No último dia fomos a um dos zoológicos de Chicago, logo um que é dos últimos zôos grátis nos EUA. É muito legal poder entrar e sair de um zôo imenso, como se fosse um parque. Tá certo que os pobres bichinhos não têm o mesmo direito de ir e vir, mas eles parecem ser muito bem tratados. Já que estou divagando, preciso dar minha opinião sobre zoológicos: não tenho opinião formada. Fico morrendo de pena de ver os animais presos (chorei ao trocar olhares com um gorila triste), mas, ao mesmo tempo, sabe-se lá se esses animais estariam vivos ao ar livre, num mundo tão dominado pelos homens. Por exemplo, numa das placas li que um leão vive quinze anos no seu habitat e 25 em cativeiro. Se eu fosse um leão, preferiria ter uma vida mais longa garantida, e cheia de confortos, numa jaula enorme, ou arriscar o dia-a-dia numa selva tão perigosa?
Enfim, lá estávamos nós passeando pelo zôo quando fomos totalmente cativados pelo urso polar. O belo urso branco dispõe de grande espaço, mas ontem ele estava mais interessado em nadar. E os visitantes podem descer pra olhar o urso dentro d'água. E dá-lhe ursinho dando rasantes no vidro, usando o vidro pra ganhar impulso com as patas, encostando o focinho no vidro, e tudo mais (na realidade, ele vinha sempre na direção de um menininho nos braços da mãe, também colado no vidro. Uma hora o urso inclusive abriu o bocão, tentando abocanhá-lo. Acho que estava com fome). Lá pelas tantas surgiu um guia voluntário do zôo pra responder dúvidas sobre ursos polares. É óbvio que aproveitei pra fazer todo tipo de pergunta esdrúxula, mas em compensação descobri que esse urso mora com a irmã (que devia estar dormindo), se alimenta de peixes vivos e uma espécie de ração (e não de focas, como degustaria no seu habitat), e que sua patada equivale a uma martelada de não sei quantos pounds, porque esses americanos insistem em usar esse sistema métrico incompreensível. Então eu quis confirmar se esses maravilhosos bichos estavam ameaçados de extinção por causa do aquecimento global, que derrete as placas de gelo e faz ursinhos morrerem afogados, por não terem lugar pra descansar no meio do oceano (essa informação eu peguei do documentário do Al Gore – não tem jeito, tudo que sei aprendi no cinema). O guia disse que talvez, que essa questão era muito política, que até podia ser real, mas que nem eu nem ele estaríamos vivos nos próximos cem anos (nesse ponto eu quase interrompi com um “Fale por você”, mas ele tinha fugido tanto do tema que ficou difícil argumentar). Ou seja, esse senhor rapidamente esqueceu o urso e se pôs a falar sobre como, pra diminuir o aquecimento global, muita gente perderia o emprego. Eu tentei dizer que, sem o planeta, não haveria empregos de qualquer jeito, mas ele me cortou com algo do tipo: “É, eu sei, é polêmico, mas não dá pra nós americanos controlarmos o que seis bilhões de pessoas fazem com o mundo”. Nesse ponto eu não me contive e disse: “Ajudaria se vocês americanos, os maiores poluidores do planeta, pelo menos fizessem a sua parte”. Pouco depois o guia foi embora e nós continuamos admirando o urso.
Mas estou chegando à conclusão que essa ingenuidade americana é uma praga, uma hipnose coletiva. No mesmo dia, voltando pra Detroit, sentamos ao lado de um grupinho de três estudantes. No ônibus havia mesas, e os jovens usaram uma delas pra comer montes de hamburgers, um banquete de junk food. Eles saíram antes da gente, mas uma mocinha do grupo voltou pra checar se não tinham esquecido alguma coisa. Eu vi um papel embaixo das poltronas deles e apontei, ao que a estudante respondeu: “Obrigada, mas acho que não é nosso”. E saiu, deixando o lixo pra trás. Parece familiar?
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