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sábado, 17 de agosto de 2013

VIOLÊNCIA DE GÊNERO EM A FAZENDA 6

Marília Silva, doutora em Sociologia e professora do ensino médio em São Gonçalo, RJ, me escreveu indignada sobre A Fazenda 6.
Segundo ela, o programa é "um espetáculo de misoginia, sobre o qual ninguém está falando! Aconteceram cenas de agressão que podem ser enquadradas em violência de gênero, mas nada se comentou. O site na Record bloqueou novos comentários. O programa está passando batido e as pessoas estão dizendo que as agressões foram justas".
Aqui vai o texto da Marília:

Não sou uma pessoa que assiste programas de televisão. Não porque seja metida a intelectual, mas porque minha família não tem o costume de assisti-los, nunca teve. Mas há pouco tempo minha mãe chamou minha atenção para o que estava acontecendo num programa diário da TV Record: A Fazenda. Um dos participantes, Ivo Meirelles, costumava dar "cantadas" grosseiras nas mulheres, observá-las tomar banho, esperando por aquele momento em que elas lavariam as partes por baixo dos biquínis. 
Ivo, um homem de 51 anos e temperamento forte, candidato a "Mr. Mascu 2013", dizia em alto e bom tom que mulheres deveriam cuidar da casa, que certos assuntos e brincadeiras eram coisas de homens e que mulheres não poderiam participar, já que aqueles assuntos e brincadeiras estavam para além de sua compreensão. Em certa ocasião, Ivo fez a participante Aryane Steinkopf chorar por se sentir humilhada: a moça pediu insistentemente para que ele parasse de cheirar suas calcinhas, mas aquele fingia não ouvir. 
Ivo chegou a jogar panelas cheias de comida no chão, numa atitude de mascu do século passado, pois Yani, a "mulher filé", o impediu de comer a refeição que preparou, dizendo que se ele quisesse, que fizesse, já que estava espalhando entre os participantes que sua comida "era uma m*rda".
Partidários de Ivo, os homens da Fazenda começaram a se unir contra as mulheres, que, um tanto aéreas, ainda insistiam em estar ao lado deles e não percebiam todas as investidas machistas do grupo que só as criticava e ofendia.
Uma das participantes mais ofendida foi Denise Rocha. Denise, inapta aos serviços domésticos, era constantemente ofendida por suas "tarefas malfeitas" e acabava respondendo de maneira infantil, sem argumentos, às investidas dos outros participantes. Denise era "porca", "nojenta", não sabia lavar panelas, não sabia limpar a casa. Ela, porém, apenas reclamava, gaguejava, xingava, falava muito, sem ser objetiva e incisiva. 
Sempre na defensiva, Denise chegou inclusive a iniciar brigas, pois já esperava as ofensas que viriam: brigava lavando a louça, brigava fazendo serviços, ofendia esperando as ofensas -- que provavelmente viriam. Mas era a única que respondia e enfrentava Ivo, o macho alfa. Ela o enfrentava quando ele a ofendia: "Furacão da CPI", "assessora do sexo", "garota de programa", foram algumas das ofensas que Denise ouviu. 
(Para quem não se lembra, Denise Rocha foi assessora do senador Ciro Nogueira do PP do Piauí e foi exonerada do Congresso porque seu ex-namorado publicou um vídeo que circulou pela internet e chamou a atenção dos políticos. Nele, Denise e o ex faziam sexo). De vítima de um "internauta" sem rosto -- provavelmente o próprio ex -- Denise passou a ré. Vadia, piranha, prostituta, exonerada.
Ivo saiu da Fazenda, mas deixou seu rastro cintilante de mascu. O estrago já estava feito e os homens dispostos a brigar e agredir as mulheres. Paulo Nunes, o futebolista, disse com desdém, assim que Ivo saiu: "agora essas mulheres vão crescer".
Depois que Ivo saiu, Yudi e Mateus Verdelho assumiram seu papel de macho dominante. As provocações a Denise continuam e esta, facilmente desestabilizável, falou sem parar. Tanto machismo culminou na ideia de Yudi Tamashiro de "tacar um balde de água na cara dela". Os rapazes começaram a armar maneiras de fazê-lo, já que bater em Denise não podiam. Expressaram sua tristeza por não poder fazê-lo, pois as regras do reality não permitem.
Mas eis que Yudi jogou a tal água em Denise. Logo depois, numa festa, Mateus Verdelho jogou-lhe uma taça de vinho no rosto enquanto a moça dançava. Estes dois atos em si caracterizam-se como agressão. Andressa Urach, indignada, foi tirar satisfação com Mateus e partiu para as ofensas. Mateus cuspiu no rosto da moça, a qual devolveu o cuspe, iniciando uma cena de 25 minutos de cusparadas um no rosto do outro.
A Rede Record pode se eximir da culpa, dizendo que as atitudes dos participantes são de inteira responsabilidade deles. Notemos porém que Aryane, que era casada e traiu seu marido com Beto Malfacini, no reality, foi matéria de inúmeros telejornais da emissora (inclusive no Domingo Espetacular), dando a entender que a moça era traidora e mentirosa. "Adúltera", disseram no programa Hoje em Dia. Aryane foi eliminada. 
Lu Schievano, que demonstrou ter problemas psiquiátricos e gerou muitos conflitos por conta disso, após a eliminação, foi espezinhada em todos os programas que participou, desde o Hoje em Dia até o Legendários, programa de Marcos Mion. Ivo Meirelles, por conseguinte, não ouviu nenhuma pergunta, nenhum gracejo -- nem de Mion, que se orgulha do seu quadro "Vale a pena ver direito", no qual constrange seus convidados -- sobre seus atos extremamente machistas, sobre as brigas que provocou, sobre as ofensas que fez. Nada.
A Rede Record se exime de discutir a violência de gênero que ocorre dentro do seu reality show A Fazenda. Insiste em colocar em xeque a "moral" DAS participantes, em questioná-las e até em ofendê-las, mas não atentam para a gravidade do que vem ocorrendo em seu programa. É absurdo até ter que ressaltar algo tão óbvio, mas elas não merecem apanhar, não são vadias ou prostitutas porque transaram com seus namorados e os infelizes publicaram os vídeos na internet. Chega de violência de gênero. Não aguento mais! Volto a desligar a TV.

quinta-feira, 2 de setembro de 1999

DESCULPEM A NOSSA FALHA

Não há motivos para comemorar os 30 anos do Jornal Nacional


De uns tempos pra cá, o Jornal Nacional passou a terminar sua edição dizendo "boa noite", se a última notícia havia sido boa, ou "até amanhã", se o fato fosse trágico. Imagino que os narradores comemorariam os 30 anos de existência do noticiário com um sonoro boa noite. Enquanto nós, telespectadores, estaríamos pendendo mais para o
"até amanhã". Ou até nunca mais, que seria melhor.

Talvez a Globo tenha motivos para celebrar esses 30 anos da nossa "Voz do Brasil", versão televisiva. Ainda é o programa mais assistido no Brasil, se bem que a audiência caiu de 70 pontos de Ibope, nos anos 80, para os 40 atuais. Mesmo assim, 40 é ponto que não acaba mais, permitindo que a Globo cobre cifras estratosféricas para suas inserções comerciais.

Para qualquer pessoa que não tenha a televisão como única fonte de informação, que leia jornais e revistas e questione o que vê, o Jornal Nacional não assusta. A lavagem cerebral só funciona com aqueles (que não são poucos) que acreditam em tudo que aparece na telinha, no estilo "Deu no New York Times" - o que sai é lei. E não é à toa que o jornal se chame nacional, já que continua sendo o porta-voz da moral e de qualquer governo federal.

Quando você pensa em Jornal Nacional, quais são as primeiras imagens que vêm à sua mente (fora o Cid Moreira; deixa o velhinho no Fantástico anunciando mister M)? Eu me lembro de quando, em 1982, a Globo manipulou os números das eleições para governador do Rio - o escândalo Proconsult. O JN tentou eleger qualquer um que não fosse seu arquiinimigo Brizola na marra. Não deu certo por pouco.

Em 1984, época das diretas-já que a emissora de Roberto Marinho não mostrava, a Globo estava tão impopular (apesar de altamente popular no Ibope) que não podia sair com as caminhonetes com o logotipo, sob o perigo de ser apedrejada. O slogan para quem participou dessas manifestações era inolvidável: "O povo não é bobo; abaixo a Rede Globo!". O tempo provou que o povo é bem bobinho sim. Tanto que chorou com a morte de Tancredo. O JN do dia pôs no ar a comovida Fafá de Belém cantando o hino, e a gente se derramou pelo nosso novo Tiradentes.

Após o JN ter sido fiscal do Sarney, promovendo o cruzado a torto e a direito, foi a vez de dar uma mãozinha na eleição direta para presidente. A Globo tinha seu candidato: Collor. Dizer que a emissora só beneficiou o primeiro Fernando na edição daquele famigerado debate é injusto. Desde o início da campanha, em 1989, deu muito mais destaque e elogios a Collor. O debate editado e as imagens dos seqüestradores do Diniz com camisetas do PT foram só a gota d'água, o toque de mestre.

O orgulho global por haver eleito seu escolhido não durou muito - e talvez tenha sido aí o começo da despolitização do JN. No final de 1992, o país parou... Mas não para assistir ao impeachment de Collor, e sim por causa do assassinato de Daniela Perez. A morte da atriz recebeu cobertura mais ampla do que a deposição do presidente.

Eu ainda me lembro vagamente das eleições do ano passado, quando o JN omitiu uma candidata de SP e tirou do segundo turno a Marta Suplicy. E, com os discursos do Arnaldo Jabor, sempre bem afinados com os da Globo, o JN permanece bastante político. A própria despolitização tem por trás um projeto político. Quando o JN gasta metade dos seus escassos vinte minutos para falar da macaca Capitu, pode apostar que alguma notícia importante está sendo esquecida. Na véspera da privatização das teles, só pra ficar num exemplo clássico, o JN foi dedicado à Sasha. O diretor do JN alega que é o povo que está alienado, e que a Globo só segue a tendência. O que veio primeiro, o ovo ou a galinha?

Hoje, o JN é uma mistura de Video Show, uma vitrine para as atrações globais, como o Globo Repórter. É um programa de variedades, mas que continua cumprindo bem sua missão de alienar, disfarçar, e manipular. Não há o que festejar. Como diriam os apresentadores após a notícia ruim, até amanhã.