O psicanalista, fotógrafo e roteirista Manoel Leite escreveu uma crônica no seu instagram e a ofereceu a mim. Agradeço muito, e a reproduzo aqui.
De todas as competências que aprendi com as mulheres, a que eu sou mais grato é a capacidade de ler. Foi numa escola ― lembro com orgulho que era pública ― e nela todas as professoras eram mulheres, e isso não me é irrelevante, portanto, ler foi um dom que recebi de mulheres. Carregado de sensibilidade, era mais que uma técnica, era uma arte.
Ler era emoção, que depois de ser depositada na mente, decantava, virava semente de saber. Daí que as minhas leituras, quanto mais precoces, mais foram uma experiência emocional do que intelectual.
Essa maneira de ler não me ajudou a guardar com clareza as histórias, mas marcava-me profundamente com uma espécie de espírito, de caldo de emoções, de sensações vinculadas. A simples lembrança de certas passagens lidas me retorna cheiros e palpitações, misturas de afetos entre o que eu experimentava por estar lendo aquelas linhas e o que eu sentia na época, os meus medos, apreensões, desejos e amores.
Lembro de um romance curto de André Gide, do qual pouco me recordo da trama, onde uma cena em especial me tocou, a de um encontro que não se deu por causa de uma hesitação. Os amantes, ou aqueles que poderiam sê-los, estavam separados por uma porta e, sem saberem da presença do outro, ameaçavam entrar (ou sair), cada amante pensando no amado, mas hesitam, o encontro não acontece. A sensação que um pequeno ato ― talvez nem isso, um gemido, um ruído que denunciasse a um a presença do outro ― seria suficiente para uma história completamente diferente. O efeito de um gesto, nessa cena, me marcou por muito tempo. Um mundo se rotaciona, se inverte, gira em apenas um instante, revelando a realidade do tempo em seu caráter de ruptura dramática.
Quando, bem mais tarde, em busca de conhecimento, encontrei o conceito de “instante” na obra de Gaston Bachelard, a flor do saber só desabrochou na minha mente por causa da semente, esse instante que senti a força e as consequências de um momento, nas páginas de um romance, lido no percurso de uma adolescência.
Porque lido com o coração, a memorizar emoções, sensações, a única realidade que escreve na alma. Gratidão, mestras!
Um comentário:
Que crônica linda e poética. Gratidão Lola por postá-la aqui e parabéns ao autor. Mergulhar na leitura e assim desenvolver empatia é fundamental.
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