segunda-feira, 24 de julho de 2023

SÉRIE DOCUMENTAL RECONSTROI O MASSACRE DO REALENGO

Só anteontem entendi por que andava recebendo emails dizendo que, como eu era alvo de muitos ataques, ele, um anônimo, estava mandando um vídeo dele brincando com a filha. Lógico que não abri o vídeo, que tem 95% de chance de conter pornografia infantil e 100% de chance de passar vírus pro meu computador.

Então, mas por que essa novidade? Por causa do documentário Massacre na Escola: A Tragédia das Meninas de Realengo, lançado na HBO há alguns dias. Mascus devem ter visto ou ouviram falar do doc (na realidade, uma série com quatro episódios de cerca de 47 minutos cada), notaram que eu apareço bastante nele, e decidiram, mais uma vez, me atacar. Não que tivessem parado. Como disse minha advogada do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (do qual faço parte desde 2016), nos últimos doze anos eu nunca fiquei mais de três semanas sem receber alguma ameaça. 

Em julho do ano passado, viajei até o Rio para ser entrevistada pela equipe do documentário. Foi uma longa conversa, mais de quatro horas. E sábado eu vi a série dirigida por Bianca Lenti, e gostei muito. Faz uma reconstrução marcante do massacre de abril de 2011 numa escola em Realengo, periferia do Rio, que fez doze vítimas fatais (10 meninas e 2 meninos, todos com idade entre 12 e 14 anos). É o maior massacre escolar no Brasil. 

Como em 2011 eu já monitorava alguns fóruns e comunidades mascus, pude acompanhar em tempo real a reação deles. Eles celebraram o ataque, reconheceram o atirador como um dos seus, e ficaram com medo de alguma investigação da Polícia Federal, tanto que vários blogs fecharam no dia seguinte ao massacre. O autor do maior deles, inclusive, desapareceu sem dar qualquer explicação aos seus leitores. 

Eu e outras feministas, como a professora de História Valéria Fernandes, questionamos por que a mídia não estava tratando o massacre como um feminicídio. Afinal, parecia evidente que o atirador invadiu a escola onde havia estudado anos atrás para matar meninas. Alguns sobreviventes testemunharam que ele atirava nos meninos pra ferir, e nas meninas, pra matar, mas a imprensa nem cogitou a motivação da misoginia. 

O documentário entrevista diversas vítimas. Por exemplo, Thaylane, que levou três tiros e ficou paraplégica, conta que o atirador disse a ela: "você vai morrer por que é muito bonitinha". Ela ressalta que ele atirava nas meninas na cabeça, e nos meninos, nos braços e pernas. Outro sobrevivente, Alan, diz o mesmo. Apesar de ter recebido três tiros, Alan conseguiu correr e chamar um policial, o então sargento (hoje subtenente) Alves, que foi um herói ao balear o assassino e assim impedi-lo de matar mais gente. Alves não crê que o atirador matou mais meninas de propósito. Para ele, algumas meninas se abraçaram em vez de fugir.

O doc é muito completo e perspicaz. Eu pessoalmente tiraria o trecho em que o pai de uma sobrevivente, Luiza, diz que ainda não caiu a ficha pra ela do que realmente aconteceu. E colocaria alguma coisa sobre a homenagem às vítimas, que é uma história interessante e bonita. 

Pra quem não sabe, em 2015 foi inaugurado um monumento numa praça nos fundos da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo. Construído a pedido das famílias das vítimas, o memorial mostra os onze adolescentes que foram mortos. Os familiares de uma das doze vítimas não quiseram que sua filha fosse reproduzida em bronze, então os criadores do monumento puseram uma borboleta para representá-la. Na inauguração, a mãe de Luiza Paula, que tinha 14 anos quando foi assassinada, discursou que o memorial deve ser visto como um pedido de paz, em vez de algo que lembre dor e sofrimento. Nas estátuas, as vítimas estão sorrindo e em movimento.

Algo que achei muito bacana é que o documentário fala da Lei Lola no quarto episódio. O delegado Flavio Setti (responsável pela Operação Bravata, em 2018) diz: "Sem dúvida a Lei Lola trouxe um ganho pras investigações, principalmente trazendo a possibilidade que a Polícia Federal possa intervir, possa atuar de forma direta em investigações que têm por foco a condição de mulher por si só, então quando essa condição é atacada, a PF tem a possibilidade de agir. Essa é uma coisa que antes não existia". Fiquei feliz ao ouvir isso.

Porém, infelizmente um bocado de gente está falando do documentário por outro motivo. É que no episódio 3 um dos entrevistados, o consultor educacional Ricardo Chagas, associa o massacre a videogames e cita o canal de games do Core (eu nunca havia ouvido falar de nenhum dos dois) como um prato cheio para aliciadores (veja neste post do Tecmundo). Na quinta, Core fez um vídeo de 20 minutos para afirmar que o documentário está tentando destruir sua vida e que seu canal não é para crianças, e Ricardo fez uma live de 30 minutos se mostrando bem arrogante. A Valéria, que sabe tudo de games e animes, escreveu sobre essa treta.

Eu acho que o documentário errou em dar tanta voz ao consultor, que no seu perfil no Instagram parece ser um daqueles cristãos de extrema-direita que culpam os games e a mídia em geral pela "destruição da família". No documentário boa parte de suas declarações até são coerentes, mas no Instagram ele faz campanha contra a Disney por incluir um personagem LGBT numa animação. Enfim. No mínimo, o doc deveria ter editado a fala de Ricardo para que ele não mencionasse um canal em particular. Se ele só tivesse dito que canais de games e desenhos são um prato cheio para aliciadores, evitaria essa confusão toda (que pode até render processo). 

O documentário no final, além de informar como denunciar ameaças a escolas (pelo número 100, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e pelo site gov.br/escolasegura), explica que "eventuais opiniões de entrevistados não devem ser interpretadas como opiniões da WBD ou da Giros Filmes" (os produtores e realizadores da série). 

Espero que vocês possam assistir ao doc e me contar o que acharam. A opinião de mascus e demais apoiadores e perpetuadores de massacres não me importa.

22 comentários:

Luise Mior disse...

Parabéns pela tua participação lúcida no doc querida Lola. Infelizmente,é um erro dar voz para esses reacionários culturais que querem atribuir aos videogames violentos a prática de ações violentas. Espero que o Core processe mesmo esse reaça e a equipe que permitiu este ato ilícito no doc. Abraços

Valéria Fernandes disse...

Bem, Lola, não fosse esse sujeito, o doc seria quase perfeito. Digo quase, porque o Alan levantou algo importante, houve outros sobreviventes, cita por nome um professor que manteve seus alunos à salvo durante o atentado e ele nunca é citado. Sua participação foi uma das melhores partes, aliás.

Agora, infelizmente, para muitos o documentário será lembrado pelas falas infelizes do tal especialista para um bom número de pessoas e colocou em dúvida a idoneidade do Core. E eu também não o conhecia, games não é minha área, não. Conheço algumas coisas mais pela minha filha, inclusive, lembrei que ela deve ter assistido um ou mais vídeos do Core.

Monique França disse...

É gratificante saber que esse assunto está sendo trazido a luz e sendo debatido pelo sociedade.

titia disse...

Parabéns, Lola. O documenário é necessário para denunciar os canalhas dos incels, redpills e mascus psicopatas que estão aí só pra matar e agredir mulheres e meninas. Mas que bola fora dar espaço prum "coach" idiotizado por fanatismo religioso caluniar o Core. Que venha processo com tudo no rabo desse infeliz.

Anônimo disse...

Eu fiquei puto por causa do que o babaca falou do Core. Isso pode render processo.

Anônimo disse...

Quando o cara eh muito nervoso ele vai achar que o bullying eh culpa das mulheres . Os masculinistas que inventaram essa história toda . No meu tempo de ser revoltado nos anos 2000 o ódio era direcionado contra homens. Não havia os blogs tipo the truth e Silvio ainda

Anônimo disse...

O tal consultor em educação parece não ter nenhuma formação nessa área de educação. Quem deu esse título a ele?

Rosenil Barros Orfão disse...

Muito pedagógica sua abordagem. Chamar a assistir o documentário ou o documentário permitir encontrar o 'blog Lola, escreva' foi muito legal. Esta é uma das coisas boas deste mundo digital. A gente pode encontrar pessoas e lutas, lutas e pessoas e tentar engrenar uma esperança, articular uma ação e sair por ai com irreverência e rebeldia, inconformado, numa paz inquieta que possa nos mover e nos colocar a pensar e agir. Salve!!

Alan Alriga disse...

Valéria o canal do Core não é para crianças, pois o canal dele fala sobre jogos de terror (+14).

Alan Alriga disse...

Parabéns Lolinha por ser reconhecida pela sua importância, pela luta contra o machismo.
E sobre o Core, eu não conhecia e só fiquei sabendo disso ontem quando vi um vídeo do Luva (canal LubaTV), reagindo ao vídeo do Core. E pelo o que eu vi fiquei sabendo pelo Facebook, têm muitos perfis do twitter que estão casando provas contra o Ricardo para ajudar no processo do Core contra ele e a HBO, pois pelo o que estão falando, parece que esse Ricardo já persegue o canal do Core faz tempo (como eu não tenho Twitter, não têm como eu ir atrás de links, mas se você pesquisar sobre Core no twitter, vão aparecer muitos perfis compartilhando o longo fio de "provas").

Alan Alriga disse...

O documentário está famoso só por causa do Ricardo associando o crime ao canal do Core, e não por mostrar a realidade do mundo digital.
Olhem os vídeos 👇

https://youtu.be/OuWDasDrE90

https://youtu.be/9TaITQxPXQM

https://youtu.be/qEBRrL2GQ_Q

E o tal do Ricardo já foi atacar o canal Professor Dark (o professor do título é pelo fato dele realmente ser professor)

https://youtu.be/p3_Mzi871eE

E fora esses vídeos, têm literalmente dezenas e mais dezenas de canais fazendo vídeos falando mau do documentário, só por causa do Ricardo. E também já está rolando do pessoal se juntando e fazendo um baixo assinado para derrubar o documentário, por causa do Ricardo.

Anônimo disse...

a) Lola sou sua fã vou ver o documentário eu amo seu blog

Anônimo disse...

https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2023/07/25/governo-diz-que-vai-retomar-educacao-sexual-e-prevencao-a-dsts-no-programa-saude-na-escola.ghtml

a) Olha que boa noticia Lola

b) Ano que vem tem eleições vamos eleger vereadoras progressistas dos partidos PT Psol PC do B e etc que defendam educação sexual nas escolas urgente a ignorância beneficia os coletivos feministas são excelentes alternativas

Anônimo disse...

a) Lola sou sua fã amo seu blog

b) E incrivel como podemos perceber o machismo da sociedade nos realitys shows. O ex marido da cantora Preta Gil a abandonou com cancer bem doente agora recebeu um convite para participar do reality a Fazenda ( Parece que foi desconvidado) eles temem repercussão negativa mas e incrivel que pensaram em chama lo o bom comportamento moral somente atinge mulheres

Anônimo disse...

https://www.intercept.com.br/2023/07/27/juiza-diz-mulher-pode-apanhar-do-marido-mas-ele-ser-excelente-pai/

a) Precisamos eleger vereadoras feministas que lutem pelos nossos direitos

Anônimo disse...

Querida Lola, tudo bem? Você viu que o Marcelo Valle Silveira Mello acabou de ser absolvido no processo por ameaça e racismo por preconceito de origem regional (xenofobia contra nordestinos) pela Justiça do Distrito Federal? Seu partido político está com uma moral muito baixa. Beijinho amiga. Te adoro!

Anônimo disse...

https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://mulherespormaisdireitos.com.br/acompanhe/&ved=2ahUKEwjU8NausLSAAxVrqpUCHVZ9BJsQFnoECB8QAQ&usg=AOvVaw0rsMJqzSn1SyFq662Gr3r_

A) Lola olha que absurdo mesmo com todas as denúncias contra a familia Klein por abusos sexuais a cidade de São Caetano do Sul segue homenageando os abusadores ate com nome de rua a deputada federal Samia Bomfim e o coletivo mulheres por + direitos seguem lutando contra este absurdo

titia disse...

18:40 perdeu, mané, não amola.

E o Marmelo vai continuar preso.

Vai lavar a louça ou as suas cuecas freadas.

Mascu ridículo.

Luise Mior disse...

Querida Lola, só para avisar que mandei email hoje de manhã, se você puder procurar e responder eu agradeço. Abraços

Anônimo disse...

Não sabia do doc, já quero ver. E um dia quero ver o memorial ao vivo. Agora esse é um assunto que entrou nas nossas vidas, já que entramos para o triste grupo de países que tem massacres escolares. Uma pena terem se fixado nessa ideia de que eles seriam causados por games. Prova de que falta conhecimento e investigação séria sobre o assunto.

Anônimo disse...

Tanto falam em saúde mental hoje em dia, mas ja viram quantas mulheres sao estupradas em hospicios? e isso não da nada, nunca vão prender os enfermeiros

Debora disse...

Você conseguiu tirar as mãos e a boca das bolas do Marcelo pra digitar essa merda?