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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

NOSSA DOUTRINAÇÃO MARXISTA DE TODO DIA

No Dia da Independência eu sempre me lembro de uma aula que observei durante meu estágio de Pedagogia (eu só não me lembrava que já a havia contado aqui). Isso foi em 2001 ou 02. Era uma terceira série num turno intermediário (horário de almoço), porque Joinville, a maior cidade de SC, no Sul Maravilha, não tinha escolas para todos os alunos (e isso que Joinville só teve governos de direita, desde sua fundação, em 1851, até 2008). A professora era daquelas pouco interessadas em ensinar, ou sequer em dialogar com as crianças. Eram aulas muito tristes e silenciosas, em que ela passava a matéria no quadro, e os alunos copiavam.
Mas de vez em quando ela explicava alguma lição. Por exemplo, na semana que antecedeu o 7 de Setembro, ela decidiu lecionar um pouco de História: “Os portugueses chegaram aqui e não tinha ninguém, então eles ficaram com o Brasil. Não é que eles tiraram de alguém. Eles acharam. Sabe como quando a gente acha alguma coisa perdida na rua e fica com ela? Foi assim”.
Um aluninho levantou a mão e perguntou: “Mas professora, e os índios?”. Ela não gostou e o mandou ficar quieto. Em seguida ela lamentou a proclamação da independência, porque bom mesmo era ser colônia de europeus. Eu quase entrei em estado de choque.
Essa senhora era outra que podia fazer revisionismos históricos e escrever guias politicamente incorretos do Brasil e da América Latina pros leitores da Veja. Sabe, pra salvar nossas crianças indefesas das garras dos professores comunas. Ia fazer o maior sucesso.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

ENTRE A INDEPENDÊNCIA E A MORTE

Um pouco depois de Portugal achar o Brasil no meio da rua.

Ontem foi sete de setembro, só percebi agora. Semana passada, minha mãe foi desfilar numa parada junto às escolas. Ela faz parte de um grupo da melhor idade e de reeducação alimentar. Chegou lá no lugar da parada e se deparou com uma faixa enorme dizendo "Nós Amamos Darci de Matos". Esse é o candidato a prefeito de Joinville pelo DEM(O). Minha mãe se recusou a participar. O grupo não entendeu o porquê - afinal, foi ele quem deu a faixa, tão altruisticamente... Isso me lembra a explicação mais singela que já ouvi sobre a independência do Brasil. Foi no meu estágio de Pedagogia (assunto tabu!). Antes da gente pôr a mão na massa, tinha que observar algumas aulas. E a professora que peguei na terceira série era uma déspota. Sua aula consistia em escrever montes de frases no quadro e mandar os aluninhos copiarem, sem dar um pio. Apenas muito raramente ela explicava alguma coisa. A semana antes de 7 de Setembro foi uma dessas ocasiões privilegiadas. Logo, ela contou a história pros alunos: "Era uma vez quando Portugal descobriu o Brasil. Sabem, o Brasil não tinha dono, não tinha ninguém, então Portugal ficou com ele. Sabem quando vocês encontram alguma coisa na rua? Não tem dono, então vocês ficam com ela, né? Com Portugal foi igual. E aí os reis de Portugal ficaram aqui por muito tempo. Mas o Brasil era como um filho rebelde, sabem? Que nem esses adolescentes rebeldes que brigam com os pais. E um dia o Brasil se rebelou contra Portugal, e virou independente. Esse dia foi 7 de setembro. Entenderam?" Eu estava incrédula com a aula de História. Sério, acho que eu tava boquiaberta. Mas como estagiária é o último elo da cadeia alimentar, o cocô do cavalo de Dom Pedro, não falei nada. Um aluno corajoso ainda levantou a mão e perguntou: "Mas, professora, e os índios? Ouvi falar que tinha índio aqui antes de Portugal chegar". A mestra respondeu: "Fica quieto! Isso não tem nada a ver com a independência do Brasil!". E pôs matéria no quadro pra classe copiar.
Deve ser por isso que crescemos patriotas e conhecedores da importância vital desta data. Enquanto isso, a Veja esbraveja contra a ideologia de esquerda que esses professores comunas ensinam nas escolas.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

DA VEZ QUE ESCAPEI DE UM LINCHAMENTO – PARTE 3 - FINAL

(Pra não boiar, leia os dois posts anteriores antes, aqui e aqui).

A crônica “Receita de Biscoito” foi o meu jeito de tentar encerrar o escândalo por eu ter escrito sobre o estágio. Acho que não deu muito certo, porque no dia em que ela foi publicada eu estava na minha classe, durante o intervalo, lendo um livro calmamente, quando ouvi muito barulho vindo do lado de fora. Vozes, gritos, vaias. Uma colega entrou na sala, olhou pra mim e disse, em pânico: “Não se preocupe que não vamos deixar eles entrar!”. Outra, uma gordinha, chegou despenteada e assustada: “Ahhh! Eles pensaram que eu era você e tentaram me pegar!”. Àquela altura vi que não daria pra ignorar os acontecimentos, e quis saber “Ahn, eles quem?”. “Eles” era a turma inteira do semestre anterior de Pedagogia reunida no corredor do lado de fora da minha sala, organizando um linchamento, gritando palavras de ordem como “Lola, Xô, Fora!”, e me xingando. Professoras e seguranças tiveram de dissipar a turba enraivecida, e eu, claro, fui chamada novamente à diretoria.


Coordenadora do curso: “Tá vendo o que você fez? Mais um texto seu e a gente vai ter que te expulsar mesmo!”.
Eu: “O que eu fiz? Um grupo de futuras professoras se organiza pra linchar alguém por causa de um texto de jornal e você tá preocupada comigo? O pior é que essa turma me conhece. Eu dei uma palestra de história política pra elas”.
Ela: “Pois é, o desapontamento delas deve ser maior ainda”.


Naquele dia uma colega amiga me acompanhou até o carro. E eu decidi, mais tarde, tirar meu adesivo do Lula do carro, pra evitar que ele fosse identificado e, quem sabe, vandalizado. Depois a coisa morreu, felizmente, e eu pude terminar meu curso sem grandes problemas. Se bem que tive de refazer em outra escola todo meu estágio da primeira série porque a professora retratada na crônica (a que me pediu pra descascar um abacaxi – é só isso que eu falo dela!) se recusou a assinar meus documentos de estágio. Ela disse, seriamente, que quase teve de ser internada por uma crise de nervos após a publicação do texto, mas que graças a Deus ganhou a solidariedade de todas as suas colegas, então conseguiu superar este trauma terrível na sua vida. Note que na crônica “Estágio Sabor Abacaxi” não há qualquer menção ao seu nome ou à escola. Mas certamente ela deve ter sido a única professora primária na história da humanidade a fazer uma salada de frutas com seus aluninhos, e por isso a identificação foi tão fácil.
Menos de um ano depois de todo esse escândalo, fui fazer o Provão de Pedagogia e reencontrei minhas ex-colegas da Univille. Todas me cumprimentaram como se fossemos grandes amigas. Ao mesmo tempo, a versão que corria era que eu havia sido expulsa da Univille. Não é que eu me transferi pra outra faculdade pra economizar tempo e dinheiro, sabe? Eu fui expulsa! E até compreendo que as turmas quisessem clarificar publicamente, através de cartas de jornal, que eu não representava o grupo. Mas não gostei de ter sido descrita nas cartas das duas turmas como “esse tipo de aluna”. “Esse tipo de aluna” não queria seguir carreira em Pedagogia, mas não atrapalhava ninguém e até ia bem no curso. Me senti levemente vingada quando “esse tipo de aluna” tirou a maior nota de Joinville no Provão de Pedagogia. Ironias do destino.
Mas juro que não guardo rancor de ninguém. Sempre que me encontro com ex-colegas de qualquer uma das faculdades, o papo de “Tudo bem? Há quanto tempo! Como vai?” é sincero. Porque imagino que praticamente todas as colegas, individualmente, teriam vergonha daquela reação exagerada a um texto de jornal. O problema é a histeria coletiva. Quando um grupo todo se junta, sai de baixo. Seria ótimo se esse poder de mobilização fosse usado pro bem, não seria?

quarta-feira, 21 de maio de 2008

DA VEZ QUE ESCAPEI DE UM LINCHAMENTO – PARTE 2

(Leia a primeira parte antes, ou não vai entender nadinha).

Cheguei à faculdade na sexta de manhã, um pouco atrasada, e encontrei todas as minhas colegas em pé, num círculo, em grande alvoroço. E assim que entrei, todas olharam pra mim e se calaram. Eu pensei: “Ish... Aí tem!”. Mas não conseguia imaginar o que poderia ser. Acontece que naquele dia o jornal tinha publicado uma carta revoltada da turma de Pedagogia da Univille. Lembro pouco do teor da carta, só que ela levava a minha crônica muito, muito a sério. Implicava com dois termos, “pestinhas” e “cultura inútil”. Dizia que eu não tinha nada a ver com o curso. Que elas sim eram estudantes sérias. E aproveitava pra cutucar a ACE. Que eu saiba, existiam apenas duas faculdades de Pedagogia em Joinville na ocasião. Ambas pagas. Eu comecei na Univille, cursei um ano lá (na realidade, apenas três disciplinas, porque consegui ser dispensada das outras – quem disse que o curso de Propaganda de doze anos atrás não havia servido pra nada?), e notei que, se eu me transferisse pra ACE, conseguiria me formar um semestre antes. Fiz os cálculos e dava uma economia de 4 mil reais. Então me transferi, sem dor na consciência. O nível dos dois cursos era muito parecido, e lamento dizer, não muito bom. Mas lá estava uma carta da turma inteira da Univille (elas não se mobilizavam tanto pra pedir paz na Terra) protestando contra uma inocente crônica minha. E era essa carta que minhas colegas da ACE estavam lendo na sexta, quando cheguei atrasada.

A professora mandou ler a carta em voz alta, e a aluna que tinha o jornal a leu. Leu a crônica também, e confesso que não é legal ver um texto que você escreveu ironicamente, com humor, ser lido com voz de enterro. A professora manifestou seu desapontamento com a crônica. Disse que jamais poderia esperar uma coisa assim vinda de mim, e admitiu, com voz embaçada, que quando leu o texto, no dia anterior, até chorou. Eu pensei: devo estar sendo castigada por todos os meus pecados. Fui chamada à diretoria da faculdade, enquanto minhas colegas redigiam uma carta pro jornal protestando, elas também, contra a minha crônica.

Lá na diretoria, quiseram me intimidar. Disseram que a crônica fazia muito mal à imagem do curso. Expliquei que em nenhum momento eu me pus como porta-voz do curso, e que estava falando apenas em meu nome, o que tava bem claro no texto. Disseram que da próxima vez me expulsariam da faculdade. Perguntei se eles já tinham ouvido falar em liberdade de expressão. Disseram que eu estava terminantemente proibida de publicar qualquer palavra relacionada ao meu estágio. Perguntei se eles estavam me censurando assim, na cara dura. Disseram que sim.

Fiquei bem revoltada. Escrevi e mandei pro jornal duas crônicas relatando o bafão. A primeira foi esta (repare que deve ter sido pouco depois dos atentados de 11 de Setembro):


MEREÇO A PENA DE MORTE

Olá, esta é a pária da sociedade falando. Uma crônica que escrevi sobre o meu estágio causou grande comoção. Ainda não entendi o porquê, já que trata-se de um textículo pessoal, inocente e leve. Opa, “textículo” pode?! Agora me acusarão também de usar linguagem chula. Parece que eu fui a primeira criatura na história da humanidade a: 1) referir-se às crianças como “pestinhas” (um termo que pode até ser visto como carinhoso); 2) cursar uma faculdade sem o objetivo de seguir a profissão; e 3) dar graças aos céus que o curso esteja perto do fim. É óbvio e irrefutável que jamais qualquer estudante, de qualquer cadeira, tenha iniciado uma contagem regressiva para receber seu diploma.

Por causa destas observações inéditas, quase fui linchada em praça pública. Seguiram-se cartas de protesto e reuniões intermináveis, e, apesar de eu não haver presenciado crises de choro, imagino que elas tenham ocorrido. Por pouco não queimaram meu artigo e me jogaram junto na fogueira. Me senti numa inquisição de dar inveja a Torquemada. Podem me chamar de Lola, a Bin Laden de Joinville.

Talvez não devesse publicar isso, pois trata-se de outra revelação surpreendente, mas há pessoas que não são muito afeitas à leitura. Como não lêem, têm dificuldades em compreender ironias. Levam um texto sarcástico ao pé da letra. Tudo na vida é sisudez pra quem interpreta humor de forma literal.

E, oh, Santo Ofício, o que eu quis dizer com “cultura inútil”? Pra ilustrar, vou citar uma piada contada por gente mais competente que eu. Lembram do TV Pirata? Havia um esquete fantástico, do qual nunca me esqueço. Uma família calmamente assiste à TV, na sala. De repente, um grupo de terroristas invade a casa, aponta uma metralhadora pro pai e pergunta: “Rápido! Quais são os afluentes da margem esquerda do Rio Amazonas?” O pai responde corretamente, os terroristas vão embora, e ele suspira: “Ufa! Sabia que um dia isso ainda ia ser útil!” É, sou mesmo uma herege por rir destas blasfêmias.


Só que a editora do jornal se confundiu e publicou a segunda (e última) crônica antes. Esta aqui:


RECEITA DE BISCOITO

Sabe o que os jornais faziam na ditadura militar, quando seus artigos eram censurados? Publicavam longas receitas culinárias ou poemas de Camões, e os leitores logo reparavam que algo estava errado. Nestes tempos bicudos de hoje que, infelizmente, não são tão democráticos quanto parecem, lá vou eu dar uma receita. Outras crônicas deveriam estar neste espaço, mas não estão, e não por causa d’A Notícia, que está sendo uma mãe pra mim. Você entende.

Não sou nenhuma maravilha na cozinha. Na realidade, nunca tinha feito nada antes de vir pra Joinville. Só uma vez, na escola (uó, uó, patrulhamento em alerta!), quando tinha 14 anos (ufa, respire aliviado!), tentei preparar uma torta de café. Ninguém me avisou que o café da receita era em pó, não líquido. Só uma corajosa menina aceitou provar um pedaço, e ela passou o resto do dia na enfermaria. Meus outros colegas usaram minha torta para fins mais nobres, como jogar futebol com ela. Ela era borrachuda e pulava uma beleza. É tudo verdade, como diria o Orson Welles.

Após uma experiência traumática dessas, o correto seria nunca mais chegar perto de um fogão. Mas eu sou teimosa, e descobri como se fazem deliciosos biscoitos com pedacinhos de chocolate. Certo, talvez não seja uma das grandes invenções do século, é provável que nem invenção seja, mas é fácil. Qualquer um pode fazer. Até eu. Pegue ½ xícara de margarina, ½ xícara de açúcar, ¼ de xícara de açúcar mascavo, um ovo, um tiquinho de baunilha, de fermento e de sal, e misture tudo. Acrescente 1 xícara de farinha de trigo e 100 gramas de chocolate amargo picado. Se quiser, ponha nozes. Sempre jogo um gostinho de licor pra dar aquele tchan a mais. É interessante, neste estágio (oh Deus! Palavra proibida!), provar a massa. Acredite: o negócio é muito bom cru. Depois de provar, geralmente sobra uma coisinha de nada pra levar ao forno. Com sorte, isto se transformará no biscoito sobrevivente. Coma-o logo, antes que surjam visitas inesperadas. Serve uma pessoa.


Tá, essa crônica não tinha nada de inocente, eu sei, mas seriamente, era tão escandalosa? Deu o maior chabu. O último capítulo vem aí.
Último capítulo aqui.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

DA VEZ QUE ESCAPEI DE UM LINCHAMENTO – PARTE 1

Como recordar é viver, vou contar uma história real sobre o maior barraco que um texto meu já gerou. Aconteceu há uns seis ou sete anos. Na época o jornal, além de publicar minhas críticas de cinema, ainda dava espaço pra crônicas levinhas, onde eu podia falar do que quisesse. Não foi um tempo fácil não. Eu escrevia pro jornal, trabalhava como coordenadora acadêmica e professora numa escola de inglês das 2 da tarde às 10 da noite, e cursava Pedagogia na ACE (Assoc. Catarinense de Ensino) das 7 e pouco da matina ao meio dia. Parte de um estágio eu tive de fazer no horário do almoço, porque era o único tempo que sobrava. Eu não gostava muito do curso e tava lá só pelo diploma. É que eu queria seguir adiante com um mestrado pra finalmente poder est
udar assuntos prazerosos, mas pra isso era preciso concluir um curso superior, o que eu não fiz quando deveria, na minha adolescência (tinha cursado dois anos de Propaganda). Jovens que me lêem, não façam o que eu fiz. Terminem a faculdade, mesmo que ela pareça ser uma perda de tempo. Estudar na adolescência, de preferência morando com os pais, sem precisar se auto-sustentar, é muito mais fácil do que quando se é adulto.
Enfim, embora eu não gostasse muito de Pedagogia, era boa aluna. E o estágio foi uma experiência interessante. Tínhamos que observar e lecionar não sei quantas horas de aula em cada série, da primeira à quarta. Eu tinha certeza absoluta que aquele seria o único momento na vida em que daria aula pra criança. Não era o que eu queria, nem quero. E então publiquei uma crônica a respeito. Pode ler, não dói.

ESTÁGIO SABOR ABACAXI
Estou no último ano de Pedagogia e agradeço aos céus por isso, mas há desvantagens. A maior delas é que chegou a hora do temido estágio. Temido porque tenho que ficar numa sala com trinta pestinhas. Aula eu já dou, de inglês, e lecionar adultos ou adolescentes parece um paraíso em comparação. Aliás, pra evitar uma corrida em massa às escolas de Joinville, com centenas de pais desmatriculando seus filhos, quero me comprometer publicamente que não vou dar aulas no futuro. Só no estágio, e porque preciso. E no estágio tem supervisão; dificilmente os aluninhos serão contaminados por alguma idéia subversiva. Não se preocupem.
Um dia, ainda na observação, a professora decidiu fazer uma salada de frutas com a classe. Adivinha quem ficou com a incumbência de descascar o abacaxi? A estagiária, é claro. Eu. Não queria confessar que jamais havia chegado perto de um abacaxi inteiro antes. As crianças sentiram o drama e fizeram uma roda em volta para ver como é que se cortava um. Ou melhor, como é que não se cortava. Sou um perigo com facas.
Agora estou estagiando na terceira série. Um aluno quis insistir comigo que uma das nações mais populosas do mundo era... o Chile. Nada adiantou eu dizer que o Chile é minúsculo. As crianças me impressionam por duas coisas: uma, como elas não têm noção de quantidade. A outra é como, tendo que decidir entre duas opções, elas sempre escolhem a errada. Já havia pedido pra elas chutarem a população do Brasil, e as apostas variavam entre mil e um milhão. E o menininho com a convicção que o Chile, sim, que era enorme. Tive que contar-lhes que, em número de habitantes, campeã era a China, depois a Índia, depois os EUA, depois a Indonésia, depois a pátria amada idolatrada salve salve. Eles quiseram saber quantas pessoas havia em cada país. Sem problemas; sou muito boa em cultura inútil. Falei que havia uns 270 milhões lá nos States, e um aluno replicou: “Agora tem menos. Depois dos atentados...” Pois é, já estou chamando Herodes de titio.

Ok, pode não ser a crônica mais inspirada do século 21, mas eu jamais poderia imaginar a repercussão que teve. O texto foi publicado no jornal num dia da semana, quarta, eu acho. Minha editora comentou algo comigo, por email, que havia uma cartinha de protesto contra a crônica. Até aí, normal. O jornal volta e meia abria espaço pra “direito de res
posta” de quem se sentia injuriado (tipo, quando pichei Shrek, um carinha do sindicato dos jornalistas pediu minha caveira). Mas com uma crônica dessas levinhas ainda não tinha acontecido. Reli a crônica. Até hoje, sinceramente, não consigo entender a comoção. Mas eu quase fui linchada. Não perca o capítulo 2 e a parte 3, o final.