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quinta-feira, 6 de março de 2008

QUASE ACABANDO COM SANGUE NEGRO

É fascinante ler o roteiro de Sangue Negro (que está aqui). Apesar de inúmeros erros (como um personagem dizer o nome do outro sem que aquele tenha se apresentado antes), há várias cenas que não foram filmadas ou foram deixadas na sala de montagem. O relacionamento entre o bigodudo e seu filho tem mais nuances, e a menina da outra família é praticamente adotada por ele, o que cria mais conflito. Ele se refere a ela e a seu filho como “minhas crianças”.

Acho que isso que vou dizer é meio um SPOILER, então guarde pra ler depois de ver o filme. Só que não é muito, se prestar atenção. Parece haver dois personagens, Paul e Eli, ambos interpretados pelo Paul Dano, mas está confuso. O que dizer de um rapaz que se apresenta como Paul e mais adiante o mesmo ator diz “Prazer. Meu nome é Eli”? Eu pensei que ele ou estivesse mentindo ou tivesse dupla personalidade. Pô, contrata dois atores! Muda o penteado, sei lá. Faz alguma coisa! No roteiro há claramente dois personagens, Paul e Eli, e são irmãos. Li que numa coletiva de imprensa o Paul Thomas Anderson admitiu originalmente ter contratado dois atores, mas depois de ver Assim Caminha a Humanidade, sua inspiração pro filme, decidiu que o Dano deveria interpretar os dois.

No fundo é muito interessante, porque prova que, no cinema, nos atamos mais às imagens que aos diálogos. Se vemos um mesmo ator fazer duas pessoas, não nos importamos que existam dois nomes. Vamos acreditar no que vemos e ignorar o que ouvimos. Olha, não é que eu entenda tudo que acontece nos filmes (até hoje me lembro da humilhação que foi ouvir meus alunos adolescentes me explicarem o final de A Bruxa de Blair), mas se eu tenho que ler o roteiro pra compreender o que acontece em Sangue, e vejo que quase ninguém entende nada, porque o Paul Thomas usou o mesmo ator, o problema tá com o filme, não comigo.

E pra terminar, um spoiler de verdade: gosto da ambiguidade das palavras finais, “I'm finished”, que tanto podem querer dizer “Acabei” quanto “Estou acabada”. De todo modo, faço minhas as palavras dele: “I'm finished”.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

CRÍTICA: SANGUE NEGRO / Desta vez o petróleo não é o vilão da história

Embora Paul Thomas Anderson seja um grande diretor, ele ainda não fez um grande filme. Jogada de Risco tem estilo e é uma estréia de respeito. Boogie Nights – Prazer Sem Limites é excelente nos seus dois primeiros terços, depois cai demais. Magnólia é intrigante, não uma obra-prima, como acreditam alguns. Embriagado de Amor? Dá um tempo. Ninguém o mencionaria se não levasse a assinatura do Paul. E agora Sangue Negro, indicado a oito Oscars, um dos melhores de 2007, e ainda assim, não um grande filme. Não sei se peca pelo final exagerado, que dá piruetas e cambalhotas, ou se pela confusão que provoca. Depois da sessão, fui ao banheiro. Duas senhoras comentavam entre elas: “O que foi aquilo? Você entendeu alguma coisa?”. Pra ser sincera, também não compreendi direito. Melhorou após eu ler o roteiro que, aliás, tá tão cheio de revisões, cenas omitidas e acrescentadas, que demonstra que o Paul sabia o que queria até a metade, e não sabia como terminar seu épico.

Daniel Day Lewis faz um monstro ambicioso que, no início do século passado, vive pra descobrir petróleo. E Paul Dano (o irmão meio mudo de Pequena Miss Sunshine) interpreta um pastor que vira seu principal inimigo. Mas, mesmo que o personagem do Daniel seja detestável, não dá pra se identificar com o pastor. Um é um psicopata ganancioso, outro um fanático religioso (no roteiro ele acredita claramente ser a terceira revelação). Suponho que, no final das contas, o pastor talvez ainda ajude mais pessoas que o capitalista selvagem. Mas duvido que qualquer um deles vá pro céu. É possível ver o filme como uma lição de moral - aquele velho tema de que dinheiro não traz felicidade. Mas o personagem do Daniel não tem como ser feliz nunca, pobre ou rico, por desprezar tanto toda a humanidade. E por representar o que há de pior na competividade americana. Não é só querer enriquecer, é querer sempre ser melhor que o outro, deixar o outro no chinelo, humilhá-lo. Mais pra frente o maridão perguntou: “Como que ele desfruta da sua riqueza?”. E eu só consegui responder: “Bom, ele tem um dálmata”.

Sangue nunca é chato, pelo contrário, envolve, nos deixa tensos. Mas o terço final é estranho. Não tinha diálogo melhor que “Eu tomo o seu milkshake!”? Inclusive, havia milkshake naquela época? E todavia, a frase já tá tão famosa quanto “Eu sou Esparta!”. Entrou pra galeria dos falas clássicas. E ela é tão fanfarrona quanto a trilha sonora. Não a música do Jonny Greenwood (do Radiohead) em si, que só se torna realmente grandiosa – como a interpretação do Daniel – após a metade do filme (o maridão, que não entendeu bulhufas, pelo menos teve o insight de observar que a música só chega com orquestra e tudo depois que um dos personangens sofre um terrível acidente que o deixa surdo). Por bastante tempo são acordes sinistros, como os de Iluminado e 2001. Adorei a parte da música que imita um poço sendo perfurado, mas prefiro as batidas da máquina de escrever na trilha de Desejo e Reparação. Então, o que me incomoda da trilha de Sangue é que ela seja tão persistente. Não descansa nunca. É excessiva, como se pode dizer das atuações.

O Daniel está um tanto quanto exagerado, cheio de tiques e maneirismos. Quer dizer, eu adoro o astro de Meu Pé Esquerdo, mas ele é quase sempre assim, né? Gosto que, em Sangue, um de seus olhos tenha mais vida que o outro. Só que, pra mim, a melhor interpretação do ano foi a do Viggo Mortensen em Senhores do Crime, e não só porque podemos vê-lo nu por todos os ângulos. Torço por ele, apesar do Daniel ser o favorito. O Paul está bem, um pouco histriônico também, às vezes, mas convence. Menos quando ele precisa envelhecer duas décadas, porque ele parece sempre ter os mesmos 16 aninhos.

Agora, não sei se foi intencional, acredito que não, porque Sangue é intenso demais pra ter tanto humor, mas a cena do exorcismo e eventual batismo do Daniel fez com que o cinema lotado morresse de rir. Não vi uma gargalhada dessas em nenhuma parte de Juno, nem de longe. E há uma cena muito malfeita, em que alguém atira na cabeça de outra pessoa e a bala passa tão longe que eu tinha certeza que o cara atira do lado de propósito. Não, a vítima morre! Tudo bem, são detalhes. O problema tá mais pra frente, no fim. Falarei disso num próximo post.