Fui ver “Frozen” (Congelados), peça inglesa de Bryony Lavery, no teatro Baldwin em Royal Oak, subúrbio de Detroit. E adorei. Chorei até não poder mais. Não era a única, mas provavelmente a mais exagerada. Esse tipo de coisa mexe demais comigo. É a história de uma mãe que tem sua filhinha de dez anos sequestrada e morta por um serial killer, e sua jornada pra conviver com isso. Na realidade, são três personagens: a mãe, o assassino, e uma cientista que estuda comportamento criminal. O serial killer, pedófilo, vem de uma infância traumática, quando também foi estuprado. A mãe da garota, primeiro, quer que ele morra, naturalmente; depois, o perdoa. O título se deve a todos os três personagens encontrarem-se congelados em sua condição, e só conseguirem sair dela interagindo. Eu derramei lágrimas do começo ao fim. E o pior é que, quando acabou a peça, uma senhora foi convidada a falar ao público. Aquilo que foi relatado ficcionalmente aconteceu com Marietta Jaeger Lane na vida real. Em 1973, a filha dela, de 7 anos, foi sequestrada enquanto a família estava acampando. Um ano depois, o sequestrador ligou pra Marietta, em Detroit, bem no aniversário da menina, e falou com ela durante uma hora. Ele ainda afirmava que ela estava viva. Graças às pista
s deixadas no telefonema, a polícia conseguiu chegar ao lugar. O cara era suspeito, mas passou três testes no detector de mentiras, e mais um com o soro da verdade (aparentemente um dos problemas pra pegar serial killers nesses testes é que eles não acham que estão fazendo algo de errado). No caminho de volta do último teste, o assassino sequestrou outra menina, e foi pego. Nunca encontraram o corpo da filha de Marietta, mas o serial killer acabou confessando. Marietta conta que, no início, queria matá-lo com suas próprias mãos. Porém, conseguiu apoio na sua religião (católica), rezou muito, pediu forças. O marido, que nunca perdoou o assassino, morreu pouco depois. Marietta tinha a opção de, junto aos promotores, pedir pena de morte pro serial killer. Ela é de Michigan, estado que não adota a pena capital, mas o crime havia acontecido em outro estado. Acabou chegando à conclusão que matar o assassino de sua filha seria apenas mais uma morte, que traria sofrimento a mais uma família (a do pedófilo), e que não devolveria a sua perda. Além disso, ela achou que não combinava com a imagem da filha ter uma morte em seu nome. Marietta defendeu a prisão perpétua pro assassino. Só que, após conhecê-lo pessoalmente – ela foi à cadeia para perdoá-lo –, ele se suicidou. Faz mais de três décadas que Marietta trabalha contra a pena de morte e no apoio de familiares das vítimas. Não preciso nem falar que sou contra a pena capital. Ela não diminui a criminalidade, custa mais caro ao E
stado que a prisão perpétua, e só condena os mais pobres, claro. Eu sou ingênua e acredito que dá pra reformar um criminoso. Mas realmente tenho dúvidas se um pedófilo, por exemplo, que geralmente sofreu abusos na infância, pode ser “curado”. Se a ciência decide que não, não pode, o que fazer com ele? Mantê-lo na prisão pro resto da vida? Digamos que o pedófilo não seja um serial killer, ao contrário dos dois casos acima, o ficcional e o real. Imagine que, até agora (e essas duas palavrinhas é que são perigosas), o sujeito agiu mal sem tocar em crianças – por exemplo, exibiu-se nu pra elas. O que fazer? O cara já foi preso, cumpriu pena, foi liberado, continua com tratamento psiquiátrico. É correto que seu nome faça parte de uma lista de pedófilos, exposta na internet, para que toda a vizinhança fique sabendo e possa assim proteger seus filhos? Tô pensando em “Pecados Íntimos”. Há uma cena excelente em que o pedófilo entra numa piscina pública, cheia de crianças, e todos saem correndo em pânico, como na praia de “Tubarão”. Isso parece ridículo, um medo injustificado, porque nenhum criminoso atacaria alguém no meio de uma multidão. Mas, se eu fosse mãe, não gostaria nada que meu filho estivesse no mesmo quilômetro quadrado de um pedófilo. E se o pedófilo no filme em questão, ainda que não fizesse nada, mentalmente captasse imagens de crianças para de
pois fantasiar com elas? Eu tampouco gostaria disso. Portanto, um pedófilo não deveria ocupar o mesmo espaço que crianças, ponto. Mas, ao afirmar isso, não estou deixando claro que uma reforma é impossível? E mais: num caso desses, o Estado deveria proibir a pessoa de ser pai? De adotar uma criança, logicamente, sim. Mas de ter seus próprios filhos biológicos?
Esse assunto é muito rico e polêmico. E melhor nem entrar no outro assunto relacionado a este, algo que não consigo parar de pensar: mulheres não são serial killers, mulheres não são pedófilas. Mulheres são sempre vítimas. Ou mães de vítimas. Infelizmente, mães de pedófilos também.