segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

ASSÉDIO NO CINEMA

Minha mãe, no começo da década de 90, foi ao Cine Belas Artes, em SP, para ver um filme dividido em três sessões, já que dura mais de 15 horas: Berlin Alexanderplatz, do Fassbinder. Ela foi sozinha. Voltou incomodada -- um cara tinha se sentado do lado dela pra se masturbar. Ela não podia acreditar que alguém conseguiria se excitar com um filme deprê num cinema de arte.

Comigo aconteceu também, no final da década de 80. Eu fui ver Era uma Vez na América, do Sergio Leone, num cinema da Consolação. Como o filme é muito longo (4 horas) e era um dia da semana (começava às 8 da noite e acabava à meia noite, se não me engano), não consegui ninguém pra me acompanhar. Teve pelo menos três completos desconhecidos que sentaram ao meu lado (um de cada vez) porque, pra eles, mulher sozinha é de ninguém. Eu trocava de lugar e deixava claro que estava lá pra ver um filme, mas quem disse que eles se importam?

Já faz vários anos, uma leitora contou que um sujeito foi se sentar ao lado da irmã adolescente dela pra se masturbar. A irmã não deixou barato: se levantou e começou a gritar "Tem um tarado aqui!" O asqueroso foi embora rapidinho. 

Acho que muitas mulheres já passaram por isso, e as reações variam. A Kasturba, por exemplo, deixou um comentário instigante no post da Amanda. Creio que a atitude mais coerente é mesmo a da irmã adolescente. A gente não pode facilitar. Eu digo "facilitar" no sentido desses otários acharem que somos um buffet à disposição, e que o máximo que pode acontecer é a gente ficar com medo e vergonha e trocar de lugar. Conta aí, Kasturba querida!

Uma vez fui num cinema com dois amigos. Um homem velho sentou ao meu lado. Em algum momento no meio do filme senti algo passando pela lateral da minha coxa (eu estava de vestido), como se fosse o dedo do velho. Olhei e não vi nada. Pensei em pedir pra um dos amigos trocar de lugar comigo, mas fiquei constrangida, pois não tinha certeza se realmente havia acontecido ou era impressão minha... fiquei quieta. Um tempo depois, senti novamente e levei rapidamente minha mão à perna, e ainda pude tocar na mão do velho que, assustado, tirou a mão. Fiquei paralisada. Sem reação. Não sabia o que fazer. Alguns segundos depois o velho se levantou e foi embora, no meio da sessão. 

Passei o resto do filme pensando naquilo. Com raiva, com medo, com nojo, engasgada... pensando por que não segurei a mão do velho e fiz um escândalo? Por que não dei um tapa nele ali no meio do cinema mesmo? Por que fiquei paralisada, como se eu tivesse feito algo de errado? Não contei o episódio pra ninguém (nem pros amigos que foram comigo ao cinema) e por um tempo me sentia culpada até por isso: como se eu e aquele velho que eu nem sabia o rosto direito tivéssemos um "segredinho sujo". E só consigo pensar: se eu me senti tão mal por causa do dedo de um velho deslizando delicadamente na minha perna numa sala de cinema, um gesto que se não fosse intencional, nem teria me incomodado, quão triste e revoltante e nojento e desesperador não deve ser pra uma mulher que sofre um estupro... Deve ser um misto de emoções realmente insuportável... e não ser acolhida por quem deveria fazê-lo deve trazer a maior experiência de solidão possível. A todas que infelizmente passaram por isso: sinto muito...

6 comentários:

Anônimo disse...

Oi Lola no cinema nunca me aconteceu nada do tipo. Mas quando era criança estava sentada na calçada em frente a minha casa e com a visão períférica percebi que tinha um homem atrás de mim e quando me virei completamente ele estava se masturbando. Eu saí correndo e entrei em casa e não tive coragem de contar essa história para meus pais/irmão. Fogo, né? Até hoje me arrependo de não ter feito nada, deveria, no mínimo, ter feito um escândalo.

kay wilbury disse...

Digo sem medo de errar: não há uma mulher no mundo que não carregue guardada uma história de assédio e abuso, de todo tipo.

titia disse...

No cinema nunca aconteceu comigo... acho que é porque eu tenho cara de poucos amigos, hahahaha. E também sempre sento longe de todo mundo, os assediadores percebem que eu me levantaria e iria embora na hora que alguém sentasse ao meu lado. Mas um cara já se esfregou no meu braço no ônibus... empurrei pra longe, na segunda vez empurrei com mais força e ele deu um chilique mandando que, se eu quisesse andar sem ninguém encostar, que andasse de táxi. Então saiu de perto. Engraçado que teve que ir pro lado de um macho, e não encostou nem um centímetro no cara... Queria ter feito um escândalo ou dado uma cotovelada daquelas no saco dele, mas tive que me contentar em olhar pro babaca com cara de nada, sem nem uma ruga de preocupação com o escândalo dele, com aquele ar de quem sabe que está certa. Espero que tenha apanhado em algum outro ônibus.

Anônimo disse...

a) Lola sou cada vez mais sua fã.

b) Vc viu a brasileira ativista negra que ganhou o Miss Alemanha ? Outra boa notícia foram as colombianas que conseguiram o direito ao aborto.

c) Não podemos esquecer que este ano temos eleições e não basta eleger um presidente progressistas devemos eleger um congresso progressista para auxiliar o presidente. Vamos eleger deputados federais e senadores progressistas dos partidos PT Psol PC do B e etc

Paula disse...


b) Vc viu a brasileira ativista negra que ganhou o Miss Alemanha ? Outra boa notícia foram as colombianas que conseguiram o direito ao aborto.

O que tem de bom em concurso de beleza?
Vi que dizem que esse concurso não está mais focado só em beleza. Mas dá no mesmo. Mulheres sendo julgadas pela aparência e agora por valores e empoderamento...
E as que perdem, agora além de não serem consideradas tão bonitas, não vão se sentir empoderadas o suficiente e nem com valores suficientes.
Nem sei que valores são esses.

Anônimo disse...

Titia

Todo assediador, estuprador é um covarde, medroso quando está sozinho, sem a companhia e apoio de quem acoberta, é conivente. Menciono por experiência própria, pois certa vez não fui a uma viagem porque em uma outra anterior com o mesmo grupo de amigos, um deles passou a mão em mim quando foi a minha vez de arrumar a cozinha, fez quando a maioria tinha saído para ir a praia a noite, uns estavam dormindo e outros a jogar xadrez na casa, eu não reclamei na hora, só falei um monte para o cara e no outro dia peguei o ônibus para voltar para casa, perdi um passeio legal e com a semana paga em Parati/RJ por causa de um bosta, quando não aceitei o convite deste mesmo grupo uma amiga questionou porque e eu confessei para ela o ocorrido, ela viajou desta vez e eu não, fiquei surpresa quando ela contou que o tal sujeito foi e algumas pessoas estranharam minha ausência, foi a hora que o figura começou a suar e ela contou a todos; resultado: devolveram o dinheiro dele e pediram para se hospedar ou alugar outro lugar. Outro foi quando um sujeito que abusou ou estuprou uma moça em um evento que fui, questionei, mas o sujeito estava entre protetores(as) e não deu em nada, tive o desprazer de reencontrar a criatura quando fazia exercícios em um parque, mas ele estava a trabalho como jardineiro no local, quando me viu e por perto estavam várias pessoas desconhecidas, GCM, saiu às pressas e outro finalizou o serviço, eu continuei meus exercícios e quando olhei para o portão o indivíduo corria em direção a saída do parque e olhava para trás.