Publico esta ótima thread que a defensora pública Graziela Caponi fez no seu Twitter no final do ano.
Logo que passei no exame de ordem, minhas primeiras petições como advogada foram pedidos de extinção de punibilidade em processos do meu pai, juntando o atestado de óbito dele.
No último, ele tinha tentado matar minha mãe empurrando-a de um carro em movimento. O cinto a salvou.
Sim, também figurei como vítima num dos processos.
Há quem saiba e não entenda como, tendo crescido em meio à violência doméstica, ou saído de relacionamento abusivo, eu hoje atue na defesa técnica de supostos agressores. A experiência de vida ajuda a assimilar uns pontos.
1. Esse discurso sobre a "certeza da impunidade" é ilógico. O agressor, em regra, age de cara limpa, deixa marcas. Há testemunhas... Ele não liga pra pena. Converso com vários: eles sabem que serão punidos. A criminalização da conduta não é um fator desestimulador.
2. O que ele sente e verbaliza é a "aprovação social" pro seu comportamento. Faz sentido: a publicidade objetifica a mulher. Os brothers compartilham piadas machistas. A música trata mulher alcoolizada como propriedade. O presidente discursa... Ele está integrado numa estrutura.
3. Os oportunistas de ocasião pedem penas mais rigorosas. Alguns vão se eleger com isso. É uma posição simpática, cômoda e popular. Que não exige ações concretas. Mas o agressor vai deixar de ser agressor do dia pra noite, com base no recrudescimento da lei? Óbvio que não.
4. Muitas vezes, quando vou ao presídio atender um preso acusado de matar, agredir ou estuprar uma mulher, os agentes penitenciários se preocupam, perguntam se eu os quero na sala acompanhando minha entrevista reservada e particular. Se tenho medo. Não tenho. Atendo sozinha.
5. Na minha posição, nunca recebi nenhum tipo de violência. Mas preconceito sim: a inferioridade da mulher é algo tão arraigado, tão internalizado, tão cultural, tão natural, que muitos deles acreditam que uma mulher será incapaz de prover sua defesa técnica adequada.
6. Eu converso com muitos. Eles provém de várias classes sociais, níveis de instrução... Ponto em comum? O machismo. Seja sutil, seja escancarado -- meus assistidos da vara de violência doméstica são reproduções caricatas dos mesmos discursos e piadas do meu pai, modernizados.
7. Escrevi recentemente aqui sobre a sociedade "tradicional" preferir me ver infeliz, presa a um relacionamento abusivo, que "solteirona". Há uma série de microviolências diárias que mulheres sofrem e que sequer cargos de poder (juíza, deputada...) inibem. É uma bola de neve.
8. Várias iniciativas educativas de varas de violência doméstica, ou núcleos especializados das Defensorias e MP, têm trazido resultados positivos. Provendo palestras, trabalhos comunitários... combatendo na raiz a masculinidade tóxica. Desconstruindo. Geram resultados.
9. Mesmo enquanto vítima, não queria meu pai preso. Aquilo parecia traumático. Talvez já fosse uma criança abolicionista, sei lá. Queria que ele entendesse que era mau e errado. Queria que outras pessoas não sofressem aquilo... A cadeia nunca reparou as coisas que ele destruiu.
10. Atribuem a Pitágoras a frase "eduquem as crianças e não será preciso punir os homens". Não educar verdadeiramente sobre gênero, objetificação, feminismo, ações afirmativas etc é um erro bárbaro. Talvez, no futuro, a gente ainda puna... Mas que seja cada vez menos necessário.
8 comentários:
Um dos fatores de mudança paradigmática é letrar criticamente os estudantes das instituições de ensino púbplicas. Nem sempre escolarização e letranento crítico andam juntos. Muitos feminicidas um dia estiveram sentados em carteiras escolares, assim como muitos antigos criadores de comerciais de carro e ou de moto nos quais a imagem da mulher cis/trans ao invés de ser vista como a motorista é reduzida como adorno ou um prêmio. Seria estranho ver dançarinos homens nos auditórios de tv? Por que razão? E por que razão a ampla maioria de motoristas de aplicativo, ônibus e lotação são homens cis? Por que razão a ampla maioria númerica de torcedores nos estádios de futebol são de homens cis? E por aí vai. Nenhum ser humano nasce naturalmente violento. Infelizmente por falta de acesso a letramento crítico muitos sujeitos compram discursos misóginos, sexistas e machistas. Mas a negação de uma educação pública com qualidade pelo Estado não é mera coincidência. É preciso ter uma massa alienada politicamente pra que a forma do nosso sistema econômico mantenha-se hierarquicamente estrutural, além de outras infinitas consequências negativas como o alto índice do número de feminicídios, de suicídios, violências diversas todas essas e diversas outras que geram mais despesas nos setores da saúde, penitenciários, vários outros setores. Em pensar que tudo isso poderia melhorar se olhássemos pra raíz do problema: escolarizacão e letramento crítico andando lado a lado, mudar a forma do sistema econômico, reformas agrárias, fiscal, educacional. Independentemente da lentidão da mudança paradigmática, a mesma leva em conta diversos fatores: um dia há de mudar.
Uma das coisas mais frustrantes no sistema de justiça é que um desembargador ou um ministro corruptos pode por a perder toda uma corrente de trabalho realizada por pessoas honestas. O delegado pode ser porreta. Comprometido e dedicado. O mesmo com o promotor ou promotora. Com o juiz ou juíza. Com o pessoal de apoio... Mas tudo pode ruir num tribunal de justiça ou num tribunal superior. Por causa da natureza coletiva dos processos judiciais, acho frustrante esse tipo de trabalho. Me sinto mais realizado fazendo algo que dependa apenas do meu esforço. Não gosto de trabalho de muitas mãos, pois só posso ter certeza de mim. Trabalho nessa área, mas com pouquíssimo entusiasmo. Preciso pagar minhas contas e não vejo como mudar completamente de área. O que posso fazer por mim é estudar o que realmente gosto, pra o refrigério do prazer tornar possível pra mim o que encaro como obrigação.
"A criminalização da conduta não é um fator desestimulador" - Concordo. Porém tirar indivíduos violentos de circulação pode (e vai) salver muitas vidas!
"Mas o agressor vai deixar de ser agressor do dia pra noite, com base no recrudescimento da lei? Óbvio que não." - Também acho que não. Mas qual seria essa solução mágica até ele atingir o nirvana e entender que queimar a esposa com o ferro de passar roupa ou estuprar a colega bêbada de faculdade é errado? Dar uma bronca e mandar escrever numa folha 100x "Bater em mulher é muito feio"!?
(...)O que ele sente e verbaliza é a "aprovação social" - e jamais, sobre hipótese nenhuma punir não é justamente fazer isso? Dar o aval social e legal para agredir mulheres?
(...)Ponto em comum? O machismo. (...) - Não importa o tamanho da conta bancário ou o número de diplomas. Sempre, de todos os lados e crenças religiosas e (principalmente) política, a violência contra a mulher (quase) sempre é justificável.
Várias iniciativas educativas (...) Geram resultados. - Educação liberta!! E deveria começar no berço. Se em casa não aprende nem "por favor, com licença, obrigado", jamais ouviu um não ou aprendeu consequência, não esperem que a escola ou que a cadeia vão alcançar alguma coisa em larga escala para fazer alguma diferença. Não adianta só culpar o governo ou o Bolsonaro (por que segundo o feminismo brasileiro, parece que a o machismo no Brasil só começou com o mandato dele. No governo do Lula/Dilma nunca houve sequer um único feminicídio ou estupro, as mulheres dividiam as tarefas domésticas com os parceiros, exerciam plenamente seus direitos reprodutivos, ganhavam o mesmo na mesma função e podiam andar na rua sem serem importunadas). A única diferença é que tendo uma ameba na presidência as outras amebas acham que é ok fazer amebísse.
(...)A cadeia nunca reparou as coisas que ele destruiu. - Não. Não repara e nem vai. Mas mais uma vez, pode não ser a única solução, ou uma solução permanente, mas ajuda a tirar indivíduos perigosos de circulação. Ted Bundy matou mais de 30 mulheres. Se tivesse sido encarcerado logo depois da primeira vítima, 29 outras teriam sido poupadas. E David Parker Ray - the toy box killer? E sobre Francisco de Assis e inúmeros outros anônimos ou bem conhecidos feminicídas e estupradores? Eles deveriam viver livres e impunes? É só ir num encontro semanal e está tudo certo? Sério que vocês acreditam nessa m***?
A verdade é o seguinte: quase todo mundo tem uma história muito triste pra contar. É mais do que comprovado que uma infância violenta ou um passado traumático leva as pessoas a cometerem atos que em outras circunstâncias não fariam. Alguns raríssimos nascem incapazes de sentir empatia.
A pergunta é - isso é justificativa ou é fator amenizante? Não deve haver qualquer tipo de represália por que no fim das contas todos(as) são pobres coitadinhos(as) vítimas do sistema e colocar 5 min no cantinho do pensamento resolve?
Pois é, resssalto 2 assuntos dentro dessa questão: 1. E a pena de morte pra estuprador? Ñ seria uma forma de freiar esse crime cruel e desumano? Vc diz que agravar a pena ñ deu resultado. Maaas, e se esse "agravar" fosse a pena de morte? Será que o estuprador ñ iria pensar 10x antes de agir?
2. "Atribuem a Pitágoras a frase "eduquem as crianças e não será preciso punir os homens". Não educar verdadeiramente sobre gênero, objetificação, feminismo, ações afirmativas etc é um erro bárbaro."
Então, em plena pandemia, o que propuseram nossos governantes, primeiramente: Fechem todas as ESCOLAS! Fechem as ESCOLAS! E agora que reabriu há meses o futebol, o clube, academia, os hotéis, as viagens, o comércio, os bares, etc etc e etc... as ESCOLAS PERMANECEM FECHADAS! Como assim? E esse fechamento perpétuo têm o apoio de diversas correntes aquo da esquerda, inclusive de várias manas feministas. Cara, eu acho um absurdo abrir tudo e FECHAR ESCOLAS! Justamente o mais importante de uma Nação é a única coisa que fica fechado? Oi? Vcs querem melhorar como? Sem ESCOLA DE QUALIDADE, o caminho é só pra baixo. Nunca evoluiremos sem educação. ESCOLAS deveriam ser prioridade, antes do futebol, academia, comércio, etc etc e etc... assim penso. Bjs
a) Lola Carolina Iara co vereadora da bancada feminina Psol teve a casa alvejada por tiros que tempos são estes
Nosso país salvo raríssimas excessões nunca teve escolas públicas acessíveis e com efetiva qualidade (há que se fazer reforma educacional na qual toda a comunidade brasileira seja efetivamente escutava, isso leva tempo) além de ainda ser refém de processos seletivos, pois não há vagas para todos em todos os cursos.
Estamos numa pandemia. Basta olhar para países nos quais a educação crítica é prioridade. O que eles estão fazendo?
Estamos numa pandemia e é justamente por isso que as escolas devem ser fechadas até que nossa população inteira seja vacinada.
Um dos maiores exemplos pelos quais a educação pública e crítica não é prioridade é que o bolsomerda foi eleito presida por exemplo.
O mais legal do texto desse post é que ele faz as pessoas pensarem. O que estamos falando aqui afinal? Da consequência ou da raíz do problema? Creio que estamos tratando da raíz do problema. Somos acomodados e viciados (e não é mera coincidência isso) em olhar e falar somente sobre a superfície, as consequências dos nossos problemas sociais diversos.
Com isso não quero dizer que devamos abandonar as soluções paliativas, os enxugares de gelos diversos. Mas que entendamos como os ciclos discursivos funcionam que caminhemos rumos às mudanças paradigmáticas.
Há que superarmos o liberalismo tanto da direita quanto da esquerda. Há que superarmos a forma do nosso sistema econômico. Há que superarmos o pensamento dicotômico ocidental. E possamos falar cada vez sobre letramento crítico. E possamos superar os diversos atrasos sociais brasileiros, como a desigualdade de gênero que respinga diariamente em todos nós, o racismo, a falta de consciência de classe, psiconeurodiversofobia, etc e etc.
E que possamos compreender que debatemos muito, muito pouco. Que pouco exercitamos nossos pensamentos. Que pouco questionamos. E que os nossos atuais problemas sociais são todos complexos.
Já defendi casos de Maria da Penha, muitas vezes o agressor é uma pessoa absolutamente comum que perdeu a cabeça em um momento de discussão e/ou não está sabendo lidar bem com os sentimentos de perda, frustração e traiçãO, pra esses cadeia não resolve mesmo, mas é um temor suficiente para evitar futuros episódios de violência.
Tem outros que são violentos contumazes, esses têm de ficar fora de circulação sim.
O motivo por que os feminicidas pouco se importam com a prisão, é a ausência de prisão perpétua no Brasil. Na Argentina o "serial Killer" Carlos Robledo Puch (retratado no filme El Ángel) que está em prisão perpétua há quase 50 anos, está tão desesperado em viver trancado numa cela, que já solicitou a Suprema Corte argentina ser executado, o que lhe foi negado, visto que não existe pena de morte no país. Ele terá que aguentar a tortura angustiante de ficar trancado sem fazer nada até o dia de sua morte! Mesmo no Brasil, o estuprador e assassino cruel, Champinha, não foi libertado após os 3 anos de pena, pois o judiciário considerou que ele é um risco às mulheres. O que de fato é verdade! O mesmo provavelmente ocorrerá com o assassino neonazista norueguês que matou 77 jovens trabalhistas em 2011. Ele será considerado incapaz para a vida em sociedade e será mantido em manicômio judicial após o período de 21 anos, que é a pena máxima existente naquele país. Manter esses assassinos cruéis isolados da sociedade no Brasil salvaria a vida de milhares de mulheres, sem a menor sombra de dúvida! Quanto à educação, é pura ilusão achar que uma instituição onde os profissionais ganham salários miseráveis e congelados vitaliciamente(No RS não existe mais o plano de carreira, que foi extinto pelo atual governo tucano) em escolas caindo aos pedaços(O Instituto de Educação de Porto Alegre está com a obra paralisada há 6 anos) com turmas superlotadas com alunos que não querem estudar, que só ficam passeando e namorando nos corredores e pátio das escolas, vá produzir alunos críticos!! Se a escola tivesse esse objetivo, demagogos moralistas como Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro não seriam eleitos. Ora são esses demagogos amplamente apoiados pelos empresários, pastores e militares que mantêm as escolas públicas à míngua e com péssima qualidade para garantir que a sociedade brasileira tal como ela é permaneçae do jeito que está!!! Com a maior concentração de renda do mundo!!!
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