Ontem o Fantástico fez uma reportagem triste e revoltante sobre uma realidade muito atual: a de meninas que crescem escravizadas como empregadas domésticas em casas de família.
Foi o que aconteceu com Madalena Gordiano, hoje com 46 anos. Quando ela tinha 8, foi pedir um pão na porta de uma casa em Patos de Minas (MG). A dona da casa, a professora Maria das Graças Milagres Rigueira, respondeu: "Não vou te dar não. Você vai morar comigo". Maria falou com a mãe de Madalena, que tinha outros oito filhos, e que concordou que a menina fosse adotada.
A adoção nunca foi formalizada. Em vez disso, Madalena foi tirada da terceira série da escola e passou a ser empregada na casa, sem salário, sem registro, sem qualquer direito trabalhista, como folga e férias. Viveu 38 anos de sua vida assim, em situação análoga à escravidão.
Quando o marido de Maria começou a brigar com Madalena, a professora decidiu passá-la --como se fosse um objeto, um animal, uma posse -- para o filho, Dalton Cesar Milagres Rigueira, professor universitário. Lá ela continuou sendo escrava. A família a casou com um tio, um militar que morreu logo depois, para poder ficar com duas pensões de 4 mil reais cada. Dalton ia ao banco com Madalena para que ela retirasse o dinheiro, e lhe dava R$ 200 ou 300.
A situação só mudou quando Madalena passou a deixar bilhetes para vizinhos pedindo dinheiro emprestado para comprar, por exemplo, sabonete. Desconfiados, algum deles chamou a polícia. Madalena foi resgatada no final de novembro. Que todas as Madalenas sejam libertas!
A história toda causa enorme indignação, apesar de não ser incomum. Quanto mais pobre um país, mais crianças serão exploradas, escravizadas. Esse tipo de escravidão era bastante frequente até 20, 40 anos atrás. Temo que a volta estrondosa da miséria no Brasil (segmentada com o golpe de 2016) faça novas vítimas.
Talvez o que tenha me chocado mais na história foi Dalton, um professor universitário, dizer que não motivava Madalena a retornar à escola porque ele não "acredita que ela se beneficiaria de receber educação".
Dalton tem graduação em zootecnia, é mestre e doutor, e dá aula na faculdade particular e filantrópica Centro Universitário de Patos de Minas. O @castilhoalceu escreveu e compartilhou este texto num grupo de Whatss, que reproduzo aqui:
Estava lendo sobre Dalton, o professor de Zootecnia que manteve durante décadas Madalena Gordiano (em um quarto pequeno em Patos de Minas) como trabalhadora doméstica, em condições análogas à escravidão. Ela foi libertada no fim de novembro.
O Fantástico contou essa história na noite de ontem. Mostrou Madalena finalmente andando em um parque. Falando do dinheiro (dela) que agora ela poderá administrar. Pois antes o professor — segundo o Ministério Público do Trabalho — o confiscava.
Bem. Dalton Cesar Milagres Rigueira, professor universitário em Patos de Minas, formou-se em Viçosa (MG). Não é de família rica, pelo que pude apurar. Pai e mãe (que adotou ilegalmente Madalena quando ela tinha 8 anos) são sócios numa auto elétrica.
O que mais me chamou a atenção foram as dedicatórias em sua tese de doutorado, defendida em 2014 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Os agradecimentos começam com as seguintes palavras: "A Deus, por me guiar nesta caminhada". (Mais à frente ele insere uma epígrafe atribuída a Chico Xavier: "O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum... é amar mais ou menos".)
Depois ele agradece à UFMG. À empresa do agronegócio que permitiu a realização do experimento — algo sobre plano de nutrição para leitões desmamados.
Em seguida ele agradece ao seu orientador e a outro professor. Ato contínuo, à esposa Valdirene — igualmente investigada, como ele, por diversos crimes relacionados à exploração de Madalena.

As filhas, os pais e irmãos também são lembrados. Muito justo.
Como era de se esperar, Madalena, definida pela defesa do professor como "praticamente alguém da família", não aparece entre os homenageados. É ela a grande ausente.
Dalton agradece ainda a uma mulher que o hospedou em Belo Horizonte. A dois professores "pelas caronas". A todos os funcionários da granja que o ajudou na pesquisa. Menciona dois amigos.
Por fim, encerra os agradecimentos com as seguintes palavras:
"Aos suínos, meu eterno respeito".