sábado, 15 de dezembro de 2012

GUEST POST: ABUSO, CULPA, E RESPOSTA ERRADA DE MÃE

Este relato da L. é tão terrível quanto comum. Acontece direto. Sua reação é a mesma da maior parte das vítimas de abuso.
Aliás, recomendo muito, tanto para a L. como para todxs xs leitorxs, que leiam Eu Sei Por que o Pássaro Canta na Gaiola, de Maya Angelou. É um clássico da literatura americana, com muita justiça. O estupro narrado pela protagonista (e pela escritora, porque trata-se também de uma autobiografia) quando ela é criança é apenas uma breve parte do romance, mas é impressionante como toda a culpa e impotência e medo de machucar outras pessoas que a L. conta estão lá, num livro sobre uma menina negra nos EUA dos anos 1930. Parece que estupro e o sentimento de culpa das vítimas sobre o abuso são temas universais.
 
Meu nome é L. e tenho 20 anos. Levei muito tempo para conseguir escrever o que vou dizer aqui hoje, mas só agora compreendo que é necessário exteriorizar o que nos agoniza, e essa é uma agonia que já dura 14 anos. 
Não acredito que possam existir profissionais da saúde que possam arrancar de dentro de mim o que eu sinto, e muito menos penso que eu deva ser curada de algo, para então poder ter uma vida “normal”. Um abuso não torna ninguém excepcional ou digna de pena (é, a vida continua, tanto para a vítima quanto para quem abusou), e talvez seja por isso que só conversei sobre esse assunto com as poucas pessoas que eu sabia que não iriam pensar “Nossa, coitadinha”.
Quando eu tinha de 5 para 6 anos, me mudei para uma nova casa e logo fiz duas amigas. Sempre brincávamos juntas, o dia inteiro. E não me lembro bem como, mas comecei a frequentar junto com elas a casa do padrinho de uma delas. Ele também era marido de uma conhecida da minha mãe, que era secretária da escola em que eu estudava.  
Não me lembro quando foi que comecei a frequentar sozinha a casa desse homem, que sempre distribuía brinquedos entre as crianças -- sua casa era uma verdadeira brinquedoteca. Eu ia lá todas as manhãs antes de ir para a escola, que era o horário em que eu ficava sozinha com a bábá, que sempre me deixava ir lá, ao contrário da minha mãe, que me dizia que eu não deveria ficar sozinha com nenhum homem estranho. Enfim, a memória falha e não sei como e nem quando ele começou a tirar seu pênis de dentro da calça e começar a esfregá-lo toda vez que eu estava lá.
Aquilo me incomodava e por alguma razão eu sabia que aquilo era errado, que eu não deveria estar ali, mas todos os dias eu voltava para brincar com os brinquedos e também porque eu tinha curiosidade. De certa forma, na minha cabeça de criança, me sentia desejada por ele. A coisa começou a piorar gradualmente, ele me agarrava todos os dias, me empurrava na cama ou na rede, eu pedia para ele largar e ele não largava, meu maior medo era a esposa dele chegar e contar para todos as coisas vergonhosas que eu estava fazendo com o marido dela, de eu ser ridicularizada e humilhada por todas as pessoas do meu convívio.
A memória falha e as imagens são vagas, lembro de ele me obrigar a masturbá-lo e colocar a boca em seu pênis, além de tocar meu corpo e minha vagina, não lembro se em algum momento aconteceu mais alguma coisa. Não sei direito quando foi que eu parei de ir lá. Nunca contei para minha mãe ou meu pai, pois eu sabia que aquilo era errado, sabia que aquele homem estava errado, mas também me sentia tão errada quanto ele. Eu ficava com medo do meu pai tomar conhecimento daquilo tudo e em um surto matar esse homem, tinha medo do meu pai ir para a cadeia por minha causa, essa imagem não saía da minha cabeça.
Depois que tudo isso acabou, eu me sentia mais feliz e disposta a brincar, me sentia “normal”, e minha cabeça meio que apagou tudo o que havia ocorrido. Mas um dia estava brincando na rua quando vi uma das meninas com quem eu brincava, no quintal da casa dele, me chamando, sorrindo e dando um tchauzinho. Ela parecia estar feliz brincando na casa dele, como eu também parecia estar na época em que ocorreu o abuso. Meu coração de criança apertou na hora, eu ficava me perguntando se com ela também aconteciam as coisas que aconteceram comigo. Me senti impotente, me perguntava quantas meninas já haviam e ainda iriam passar por aquilo. Acho que nunca mais falei com ela, com vergonha de ser conivente com o que ela estava passando. Eu sentia que era, indiretamente, uma cúmplice dele.
Na adolescência eu me achava culpada de tudo o que tinha acontecido comigo, pois eu sempre voltava na casa dele, mesmo sabendo que era errado. Eu me sentia pervertida e na minha cabeça pensava que sexo só acontecia com dor e submissão. Quando entrei na faculdade, os horizontes se expandiram e eu pude entender que eu não tive culpa do que havia acontecido comigo, mas sempre me senti culpada por ter visto uma outra menina na mesma situação e não ter feito nada.
Ao perceber o meu sofrimento, minha namorada começou a me incentivar a compartilhar a minha história, e a história dessa menina, para que talvez assim eu sentisse menos culpa e talvez fosse menos julgada, justamente pela “liberdade” e anonimato da internet. 
A outra experiência que tive ao compartilhar a história foi lamentável: ao contar para minha mãe, ao invés de ela se indignar, ela pensou que havia achado a causa para a minha homossexualidade, e o único retorno que tive da parte dela foi para que eu me tratasse. Não para que eu me sentisse bem, mas sim para curar o que ela chama de “homossexualismo”.
Eu não espero que compartilhar a minha história vá mudar alguma coisa de imediato, além de me trazer uma paz inexplicável que estou sentindo enquanto escrevo isso. É uma sensação de alívio enorme que não consigo nem descrever, mas espero mesmo que as pessoas compartilhem suas histórias e que não sintam culpa de nada.

41 comentários:

Julia Brunken disse...

first.
Brinks, olha, L., eu meio que sei como é voltar a ficar com um cara que abusa de você, mesmo sabendo que ele vai abusar de novo. Sei que meu comentário não adicionou grandes coisa, mas...you are not alone :)

Anônimo disse...

L., eu sei exatamente como você se sente. Passei exatamente pela coisa. É incrível como depois de tanto anos ainda temos dúvida, não é? Se realmente não temos parte nessa culpa, já que persistimos no encontro com o capataz. Mas devemos sempre lembra que a culpa nunca é da vítima, seja um adulto ou uma criança. Fico feliz que você tenha uma parceira que te apoia e deve estar te apoiando nesse momento de "confissão", pq é realmente muito difícil quando fazemos isso pela primeira vez - mas não quer dizer que ficará muito mais fácil dizer de novo.

Querida, como você mesma disse, só nos resta continuar vivendo. Os fantasmas ficam pra trás e nossa infância não precisa ser manchada por essa culpa. O importante é ser feliz hoje e pra sempre, com a certeza de que fizemos e estamos fazendo o que é certo.

Anônimo disse...

É impressionante ler isso. Há pouco menos de um ano havia decidido começar um projeto, um blog que nos permitisse contar as nossas histórias sob o benefício do "anonimato da internet". E que isso fosse exposto, talvez um livro de contos baseado em fatos muito muito reais. Desisti da ideia, mas há um mês, mais ou menos, senti essa incontornável vontade de dizer. De dizer de tudo isso. E num pedaço de manhã, escrevi 8 páginas, espaçamento simples, calibri 11, no word. Contando pra mim mesma o que já está tão distante na memória. Há coincidências notáveis em nossas experiências: a lembrança entrecortada, a culpa, o alívio das palavras no papel. Nossos casos não poderiam ser factualmente mais distantes, mas são muito próximos os sentimentos que suscitam. Sobretudo a culpa. Minha culpa que, diferente da sua, é a de quem contou tudo à época e tem certeza - embora qualquer mínima racionalidade reafirme o contrário - que destruiu a família. Vejo muito mais ódio em meu coração que no seu relato. Mas a impotência é precisamente a mesma. Findas 8 páginas, concluo que era melhor mesmo ter guardado tudo em mim. Melhor que a merda de vida que seguiu, e que segue, à verdade de minha infância, afastada de mim há já mais de 15 anos. Agradeço à sua namorada pelo favor que me fez. É a primeira vez que leio algo assim - não que procure muito, é bem verdade. Ela não só te permitiu escrever como condicionou, pelo incentivo que te deu, as minhas próprias palavras. Muito obrigada às duas.

Anônimo disse...

Tambem sei e senti esta culpa L. realmente vc nao esta sozinha. As veses eu penso no meu abusador se ele esta fzendo o mesmo que fez comigo quando eu era criança :( As vezes os fantasmas do passado voltma e as lembranças, o momento fica para sempre. Mas no final temos que ser forte e seguir com os traumas e saber pedir ajuda. Seja feliz sempre L.

Augusto disse...

Essa desculpa, de que o abuso causa homossexualidade, não serve para mim,pois eu já era muito gay (digo, fazia sexo com homens) antes de ter sido abusado.

Anônimo disse...

Não costumo comentar, mas queria dar parabéns à L. pela força e pela coragem. Nunca fui abusada e não consigo nem imaginar a dor, mas sei muito bem como é sentir tanta culpa quando, racionalmente, sabemos que não temos culpa nenhuma. Acho que se abrir aos poucos pra quem é de confiança vai te ajudar muito. Aliás, profissionais da saúde podem ajudar MUITO também, eu sei que é difícil, mas na minha opinião vale a pena, justamente por poder por tudo pra fora sem ninguém te achar coitadinha, o que você não é! Mas claro, essa decisão precisa partir de você, se isso te fizer se sentir bem e confortável. Obrigada pelo seu relato :)

Luiz Prata disse...

Solidarizo-me com você.
Desejo tudo de bom para você e sua companheira.
Boa sorte.

Dani Antunes disse...

Acho louvável a iniciativa de escrever. Minha terapeuta sempre diz que quando eu apareço dizendo a ela que escrevi sobre determinado momento, minha feição muda. E, realmente, me faz muito bem.
Felizmente ele não foi mais adiante com você. Sou solidaria a você por ser mulher, e acho que a homossexualidade realmente não tem nada a ver com isso. Você nasceu homossexual, e não há santo que faça com que isso fique diferente.
Admiro a posição ao assumir (porque não são todas que assumem) a escolha, e mais ainda você ter compartilhado essa historia. Que sirva de exemplo pra garotinhas virgens por aí, que vêem nos professores, pais de amigas e afins como exemplo... Enfim... Todas sabemos que essas coisas acontecem.

Fica bem. E, claro, seja muito feliz. Sempre.

Abs :)

Anônimo disse...

eu me emocionei lendo essa história. Me emocionei porque me identifiquei com ela quase totalmente.

Quando eu era criança eu passava muito tempo na casa da minha vó, porque minha mãe trabalhava. Meu vô alugava a garagem para uma ambulância, ou algo assim (minha memória também falha). O motorista da ambulância morava no quarto dos fundos, e era muito amigo do meu vô. Um dia ele me convidou para ver como era a ambulância por dentro. Eu fui, porque achei que seria falta de educação recusar. Ele tirou o pênis e pediu para tocar minha vagina. E eu deixava. Sabia que tinha algo de errado nisso, mas não queria fazer alarde, não queria preocupar meus parentes. Toda semana, não lembro quantas vezes, ele me chamava pra ir na ambulância, e eu sempre ia. Ninguém nunca desconfiou de nada. Já cheguei a me sentir culpada por ter aceitado ir tantas vezes. Me lembro de um dia ter recusado, porque minha vagina estava machucada de tão forte que ele me tocava. Contei isso pra poucas pessoas, minhas amigas mais próximas. E o que mais me apavora é que todas as minhas amigas mais próximas, que tinham intimidade comigo para ouvir e contar confidências, também tinham, como diz a Lola "uma história de terror". Isso me indigna, me apavora, mas ao mesmo tempo me dá um alento de saber que não estou sozinha. Que não sou anormal. Que a culpa não é minha e nunca vai ser minha. E eu repito isso toda vez que me recordo do que aconteceu.

Não quero contar isso pra minha mãe. Porque tenho medo que ela faça como a mãe da autora desse texto, e coloque nesse incidente a razão da minha homossexualidade. Mas dessas amigas que me contaram suas histórias, nenhuma delas é lésbica, e isso também eu tento me lembrar, que minha vida continuou, que esse episódio não me afetou tão profundamente a ponto de "desviar" minha sexualidade.

sim, a vida segue em frente. Não sei onde esse homem está. Espero que morto. Se alguma coisa, me sinto culpada de tê-lo deixado escapar impune, que ele esteja abusando de outras meninas.

Moema L disse...

L. você não teve culpa nenhuma...

Não entendo a sua mãe, na verdade não entendo mães que pensam assim.

Eu sinto muito por tudo que passou, espero que você consiga superar e ser feliz.

Magalli Sampaio disse...

Gente, como eu ODEIO essa história de que o homossexualismo é a consequência de um abuso sexul sofrido na infância. Dá vontade de dá na cara de quem fala uma besteira dessa! Querida L., parabéns pela coragem.

Sara disse...

L obrigada por dividir conosco sua experiência, saiba q não acho q vc seja digna de pena muito pelo contrário vc superou tudo com muita dignidade, e pelo jeito é uma mulher plena.
Seu relato pode alertar mães de garotas e assim poupar outras de cairem nessas armadilhas.

Anônimo disse...

É sempre a mesma coisa, a culpa de um estupro recai sempre sobre aquela que usou roupas curtas demais, que bebeu mais do que devia, que confiou em quem não podia confiar, que calou o abuso quando tinha o "dever" de botar a boca no trombone...
Também não muda aquela velha idéia de que lésbicas são, na verdade, megeras mal amadas ou bobocas traumatizadas por algum homem.
Pra mim, o mais espantoso na maioria desses relatos é a frieza, a crueldade com que certas mães acolhem a confissão de suas filhas. Ao invés de acolhê-las, só sabem enfiar o dedo ainda mais fundo na ferida.

L. disse...

Já notaram os comentários desse post? 95% dos comentários diz: "Pois é, sei o que você sente, já aconteceu comigo também." E arrisco dizer que em 100% dos casos eram pessoas de "confiança", pessoas da família.

Sem querer ser repetitiva: pois é, comigo também não foi diferente, passei pelo mesmo. Também me sentia culpada. Demorei anos pra conseguir contar isso pra alguém. Não foi com o vizinho, foi com um parente mesmo. Contei pro meu pai, ele me apoiou, mas como já fazia tempo preferimos não contar pra ninguém, só iria causar caos e discórdia na família. Mas meu pai nunca mais falou com ele (eles eram muito amigos).

Histórias como essa infelizmente ainda vão se repetir milhares de vezes pelos próximos séculos. Tudo que eu queria é que as pessoas tomassem conhecimento desse abuso que é tão comum "nas melhores famílias" e se revoltassem com isso.

Eu não sei bem se superei meu trauma, mesmo quase 1 década depois eu ainda tenho dificuldades de pensar nisso. Não no que aconteceu em si, mas em como isso acontece na maior naturalidade, como ninguém se revolta. Como aquele bandido ainda me olha nos olhos depois de tudo e ainda consegue falar comigo.

Coisas como essa na vida de uma pessoa machuca muito, muito mesmo. Fico extremamente triste quando vejo guest posts aqui sempre com a MESMA história. Igualzinha.

Antes de conhecer esse blog eu não fazia ideia de toda essa coerção que sempre fui submetida nesse mundo machista e homofóbico. Eu achava que era normal. Eu achava que tinha que sofrer mesmo, afinal o mundo era diferente de mim.

"Eu não sabia que podia."
Essa frase, que está no início do livro "Deus, um delírio", quando eu a li, simplesmente resumiu toda minha vida antes de saber que eu podia. Que eu podia ser mulher, que eu podia ser gay, que eu podia ser negra, que eu podia ser atéia.

Esse blog foi o responsável por me fazer enxergar que eu podia ser mulher. Que eu podia transar antes do casamento. Que eu podia ter várixs parceirxs. Que eu podia ser eu mesma. Que eu podia me revoltar quando diziam que eu estava errada por eu ser eu mesma.

Obrigada Lola pelo seu bloguinho, eu sei que ele mudou a vida de muitas mulheres!

Anônimo disse...

Oi, Lola! Acompanho seu blog todos os dias, mas esta é a primeira vez que comento.
Esses relatos pavorosos de abusos me fazem lembrar o livro Tigre, Tigre, da Margaux Fragoso. Ela começou a ser abusada por um vizinho, pai de dois amiguinhos, "de confiança", aos seis anos de idade, e acabou desenvolvendo uma "relação" com ele que se estendeu por quase 15 anos. Margaux fala sobre os sentimentos contraditórios que acabou nutrindo pelo abusador ao longo de todos esses anos e relata o longo e doloroso caminho, permeado de dor, culpa e dúvidas, que teve que percorrer até perceber que, de fato, foi vítima de um pedófilo.
É deprimente imaginar que tantas e tantas crianças ainda têm sua palavra e sua dor desacreditadas e menosprezadas pela sociedade e, pior, por aqueles que deveriam protegê-las.
Um grande abraço a você, luz, paz e força pra L. e pra todxs que já passaram/passam por essas histórias de horror.

Anônimo disse...

Cara L.

Toda vez que você se sentir culpada tente imaginar uma criança, que não você, na mesma situação. Você se sentiria no direito de cobrar que ela tomasse uma atitude?
Não, né? Então não tem porque se sentir culpada! Você era criança, não tem responsabilidade alguma.

Quanto à sua mãe, não guarde raiva dela. Eu sei que ela não foi exatamente compreensiva com você, mas seja com ela. Se ela acha que sua sexualidade é uma doença, uma falha, ela deva se sentir culpada disso também. E imagine o que ela sente sabendo que você passou por isso e ela não fez nada! Perdoe a sua mãe, ela não ter agido da melhor maneira possível não significa que ela não te ama, só significa que ela é um ser humano e, como todos nós, imperfeita.

Anônimo disse...

Me emocionei com seu relato, também por me identificar. Eu sei bem o que é essa culpa.
No meu caso, fui abusada diversas vezes por um primo (primo mesmo, de primeiro grau), 16 anos mais velho que eu. Isso começou quando eu tinha 9 anos e nós havíamos nos mudado para uma casa praticamente ao lado da minha tia. E, na época, como eu tinha mudado também de colégio, para um bem mais difícil, meu pai me mandava estudar matemática com esse primo, recém-formado em engenharia. Eu estudava com ele, sofria abuso, ia mal na escola, e meu pai me mandava estudar mais ainda com ele. Para meu pai, ele me dava aulas particulares de graça, e eu que não me esforçava e era péssima aluna. E eu não conseguia falar, contar, romper esse ciclo. Ele era o filho/sobrinho/neto-perfeito, brilhante engenheiro, ainda por cima bonzinho por ajudar a priminha com dificuldades para aprender(dificuldades que eu nunca tinha apresentado antes, pois era, até então, uma ótima aluna na escola anterior).
Lembro que uma vez uma empregada da minha tia viu, e eu fiquei com um misto de pavor, medo e ao mesmo tempo alívio, por achar que ela ia contar e aquilo ia acabar. Mas ela não falou nada, talvez por medo de perder o emprego.
Os abusos só acabaram porque ele casou e se mudou para longe.
Isso também "sumiu" da minha cabeça por MUITO tempo. Eu só voltei a me lembrar dos abusos quando tinha 26 anos (sou bem mais velha que vc, tenho 45 anos), já casada. Acho que a forma que minha cabeça encontrou de segurar o tranco, foi escondendo isso por um tempo, até eu estar forte para encarar. A primeira pessoa a saber foi meu marido, que me deu todo apoio do mundo. Eu pensei em nunca contar nada para minha mãe, mas há pouco tempo, num momento de raiva, botei pra fora. Esse meu primo abusador sofreu um AVC há 5 anos, e ficou com sequelas. Está inválido, com metade do corpo paralisado, em cadeira de rodas e dependendo de cuidadores. Minha mãe veio reclamar que eu nunca mais visitei minha tia (que já está bem idosa) nem meu primo. E aí, durante essa cobrança, eu falei o que ele fez comigo. Minha mãe perdeu o chão. A única coisa que ela disse foi "Então foi Deus que deixou aquele monstro assim! Tomara que ele morra sofrendo muito!". E nunca mais esse assunto voltou a ser tocado por ela.

Você não está sozinha. O meu relato aqui também mostra que abusos assim sempre existiram. Nossa diferença de idade é de 25 anos, e nossas histórias são parecidas.

Muita força e siga em frente! Quando a gente fala, dói menos (e até por isso peguei carona no seu relato para mandar o meu também).

Boa sorte!

M.

Anônimo disse...

L., me identifiquei muito com o seu relato.

Também sofri abuso na infância e meu maior medo de revelar, à época, era justamente o teu: meu pai matar o sujeito, que era subordinado a ele e a minha mãe na empresa em que ambos trabalhavam.

Toda vez que eu ia na empresa - e não eram poucas - o abuso acontecia, sempre na sala dele, vazia, só eu e ele. As lembranças são entrecortadas, como as suas, mas lembro de sentar no colo, ele se roçando em mim, de sentir o pênis ereto por debaixo da calça. Lá se vão mais de 20 anos e sinto vontade de vomitar só de evocar essas lembranças.

Lembro, também, da culpa, do medo e da ingenuidade dos meus pais, chefes que admiravam o trabalho daquele excelente funcionário. Passei a sentir terror só de pensar em estar a sós com aquele homem. E passei a ter dificuldade, por um tempo, de deixar meu próprio pai - meu melhor amigo até hoje, o melhor pai que alguém pode sonhar - ter contato físico comigo, abraçar, beijar. Recordo-me nitidamente de uma noite em que saí de carro com o meu pai pra pegar um desenho animado na locadora e, sentada no banco do carona, bati na mão dele quando ele a pousou no estofado do meu assento, perto da minha perna. Ele, pai jovem e amoroso, ficou sem reação, sem entender, me olhando com uma perplexidade que jamais poderei esquecer.

O que mais posso te dizer? O que resta a fazer é tocar o barco e tentar curar a ferida com os instrumentos que estão à mão: terapia, apoio de pais, amigos, familiares, companheiro (a), igreja, grupos sociais de que participamos, à nossa escolha. Eu sempre fui muito madura e não demorei muito pra entender o que me aconteceu. Só me surpreendo, dia após dia, com a quantidade de relatos tão semelhantes entre si.

Carlinha disse...

Ai Lola do céu... Fico arrasada quando leio histórias como essas... Como posso ter fé na humanidade assim? Como ter esperança? Vou dormir com o coração quebrado, mais uma vez, por uma história que novamente comprova a que ponto chega a crueldade do ser humano. :(

L. querida, preciso te dizer que uma de minhas melhores amigas foi violentada dos 4 aos 12 anos de idade, e a vida dela deu uma reviravolta graças a terapia. A terapeuta dela a chamava de "milagre da terapia", portanto é muito importante que você faça um acompanhamento com um excelente profissional. Tenho CERTEZA que irá te ajudar! Sinta-se abraçada por mim. Força! :)

Anônimo disse...

Lolinha, já que é assim, por que você não desafia o Silas Malafaia ou o Olavo de Carvalho para um debate? Você não tem plena certeza das suas convicções?

Anônimo disse...

Quando eu leio esses relatos eu penso na imensa sorte que tive. Nunca fui abusada por ninguém. Mas de uma coisa eu tenho certeza - se tivesse acontecido algo assim comigo (independente da idade), e eu contasse pra minha mae, ela JAMAIS ficaria do meu lado e com certeza iria incutir em mim ainda mais culpa.
Lendo os inúmeros relatos que a Lola já publicou e os comentários de quem conta histórias similares é bem comum ver como os pais sao omissos.

Talvez essa observacao seja inadequada aqui, mas tenho que faze-la mesmo assim - é um MITO dizer que TODAS as maes amam incondicionalmente seus filhos, que ficariam sempre ao seu lado e que os ajudaria a passar por qualquer tormenta que a vida nos traz. Muitas delas nao hesitariam um momento sequer em sacrificar o bem estar de seus filhos em nome da "boa família", da "honra" ou qualquer outra coisa que elas ( e claro, os pais) consideram mais importante.

F.

Maria disse...

Olá L.
Toda a solidariedade a você nessa hora. É comum que sobreviventes (acompanhando o Project Unbreakable, aprendi que a gente não chama ninguém de "vítima de câncer" para sempre e nem de "vítima de atropelamento" para sempre. E sim de "sobreviventes". Do mesmo modo, aquelxs que já passaram por abuso sexual sobreviveram. E, espero, hoje vivem) continuem buscando seus/suas abusadorxs para tentar entender o que aconteceu e tentar fazer com que as coisas "fiquem normais" ao invés de aceitar que isso tudo foi muito errado e que "nada está bem". Então, eu sou mais uma pessoa a te dizer: não se culpe.
Sobre a sua preferência sexual, não acho que ninguém "nasce homossexual" (ou hétero, ou bi, ou pan), acho que uma série de experiências vão se combinando de forma sutil a fazer com que gostemos mais disto ou daquilo. E, se você acha que ser sobrevivente de abuso nada tem a ver com isso, a preferência é sua e ponto. Não tem nada a ver com isso. Você quem sabe dela.
Você já fez terapia? Para lidar com os conflitos que estão dentro de você, encará-los, poder fazer explodir toda a raiva contida... Enfrentar a mim mesma através de um mediador (meu terapeuta) fez com que eu superasse muitos traumas sérios que me faziam agir de modos que eu não gostava e não entendia. Pense a repseito ;)
É incrível como tantxs de nós temos histórias de horror relacionadas à sexualidade e violência. Se nossa sociedade parasse de tratar o bom e velho sexo consensual como um horror, um tabu, talvez menos de nós passariam pelo verdadeiro horror (talvez menos homens e mulheres fossem criadxs com sua sexualidade entortecida, virando estupradorxs).

Abraços fortes,
Maria

Vivi disse...

Puxa, espero que a L. se fortaleça cada vez mais. Sei que falar sobre isso é muito importante.

Fico impressionada com a quantidade de mulheres que relatam ter ofrido a mesma coisa nestes posts.
Toda minha solidariedade.
Estupro e pedofilia são imperdoáveis e espero que nssa luta feminista consiga acabar cada vez mais com isso.

Lívia Pinheiro disse...

E se fosse mesmo por causa do abuso que ela se tornou homossexual? E daí? Que diferença isso faria? A única razão pela qual alguém é infeliz por ser homossexual se chama homofobia, não existe nenhuma outra razão para isso ser algo indesejável.

Meu primeiro amor foi a Julie Andrews de noviça rebelde quando eu tinha uns sete anos, seguidos por muitos outros, todos do gênero feminino. Portanto, se não nasci lésbica, tornei-me bem cedo. Mas conheci mais de uma mulher que me disse ter, por livre e espontânea vontade, ter virado (a palavra é bem essa mesmo) lésbica. As razões eram um pouco variáveis, mas giravam basicamente em torno do tema "machismo intolerável em relacionamentos hetero". Uma delas aparentemente tinha "tendências bissexuais", mas a outra me garantiu que jamais passou por sua cabeça se relacionar afetivo-sexualmente com mulheres antes de conhecer o feminismo. Estou falando isso para mostrar como esse papo de inato versus aprendido é enganoso, porque não existe uma única razão pela qual as pessoas são homo/hetero/bi/assexuais.

Por fim, acrescento que admiro pra caralho quem passa por uma coisa dessas (tema do post) e sobrevive. Eu sei que eu não conseguiria.

Anônimo disse...

As feminista no assunto genero acham que tudo é uma construção social ,que somos uma folha em branco que se escreve qualquer coisa... OK

Ah mas dizer que sexualidade é uma construção psiquica e pode ser mudada é preconceito...pessoas hetero,homo,bi,trisexuais nasceram assim e acabou ! não discute !

Por que dessa dicotomia ?
Decidam o que pensam !somos folhas em branco ou já nascemos com algo escrito ?

Vivi disse...

Também concordo com a F.
Este mito romântico da mãe/pai que quer "acima de tudo" o bem dos filhos.
A realidade parace bem diferente mesmo.
Talvez por, no fundo, acrediramos e termos a expectativa neste mito que sofremos quando pais não ficam dos nossos lados.
Seria mais saudável para todas nós se tentássemos pensar que isto é um mito e tirarmos pais dos pedestais. Eles tambem podem ser hipócritas, egoístas, mesmo quendo se trata numa relação pai/mãe-filho.
abraços

L. Brito disse...

[ironia on] Ahh, claro que foi por causa do abuso que ela "pegou" a homossexualidade... mesmo porque isso é uma doença contagiosa e todos sabem disso!!
[/ironia off]

L,
Baah, nem tenho como dizer que te entendo pacas... como muitas aqui disseram, eu tbm passei por isso entre os 6 e os 8/9 anos (não temho certeza, a gente meio que bloqueia,
eu acho)...
Mas vai la guria, força. Curte esse amor que te deu força e entendeu que tu precisavas desabafar...
Não te prende ao passado, tenta seguir em frente sempre, por ti, por ela (tua namo)e pelo futuro que vocês já devem estar planejando!
Não posso falar nada acerca da culpa que dizes sentir, pois seria hipócrita, afinal me sinto assim todos os malditos dias da minha vida. Mas não foca lá atrás, pensa no hoje e no amanhã, e vai!!!
Como disseram anteriormente nos comentários:
"Sinta-se abraçado por mim!"

Beijão e força, guria!



PS: Lola, há tempos não vinha aqui, mas continuas te superando.
Lindas as fotos de Jeri!

Kathleen disse...

Eu passei por abuso sexual dos 7 até os 9 anos, e te digo... me sinto culpada até hoje e minha vida de certa forma acabou ali, pq eu nunca mais fui a mesma, tive e tenho depressão, ansiedade, sou ciumenta demais. Hoje estou com 29 anos, casada, dois filhos... uma vida muito boa no geral e ainda me trato das sequelas dos abusos, se parar de tomar ansiolítico acho que morro de vez. Meu maior medo é acontecer alguma coisa com meus filhos, sei que protejo muito mas sou insegura mesmo...

Anônimo disse...

Minha mãe sempre me aconselhou desde pequena. Um pai da coleguinha dela passou a tocou quando era pequena e ela não queria que isso se repetisse comigo e com minha irmã. Ah, ele também teve uma tentativa de estupro depois de mais velha, mas não aconteceu nada, graças a Deus. Ela sempre me dizia que éramos melhores amigas e que tudo o que acontecesse comigo eu deveria contar. Além disso ela me dizia que se um homem passasse a mão em mim era errado e que eu deveria contar pra ela, não importando quem fosse esse homem.

Um dia um vizinho me colocou no colo e tentou passar a mão por debaixo da minha camiseta. Eu não tinha seio nenhum, devia ter uns 8 anos. Saí de lá na hora e contei pra ela. Ela falou com a filha dele, nossa vizinha, e ela brigou com ele, falou um monte e nunca mais deixou ele ficar perto de crianças.

Minha irmã foi tocada pelo meu avô uma vez quando fomos visitá-lo, e ela tbm contou. Mas até hoje não temos coragem de contar pro nosso pai, pois ele é super protetor e mataria meu avô. Como ele mora em outra cidade, nunca vemos ele. Mas ultimamente ele anda ligando mto pra minha mãe e ela trata ele com frieza. Ele deve ter percebido, mas mesmo assim liga. Ele abandonou nossa avó, foi um pai ausente pra minha mãe e ainda fez isso.
Sempre digo pra minha irmã não pensar nisso e esquecer, pois de um jeito ele vai pagar.
Me sinto sortuda quando leio esses relatos, pois nunca aconteceu nada grave comigo e por minha mãe ter sido realmente uma amiga.
Se eu tiver filhos (não quero pois acho esse mundo uma merda) .. mas se acontecer de ter, enfim, vou conversar muito e contar sobre essas coisas desde cedo. Não dá pra facilitar.

Luiza Luth disse...

Lolita, estou com meu coraçãozinho partido por causa desse post.
Me lembrou o filme "Mistérios da Carne". Se você e a L. não assistiram, vale a pena. É triste, é pesado, mas ajuda a entender o abuso infantil.
Espero que a mãe de L. entenda que a sexualidade dela não está ligada a esse trauma.
Um beijo.

Anônimo disse...

Compartilho da opinião da Lívia Pinheiro. Por que ela não pode, de fato, ter se tornado homossexual por causa do abuso? Gostaria de entender por que parece ser um tabu para os homossexuais considerar essa possibilidade.

Anônimo disse...

Sou homem e mesmo tendo muito contato com amigas feministas e causas sociais (até por ser cientista social), eu não fazia ideia de que os casos de abusos eram tão frequentes. Acho curioso como poucos homens comentam os posts aqui. Talvez por uma certa vergonha, por manterem-se longe das causas feministas ou quem sabe por não terem a identificação com os relatos, já que muitas iniciam o comentário já dizendo que entendem o relato por ter passado por algo parecido.

No meu caso específico sinto uma enorme vergonha quando leio certos relatos e penso no quanto algumas conversas em rodinhas masculinas chegam a dar nauseas. Penso também nas pessoas ao meu redor. Com tantos relatos semelhantes, quantas mulheres ao meu redor - no serviço, na faculdade, na família - não passaram por algo semelhante e não contam? Quantos homens próximos - amigos, parentes, companheiros de trabalho - já tiraram a máscara de bom moço para mostrar as garras nojentas do machismo?

Que mundo de m****!

Mirella disse...

guest poster.

Olha, foda.
Que bom que pelo menos você tenha conseguido alívio ao dividir a sua história.

E se você está dizendo que é gay por ser gay, é e ponto. Ser gay não é uma resposta a algum trauma, é apenas mais uma orientação sexual. Infelizmente algumas pessoas precisam acreditar que existe um motivo para você "ter se tornado" gay e que sendo assim, não é tão ruim. Não é como se você fosse gay, você só passou por algo que te tornou assim, então você pode voltar a ser hetero. É ridículo, eu sei. Mas o importante é você se sentir bem consigo mesma.

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Anonimo das 23:40


Se você tem tanta certeza das suas convicções, por que posta como anônimo?
Tenha coragem de assinar o que diz antes de querer cobrar os outros.

Anônimo disse...

Muito triste com esse relato. Mas aliviada por você ter ao lado uma pessoa que te apoia e conforta.
E sim, é muito importante contar o que aconteceu; Não muda o passado, mas alivia a dor do presente.
Força, L. Você não está sozinha.

Bruna B.

Unknown disse...

Meu Deus... quando leio essas histórias me sinto lançado em um filme de terror... não sei se por ser homem ou por ter tido sorte de ter uma boa família (e olha que a minha não é das melhores, com meu pai nos abandonando quando éramos apenas uma mulher com quatro criamças)...enfim, fico perplexo com esse mundo, nunca vou me acostumar com isso.

Bruno de Almeida Silva

Anônimo disse...

Já fui abusada diversas vezes, em diferentes etapas da minha vida. E nunca consegui ter uma reação de "gritar", "correr" ou "contar" para alguém o que se passava comigo.
Lembro de quando morava em uma casa de dois andares, e no andar de cima moravam meus primos (3). Quem tomava conta de mim era minha avó, então todos brincávamos juntos. E me lembro de entrarmos num quarto escuro e todos eles brincarem de "médico" comigo. Eu devia ter entre 4 a 5 anos.
Depois me mudei p/ outro estado, e nesse lugar minha mãe foi morar na roça e me deixou morando c/ minha tia/tio (q tinham 2 filhas). Essa minha tia tem um irmão bem mais novo (na época ele devia ter uns 17-19 anos) e lembro que ele ia quase todos os dias brincar c/ a gente. E ele me fazia sentar no colo dele p/ jogar baralho, e nisso ele colocava a mão dele dentro da minha calcinha e me bolinava (eu devia ter entre 6-7 anos). Em outra oportunidade, lembro de irmos a casa dele (mãe da minha tia), e nesse dia me levou p/ o quarto e tentou me penetrar (e acho q conseguiu, pq eu sentia muita dor).
Em outra época (agora já adolescente, devia estar c/ 15/16 anos), fui fazer aula de informática (estava começando o boom dos computadores). E o professor sempre que podia passava as mãos no meus seios ou no meio das minhas pernas.

Eu sempre fui retraída, as pessoas me achavam tímida demais, muitas diziam que eu tinha uma depressão incurável, que eu não gostava de convivência.... Uma coisa que sempre me recordo, é que tinha vários pesadelos em que não conseguia correr/gritar/falar). Mas sei que isso era um reflexo do que eu passava, e só hoje consigo entender.

Eu nunca contei isso p/ ninguém, mesmo hoje c/ 35 não consigo falar disso c/ minha mãe/pai.

Meu pai foi fruto de um estupro. Minha avó foi estuprada sistematicamente pelo pai dos 9 ao 16 anos quando engravidou.

Meu esposo foi abusado pela prima também quando tinha uns 9/10 anos.

Não é fácil p/ mim falar disso aqui, fico até hoje c/ um nó na garganta quando me lembro. Mas esse blog me ajudou muito com isso. Hoje consigo ver que não foi a errada, que não fui a culpada.

L disse...

Muito obrigada por todos os comentários, fiquei feliz pois me reconfortaram e ao mesmo bateu uma tristeza de ler outros relatos semelhantes, mas quando eu decidi escreve-lo, tinha certeza de que eu não seria a única. Talvez fosse uma boa idéia pensar em um espaço na internet (de inicio) para que as pessoas possam compartilhar suas histórias, porque é incrível como realmente faz bem. E como disse, já superei a culpa pelo que aconteceu comigo, mas o que mais me pegou foi a minha omissão quando eu sabia que havia outra menina passando pelo que passei. E quanto a minha homossexualidade, não me importam os motivos pois isso não é um problema para mim. Só fiquei irritada com a reação da minha mãe pois em nenhum momento ela pareceu se preocupar com o que realmente aconteceu comigo, se preocupou somente em achar um "estopim" para a minha homossexualidade. Mais uma vez, obrigada pelos comentários.

Thaís disse...

Você não é culpada, acredite. Todos devem te falar isso, mas você não estava ciente do que estava acontecendo de fato. Você não sabia o quão errado era, você apenas tinha um palpite. Você era uma criança que se sentia culpada, não se preocupe, querida. Desejo tudo de bom pra você e para sua namorada :)

Nath disse...

Eu também sou uma vítima.

Aos 26 anos me lembrei do abuso. Eu tinha 5 anos, meu primo 16. Lembrava apenas que ele colocava a minha mão em seus pênis e se masturbava, eu sentia aquele negócio estranho e peludo. Fim. Ali acabou minha memória. Dois anos depois, agora, a memória me prega uma peça. Faço terapia há 2 anos e meio e ultimamente tenho passado por um período depressivo mas já estava melhorando. Então, veio e lembrança um sentimento de vulnerabilidade ao estar deitada na cama. No mesmo momento, veio na minha cabeça esse problema que tenho com a minha sexualidade. E por fim, a imagem desse meu primo. Aquilo me deixou encanada, eu não sabia o que era. No dia seguinte fiquei pesquisando sobre o assunto, apavorada, tentando me lembrar de alguma coisa. Ao falar com duas amigas do trabalho, uma acaba falando que poderia ser invenção da minha cabeça, que era pra eu esquecer. Chegando em casa faço esforço, choro, tem algo errado. Então lembrei de um dia em que minha mãe ia me deixar lá com este primo, por um momento eu senti que não queria ficar com ele, mas eu sentia um frio na barriga que era gostoso qdo ficávamos sozinhos. Era isso. Ele se masturbava colocando minha mão no pênis dele, e me masturbava. Pq ele fez isso comigo??? Que Deus é esse que permite que a sua inocência seja roubada desta forma? E passar uma vida toda reprimindo essa lembrança, reprimindo o meu prazer, pq sempre senti nojo e culpa. Me sentia suja. Eu sempre senti vontade de sumir, eu sempre senti este ódio, nojo e culpa... E hoje eu sei pq. E por mais que este sentimento me invada... Eu agora sei que não estou sozinha. Minhas duas amigas do trabalho tmb foram abusadas. Leio todos os comentários e... Muitas aqui já foram... E eu quero superar isso. Quero ser forte, por mais que hoje eu só consiga sentir dor.

Obrigada Lola. Graças a vc eu conheci o feminismo. Hj sei que não foi à toa.

Anônimo disse...

A única coisa que me alivia é saber que o que eu sofri (eu ainda não sei lidar com isso: tentava minimizar o abuso ou não dar importância para a lembrança) não aconteceu só comigo. Minha inocência era tão grande que continuava a frequentar a casa dele. Ele era um cineasta e eu aprendi a colocar filmes no projetor, participava de filmagens, sabia recortar e colar filmes, aprendi a revelar fotografias muito cedo na minha vida. Engraçado é o fato de não me lembrar de quantos anos, exatamente, eu tinha nesta época. Lembro de que o cineasta fez o filme "o mundo de anônimo júnior" e um curta sobre o "casqueiro" que foi feito nos mangues de Cubatão. O engraçado é que não consigo descrever o que deveria ser o mais importante: como um homem envolvido com arte e cultura, era um pedófilo e como eu (juro por Deus) ainda não fico chocada com isso

Anônimo disse...

O todxs, parabéns Lola pelo blog. Vejo que a maioria dos comentários são de meninas.

Eu sou homem e quero parabenizar (e agradecer) vocês todas por contar as histórias e acrescentar que conheço vários casos na família (com meninas e meninos), e o padrão é quase sempre o mesmo: o abusador é alguém do convívio familiar "confiável", outréns que não acreditam e sequer dão ouvidos ao que dizem as crianças. Primos, tios, padastros, padres, pessoas de confiança dos pastores e padres, etc. tive uma ex-namorada que recentemente me confessou abuso sofrido dentro da igreja (o padre acobertou, mandou o abusador sumir por uns tempos).

Ainda bem que até artistas do mundo do cinema estão denunciando. E esses relatos de vocês começaram em 2012.

Depois da denuncia contra o ator famoso da globo, senti que foi um momento de grande impacto histórico. Isso precisa mudar, as universidades estão fazendo campanhas, mas as igrejas são silenciosas (o papa Francisco fez um comentário que a igreja é um reflexo da sociedade, é verdade padres são seres humanos, mas ficou nisso, precisa de educação sexual nos conventos e seminários, precisa de aulas de direitos humanos em especial o das crianças), não dão instruções e mais agora o congresso conservador (de 2018 e o próximo de 2019) querem implementar escola sem partido e não permitir educação sexual nas escolas.

Eu tive educação sexual na escola em 1982. Achei ótimo, aprendi cedo que não devia abusar de ninguém e nem deixar ser abusado. Hoje em dia dou instruções para meus irmãos e irmãs (que são pais, tios avós, tenho sobrinha que é homo) e ajudo a prestar atenção. Uma irmã separou do marido por conta de comportamentos dessa natureza com sobrinhas. Isso vai mudar e o relato de vocês é essencial para isso.
Muito bom a forma madura e segura com que o Blog trata disso. Foi uma escola ver os relatos de vocês! E me emociona, pois valorizo a vida, valorizo a simplicidade das crianças, como elas aprendem tudo que ensinamos, é uma responsabilidade com a humanidade que é muito grande, muito importante e forte!