticos ao redor do mundo.

Kiwi Farms foi criado pelo ex-administrador do 8chan Josh Moon.

O fundador do 8chan, Fred Brennan, passou os últimos anos tentando remover o 8chan da internet pelos danos que causa. “O que Moon está fazendo é pior,” Brennan me disse. "Na verdade, ele está mirando em pessoas específicas."

Como o Kiwi Farms é pior que 4chan e 8chan?

Três pessoas visadas pelo site se suicidaram. Algumas são assediadas mesmo após sua morte pela máfia organizada do site, que briga com as páginas de mídia social de seus entes queridos.

Por que o Kiwi Farms é mais perigoso do que qualquer outro site?

Sua base de usuários de extrema-direita abusa de todas os vazamentos de empresas de dados privados acumulados na última década - depois os usa como arma contra inimigos percebidos.

Veja o último alvo: Clara Sorrenti, que teve que fugir do país no final de agosto.

O Kiwi Farms arquiva dados de inimigos políticos – frequentemente pessoas trans, muitas vezes cidadãos comuns – e os usa para criar terror.

Eles fazem doxxing [encontrar dados privados de uma pessoa e divulgá-los para atacá-la] e swatting [isso não existe no Brasil. É mandar a Swat invadir a sua casa, inventando alguma acusação. O mais próximo por aqui é a busca e apreensão da polícia] com os inimigos. Identificam os amigos e chefes dos inimigos e os bombardeiam com acusações de pedofilia para que sejam demitidos.

Clara Sorrenti foi a vítima mais recente da cartilha Kiwi Farms.

Mês passado, ela abriu a porta e encontrou a arma de um policial apontada para o seu rosto. Um usuário do Kiwi Farms tinha enviado uma ameaça de um tiroteio em massa na prefeitura local em seu nome.

Sorrenti tinha seguidores e decidiu iniciar uma campanha para cortar a hospedagem do Kiwi Farms.

Ela foi a um hotel e tirou uma foto com seu gato, dizendo aos fãs que estava segura. Os usuários do Kiwi Farms identificaram seu hotel pelos lençóis da foto, e as ameaças aumentaram.

A essa altura, as contas do Uber de Sorrenti e de sua família mais próxima haviam sido invadidas por usuários do Kiwi Farms. Eles então tiveram acesso a cada movimento e endereço em que ela esteve por semanas. Sua família começou a receber chamadas automáticas como esta.

Percebendo que precisava fugir do país, Sorrenti voou para a Irlanda do Norte para evitar os swatting e as perseguições via stalking.

Em poucos dias, o Kiwi Farms e usuários do 4chan descobriram onde ela estava hospedada. Um deles tirou uma foto fora de casa. (Nota: troon é um insulto do Kiwi Farms para pessoas trans.)

A vida de Sorrenti, como a de muitas outras, foi virada de cabeça para baixo por este site.

Até os policiais que bateram na sua porta foram posteriormente alvos de doxxing e ameaças pelos usuários do Kiwi Farms.

Atualmente, não há recurso para parar esse tipo de terror fascista.

Estou escrevendo sobre Kiwi Farms agora porque sua cartilha de terror está sendo adotada por espaços de extrema direita da internet em toda a web.

O Hospital Infantil de Boston foi fechado devido a uma ameaça de bomba esta semana.

Kiwi Farms e usuários do 4chan entupiram uma linha direta de suicídio LGBTQ um dia depois.

O manual Kiwi Farms – usando nossos dados para aterrorizar inimigos políticos – é para onde a guerra cultural está indo em 2022 e 2024.

As pessoas trans são seus alvos atuais, mas Kiwi Farms estão ampliando sua lista de inimigos.

Como Brennan me disse, isso poderia "facilmente se tornar um banco de dados de agentes do FBI".

Na verdade, Marjorie Taylor Greene foi pega no fogo cruzado na semana passada.

A congressista foi assediada por duas noites seguidas por ligações. A pessoa que ligou, usando uma mensagem de voz automatizada semelhante, citou o Kiwi Farms.

Esta é a minha reportagem sobre o Kiwi Farms e como será o rosto do terror político em 2024. Estão usando seus dados para aterrorizar dissidentes políticos. E estão aumentando o que eles veem como inimigo todos os dias. Espero que vocês leiam.

Um update: Cloudfare, que hospedava o Kiwi Farms, parou de permitir que acessem seus serviços. Isso tornará difícil pra que eles fiquem online. Mas vão continuar. Muitos usuários já migraram pro Telegram. Mas seu arquivo gigante com doxxings e alvos será bem menos fácil de encontrar.

quarta-feira, 27 de julho de 2022

PROFISSÃO REPÓRTER: STALKER DE RAYANNE É PRESO

Ontem o Profissão Repórter tratou de três crimes cibernéticos: pornografia infantil, golpes financeiros e stalking. É assunto demais pra pouco tempo (só 34 minutos), mas pelo menos ajuda a alertar a respeito desses crimes.

Em 2015 conheci um dos repórteres, o Guilherme Belarmino, porque ele e o cameraman Ricardo (ambos muito simpáticos) vieram até a minha casa em Fortaleza e me acompanharam até a UFC e para uma palestra em Quixadá. Eles contaram um pouco da minha história de ser atacada, difamada, caluniada e ameaçada por ser feminista. Entrevistaram dois dos mascus que mais me atacavam -- Emerson, hoje foragido na Espanha, e Marcelo, preso desde 2018. 

Eles esperaram Marcelo chegar na rua em que ele vivia em Curitiba para tentar entrevistá-lo. Ele me chamou de louca e partiu pra cima deles. Na mesma noite, em seu chan, contava o que tinha acontecido. Como o programa só foi ao ar dois meses depois, apenas três pessoas sabiam (ele, Guilherme e Ricardo). Isso foi usado mais tarde para provar que Marcelo era o principal responsável pelo fórum anônimo que prometia ataques a pessoas e instituições. Naquela mesma noite, aliás, Marcelo ordenou que sua quadrilha atacasse Guilherme. Porque Guilherme é negro e o chan é nazista. Só por isso. 

Ameaças a Guilherme em dezembro de 2015, quando o programa foi ao ar

De lá pra cá, Guilherme e eu trocamos alguns emails, contando as novidades. Faz pouco tempo, ele contou que faria um programa sobre stalking, que virou crime no Brasil no ano passado. Perguntou se havia alguém que aceitasse falar. Não me lembrei de ninguém imediatamente.

Mas, poucos dias depois, um nome veio com toda a força pra minha cabeça. Na realidade, eu estava num hotel em Brasília (fui ao Rio gravar uma entrevista para um documentário sobre o massacre de Realengo, e na volta o voo atrasou, eu perdi a conexão, e tive de passar a noite em Brasília), e na hora que entrei no quarto, lembrei da Rayanne. Escrevi pra ela na mesma hora, perguntando se ela toparia ser entrevistada para o Profissão Repórter.
Não conheço a Rayanne pessoalmente, mas fiquei sabendo de sua história em outubro de 2020 no Twitter. Ela me enviou um email pedindo que eu divulgasse o seu caso, já que a repercussão é uma forma de defesa, e eu publiquei seu guest post. Rayanne é uma jovem modelo de Teresina, linda, negra. Ela conheceu o francês Malik Roy e eles foram morar juntos em Budapeste, na Hungria. Lá a relação começou a dar errado e ela voltou para o Brasil, não sem antes registrar as agressões, ameaças e perseguições num primeiro boletim de ocorrência ainda na Hungria, em 31 de julho de 2019.  

Era pra ter acabado aí, certo? Mas o que fez Malik? Ele decidiu vir ao Brasil para continuar atormentando Rayanne. Além de ameaçá-la sem parar, o francês criou vários perfis para difamar a modelo. Parece que stalkear Rayanne virou sua missão na vida. Crente da impunidade, ele foi ficando cada vez mais ousado. Rayanna conseguiu que um programa de TV, o Cidade Alerta, falasse do seu caso em 2020, e Malik deixou comentários racistas e misóginos (cadela, prostituta, macaca peluda etc), avisou que sua "vingança será suave de uma verdadeira alegria", e admitiu seu racismo: "Eu sou racista sim, por apenas um tipo de pessoa: mentirosos e perversos narcisistas". Como se ele pudesse cometer o crime de racismo dependendo de quem quisesse atingir!

Nesses quase dois anos (outubro de 2020 a julho de 2022), não falei mais com Rayanne, mas sabia que ela seguia sendo stalkeada, porque não parei de receber mensagens de Malik no meu blog, Twitter e email, sempre sobre ela. 

Numa das "justificativas" dele, ele escreveu: "Apenas desejei o pior a ela e manifestei minha alegria por seu irmão ter sido executado". No "dossiê" que frequentemente envia para os amigos e familiares de Rayanne, ele confessa: "Aqui está o que escrevi para seus amigos: 'Se o irmão foi executado, foi porque ele era definitivamente um canalha forrado de lixo sem nome. Pelo menos tão nojento quanto a irmã Ray. Deus limpe a terra desse povo de m*rda. Obrigado, Deus. Amém. [...] Eu nunca vou deixar uma puta suja mentir".

Três dias depois de eu mandar um email pra Rayanne, no dia 14 de julho, ela me respondeu, com uma novidade incrível: no dia 15 de julho Malik foi preso num supermercado em Itajaí, Santa Catarina! Achei uma coincidência tão bacana! 

Guilherme foi até Itajaí, entrevistar o delegado, e para Teresina, gravar com Rayanne. A gente se falou um pouco pelo Zoom e ele colocou um pedacinho no programa, contando do programa de 2015.

E querem saber de outra coincidência? O programa foi ao ar ontem, bem no aniversário de Rayanne. Um belo presente. 

Obviamente não sabemos quanto tempo Malik ficará preso. Como ele é obcecado, duvido que ele pare. Ainda mais porque existem misóginos e neonazistas que acreditam em tudo que homens dizem contra mulheres, principalmente contra mulheres negras. Malik estava começando a ter alguma voz nessas comunidades.

Mas é gratificante a gente poder mostrar que também se une, também se acolhe, também se ajuda. Tomara que Rayanne tenha dias melhores daqui pra frente. E que sua serenidade e sua coragem inspirem outras mulheres a denunciarem seus stalkers. 

quinta-feira, 25 de março de 2021

GUEST POST: PRECISO DE AJUDA CONTRA MEU STALKER

Faz pouco tempo publiquei um post sobre uma possível lei para punir stalking. Hoje reprouzo o pedido de ajuda de Beatriz Alencar, que vive esse pesadelo há uma década. Força, Beatriz! Não deixe que ele te destrua!

Há anos eu não uso Facebook. Não uso redes sociais. Me privei de muita coisa e hoje cansei. Não quero saber o que as pessoas pensam sobre o que vou falar, mas preciso explanar isso pro mundo pra que eu possa viver sem tanta gente vindo me perguntar o porquê de eu estar entrando em contato com eles, de por que eu estar mandando fotos intimas minhas a pessoas que nunca nem conversei. Quem me conhece e convive comigo ou conviveu nos últimos anos já sabe a resposta. 

Dez anos atrás, quando eu tinha 16 anos, me envolvi com um rapaz chamado Felipe. Obviamente eu não fazia ideia no que estava me envolvendo até alguns meses depois, quando o relacionamento acabou e eu comecei a receber as ameaças de que ele espalharia minhas fotos pra todos que me conheciam. No começo fiquei com muito medo. Tive fobia social, faço tratamento psiquiátrico e psicológico até hoje e sofro de depressão, síndrome do pânico e transtorno de ansiedade. 

Eu morria de medo de ele vazar essas fotos, de como as pessoas reagiriam. Por anos esse medo me acompanhou como ameaças por todas as redes sociais que eu tinha na época. Até que em 2018 eu viajei pra fora do país e recebi a notícia de um antigo amigo meu de colégio  de que Felipe tinha mandado as fotos pra ele e se passado por mim. O medo que eu tinha dentro de mim sumiu. Era realidade. Não era mais ameaça. De tanto preparar meu psicológico que um dia isso aconteceria, que quando aconteceu eu não sofri o tanto que eu achava  que sofreria. Achei que agora que ele tinha realizado o que tanto ameaçou, ele iria parar. Mas eu não podia estar mais errada. Desde essa época até hoje as atitudes doentias desse cara vem surpreendendo a todos. 

Ele já se matriculou na mesma faculdade que eu fazia (viajou até a cidade aonde eu estudava, depois me mandou um email dizendo o quanto era fácil estar perto de mim se ele quisesse). Meus amigos da época sabiam de tudo e sabiam do meu medo. Ele criou fakes de pessoas da minha sala, de professores da universidade, de estabelecimentos que eu frequentava, de pessoas da minha família, tudo pra conseguir me vigiar, se passar por mim e ter informações minhas.  De onde eu estava, com quem eu estava, o que eu estava fazendo.

Quando fui pra Austrália ele conseguiu descobrir meu novo número através de um perfil fake com quem eu estava conversando, procurando trabalho. Quando eu estagiei na Unicamp ele descobriu meu email profissional e mandou ofensas pra lá. Quando namorei o Danilo, ameaçou a família dele de morte caso não se separasse de mim. Enquanto eu estava namorando, pedia pra pessoas me ligarem inventando histórias. Já inventou que meu padrasto e meu tio abusavam de mim e que era consentido. Já fez tanta coisa, que eu não conseguiria listar 1% do que já aconteceu nesses 10 anos. 

Eu hoje venho aqui me abrir pra todos pois quero que vocês saibam que caso tenham recebido qualquer conteúdo íntimo meu, NÃO FUI EU QUEM MANDEI. E quero que vocês saibam que, caso alguns de vocês (que eu já sei de alguns que vieram falar comigo diretamente) tenham se animado por algum momento e gostado do que receberam, parabéns! Vocês se animaram conversando com um marmanjo sociopata de mais de 30 anos que por algum acaso mesmo depois de 10 ANOS continua se passando por mim, por algum motivo que eu jamais serei capaz de entender.

O que me fez vir publicar isso foram duas coisas: minha psicóloga comentou comigo sobre essa possibilidade, e isso ficou na minha cabeça, mas eu sempre tive medo de que ele poderia fazer algo pior. Assim como eu sempre tive medo de fazer boletim de ocorrência, de denunciar, de várias coisas que tive medo durante anos. Só depois de algumas coisas sinistras que ele fez eu e minha família decidimos buscar pela justiça. 

Há alguns anos contratei um advogado, algum tempo depois denunciamos, fizemos a queixa, registramos tudo e contratamos outro advogado, que está presente ate hoje. A outra coisa que me fez publicar isso foi o que aconteceu hoje. Meu tio e minha prima estão passando um período aqui em casa e esse meu tio veio me perguntar o porquê de eu ter mandado mensagem pra ele pelo Facebook. Nessa hora eu já entendi tudo. Felipe criou mais um perfil fake meu e dessa vez mandou fotos íntimas minhas e se passou por mim pra um outro tio meu. SIM, OUTRO. Ele já mandou pra inúmeras pessoas da minha família, pra amigos meus, pra primos meus, pra pessoas que eu nem conheço e que vieram falar comigo sem entender o que estava acontecendo. 

Toda vez eu tenho que explicar a mesma história. Viver os mesmos traumas, fazer ressurgir meus medos, minhas pernas ficam trêmulas, eu choro, grito, peço pra Deus me levar. Peço pra não viver nesse pesadelo pro resto da minha vida. Peço a Deus pela proteção à minha família. Há 10 anos isso se repete. Diariamente. Seja em forma de sonhos, ataques de pânico, não conseguir socializar, ansiedade, medo, frustrações.  

Quando isso tudo começou, eu pedi ajuda à mãe dele, que não deu suporte e debochou da situação. Já tentei de TUDO que vocês possam imaginar. Mas não adianta. Nada adianta.  Essa é a primeira vez em MUITOS ANOS que ele terá notícias diretas minhas. Tentei conversar, pedir, implorar, já xinguei muito quando ele simplesmente mandava ofensas e ameaças, já perdi o controle, já recuperei, já recaí, já fiz de tudo. Até que um dia resolvi ignorar.  Até hoje. Hoje eu perco meu medo de me abrir, de me expor e de me colocar em uma posição frágil. 

Eu perdi tanto, tanto, tanto com isso. Me privei de viver tantas coisas por medo de achar que ele vai estar lá me esperando. Que ele vai descobrir aonde eu estou. Que vai me achar. Hoje eu me coloco na posição de estar exposta divulgando isso. Mas eu não me importo mais. Já passei muito tempo me importando. Agora quero que o mundo saiba que se algo um dia acontecer comigo ou com minha família, o mal tem nome e sobrenome.

PS: Há pouco entrei em contato com a mãe dele para pedir por ajuda, e ela me bloqueou. Eles não se importam. Sempre foi assim.

quinta-feira, 11 de março de 2021

STALKING É CRIME

Uma excelente notícia: anteontem o Senado aprovou, por 74 votos a 0, um projeto que criminaliza o stalking. Pra quem não sabe, até porque não temos exatamente um termo em português, stalking é uma perseguição repetida e obsessiva que, nos tempos digitais em que vivemos, geralmente se dá pela internet.

Porém, stalking é uma prática muito antiga. Deve existir desde que o primeiro homem não aceitou um fora de uma mulher ou o fim de uma relação, e passou a segui-la, vigiá-la obstinadamente, até partir pro ataque. Lógico que mulheres também podem stalkear homens (há filmes conhecidos sobre isso, como Atração Fatal e Perversa Paixão), e outras mulheres, assim como homens podem stalkear outros homens, mas o mais comum mesmo é homem que stalkeia mulher. Mulheres são quatro vezes mais perseguidas que homens. 

E, até pouco, stalking era até considerado romântico, assim como ciúme -- um sinal de amor e persistência. Hoje sabemos que esses elementos fazem parte de um relacionamento abusivo. Mas até hoje tem quem vê um grande sucesso dos anos 80, "Every breath you take", do Police, como uma linda canção de amor, digna de ser tocada num casamento. E é quase o diário de um stalker, afirmando pra sua vítima que "você pertence a mim" e que ele a vigiará a cada suspiro que ela der.

Um caso famoso de stalking foi o que envolveu a maravilhosa atriz Jodie Foster, muito antes do início da internet. Um carinha totalmente desequilibrado chamado John Hinckley viu o excelente filme Taxi Driver dezesseis vezes, se identificou com o protagonista, Travis Bickle, e se apaixonou por Jodie, que na época tinha apenas 14 anos e interpretou uma prostituta que o "herói" tenta salvar (dica básica de sobrevivência: afastem-se de rapazes que queiram salvá-las, meninas!). 

Quando Jodie interrompeu sua carreira de atriz para estudar em Yale, quatro anos depois de Taxi Driver, John a seguiu. Mandava poemas e cartas pra ela (algumas ele deixava por baixo da porta do dormitório dela), ligava pra ela, escutava suas conversas atrás da porta. Até que, para chamar sua atenção, John atirou no então presidente Ronald Reagan (assim como Travis pensa em matar um político). Antes do atentado, em 1981, John mandou mais uma carta a Jodie, dizendo que cometeria esse "ato histórico" para conseguir o respeito e admiração da jovem atriz. 

John atingiu mas não matou Reagan. Feriu também dois dos guarda-costas do presidente e deixou permanentemente paralisado o secretário de imprensa James Brady (quando Brady morreu, 33 anos depois, sua morte foi registrada como um homicídio). John foi considerado insano e por isso inocentado. Mesmo assim, ficou internado durante décadas num hospital psiquiátrico. Foi liberado em 2016. Uma das condições é nunca mais contatar Jodie, a família dela, ou sua agente. 

Boa parte das mulheres consegue se identificar com o que Jodie passou. Às vezes o stalker é um sujeito que a vítima sequer conhece. Outras vezes é um ex que não aceita o final de um relacionamento. Na internet, existem misóginos que se juntam em turmas para stalkear, fazer doxxing (conseguir os dados pessoais da pessoa e divulgá-los), ameaçar e atacar mulheres. Eu sou uma das vítimas, mas há milhões de outras. Nos chans (fóruns anônimos), homens se unem para perseguir meninas por qualquer motivo -- por exemplo, a menina não aceitou o namoro com um garoto. Logo, conhecerá a ira dos incels (celibatários involuntários). 

Para nos proteger, a lei que criminaliza o stalking parece ser uma boa. Stalking é definido no projeto como perseguir ou assediar alguém de forma continuada por meio físico ou eletrônico. O projeto da senadora Leila Barros (PSB-DF) que foi aprovado anteontem, depois de passar pela Câmara, modifica o Código Penal, prevendo uma pena de reclusão de seis meses a dois anos e pagamento de multa. A pena de reclusão será aumentada em metade se o crime for contra criança, adolescente ou idoso, ou contra mulheres por questões de gênero. E também se for realizado por duas ou mais pessoas, ou com o uso de arma.   

Como escreveu o relator do proposta, o senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL), o stalking já é crime em vários países, como Estados Unidos, Canadá, França, Itália, Alemanha, índia, Holanda e Portugal. E há vezes que o stalking acaba em feminicídio. Ele citou dados do Stalking Resource Center: 54% das vítimas de feminicídio haviam denunciado à polícia serem stalkeadas antes de serem mortas pelos perseguidores. 

Mesmo que a lei atual já penaliza o ato de perturbação da tranquilidade, e que a Lei Maria da Penha preveja medidas protetivas, ainda faltava uma lei que puna a perseguição reiterada. E, ainda que a pena seja baixa (com essas sentenças de até dois anos, poucos serão condenados em regime fechado), a lei é importante para afugentar otários que acham que podem tudo. Se a lei for sancionada pelo pior presidente de todos os tempos, eu talvez denuncie alguns mascus stalkers que me ameaçam há anos. 

Em treze anos de blog feminista, já recebi incontáveis mensagens de mulheres e meninas apavoradas com o stalking que estavam sofrendo. Meus conselhos são quase sempre os mesmos: jamais responda ou se comunique com o stalker, bloqueie-o de todas as suas redes sociais, documente tudo (abra arquivos, tire prints, guarde emails, grave telefonemas etc), faça um boletim de ocorrência, avise a sua família, amigos e, e possível, colegas de trabalho e estudo sobre o que está acontecendo (já que é muito comum que o stalker tente se comunicar com eles também). Se você mora num prédio, fale com os porteiros, zelador e síndico, e distribua imagens do seu stalker. Pode ser constrangedor contar sobre o seu drama para outras pessoas, inclusive estranhos e gente que não vai entender direito o quão grave é o stalking, mas é necessário. 

E tomara que essa lei receba a sanção presidencial e possa nos ajudar a viver em paz.

Uma em cada 6 mulheres e um em cada 19 homens é vítima de stalking em algum ponto de sua vida

UPDATE em 1 de abril de 2021: A lei que criminaliza o stalking foi sancionada pelo excrementíssimo presidente da república e já está em vigor. O projeto da senadora Leila Barros (PSB-DF) foi dedicado à radialista Verlinda Robles, que foi alvo de perseguição por um cara da Costa Rica com quem ela nunca teve nada, mas que a stalkeou durante dois anos para "cumprir o propósito de Deus". A punição para os stalkers pode chegar a dois anos de prisão.