quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

GUEST POST: POR QUE MUITAS MULHERES QUE SÃO ESTUPRADAS SE SUICIDAM?

Em dezembro fiquei sabendo de dois casos recentes de mulheres jovens que foram estupradas, denunciaram, e cometeram suicídio pouco depois. Dois casos tristíssimos e revoltantes. 

A Amanda fez comentários muito pertinentes no Twitter e eu pedi pra ela contar a sua história. Aqui vai. Com muitos alertas de gatilho.

Há um motivo para que muitas vítimas de estupro ou pornografia da vingança atentem contra a própria vida, e muitas vezes conseguem se matar. Por que será que vítimas de violência sexual cujos autores são homens, fato de conhecimento de toda a sociedade, mesmo assim escolhem tirar suas próprias vidas?

Vocês conseguem sentir o que uma vítima sente? As coisas que acontecem em decorrência dessa violência? Vou tentar fazer vocês sentirem.

São coisas que ocorreram comigo ao longo da vida, com amigas, vítimas, autores, testemunhas, mães, pais, amigos das vítimas, que já atendi e/ou vi meus colegas atendendo. Sabe o que acontece?

Você, seja homem ou mulher, cis ou trans, é a vítima, e coisas como as descritas abaixo ocorrem com você:

"Quem anda com porcos come farelo", eles dizem.

Você se vê sem saída. 

Ou trabalha engolindo isso tudo, e fingindo ser forte, chorando escondido, evitando as pessoas para não ver elas felizes, sorridentes e se divertindo sem você. E ninguém querendo saber da sua existência, pelo visto. 

Ou sai do serviço e fica à mercê da vida, sem nada assegurado. 

Em casa, quando a mulher acusa um homem, a sua família costuma duvidar. Acha que é dor de cotovelo. De novo, oportunista. Conhecidos comentam que ela é promíscua. "Aprendeu com a mãe", dizem. Ou algo do tipo. Ou pior: "o sangue de vadia corre por suas veias".

É um caminho doloroso e totalmente solitário. 

Não tem essa de ninguém solta a mão de ninguém. 

Nem mesmo as mulheres ativas feministas fazem questão de te abraçar, deputadas, etc. 

A única que eu vi ajudar mesmo num caso foi a Áurea Carolina. Única. E todas as deputadas e deputados foram procurados.

Pensa: até politicamente com ativistas não se consegue auxílio. Como conseguir denunciar?

Para levar adiante a sua denúncia, já sabendo que o autor vai mover mundos e fundos para invalidar a sua acusação, vai ter que gastar com advogados, para conseguir ser respeitada. 

Ops, às vezes nem assim. Que o diga a Mariana Ferrer.

E como vai conseguir apresentar provas? A polícia vai pedir. E nem sempre é desconfiando de vítima, é tentando deixar a denúncia dela robusta para o indiciamento do autor.

Na justiça, a defesa do autor vai cobrar essas provas. Vai alegar que não existem.

Provas de um coito violento e não autorizado.

Muitas vítimas só denunciam muito tempo depois. 

Algumas têm medo de denunciar e não o fazem. Quem faz a denuncia são amigos.

Mas espera!

E os casos de estupro sem o coito? Homens lhe agarrando e forçando você a ficar parada enquanto ele se esfrega em você.

Imagine então que mesmo diante daquele desespero, o seu corpo começa a lubrificar. 

Você sente seu corpo respondendo sexualmente àquele ato.

"Eu sou uma vagabunda", você dirá a si mesma, "eu estou gostando disso?".

A culpa.

O choro envergonhado.

As pessoas comentam:

Ela anda igual uma vadia e agora está reclamando?

Ela dá para todos, ninguém precisa estuprar.

Uma vez ouvi um menor infrator cuja vítima, também menor, disse que ele a prendeu no quarto dele, e ela não teve reação. Alguém chegou e viu, e foi quando ela conseguiu se desvencilhar e fugir.

Ela realmente foi por livre vontade lá. E a vítima contou várias coisas que não eram verdade, e sem nexo algum, com medo de dizer a verdade. Que era apaixonada pelo rapaz, ele a chamou, ela tinha 14 anos, não esperava mais nada, ele tinha 17. Ele foi pra cima dela. Ela se assustou. Não que ela não quisesse, mas ficou com receio, não sabia o que era sexo. "Eu nem me depilei, ele vai achar minha perereca feia", pensa.

E ele a forçou, nessa confusão toda na cabecinha dela. Falava coisas como se ela estivesse gostando daquela violência. Ela ficou sem reação. Deitada na cama, não se moveu.

Ele tenta fazer ela chupar o pau dele. Ela não tem reação. Está olhando pro nada. "O que meus pais dirão?", "Por que ele está me tratando como um lixo?"...

E sabe o que o rapaz me falou?

Que nunca que ele pegaria a vítima. Que ela era muito feia. Gorda. Fedorenta. Zuada por todos da rua. "Imagina se o meu pau ia subir pra ela?", ele debocha.

Ele me mostra fotos das meninas com quem sai. 

Muitos policiais acham que ele tem razão.

Ali eu tive certeza que era verdade o que a vítima dizia. 

Homem quando é exposto começa a difamar a vítima e mostrar que não se importa com ela, ela que fica atrás dele. 

Sempre.

Para piorar o absurdo do estupro, ela foi humilhada. E não satisfeito, todos seus vizinhos, colegas de escola e da rua onde mora, falavam dela.

Ela ia na padaria, percebia pessoas olhando para ele comentando algo umas com as outras.

Ao sair da padaria, um rapaz que estava na porta fumando grita "Essa é a gorda que fala que foi comida e tem pelo nas costas?"... Outros riem.

Então imagine você tentando provar o que ocorreu.

Primeira coisa. Exames.

Vão averiguar sua vagina, vulva e ânus. Colher líquidos. Identificar se é esperma e depois a quem ele pertence.

Se passou o tempo, não tem como.

Seu pai vai te evitar.

Agora todos estão falando de como você é vagabunda e ainda tenta acusar o homem trabalhador. Pai de família. Que todos adoram.

Aí você tem a ideia de procurar em arquivos, ter que resgatar backups de redes sociais…Perde tempo e dinheiro.

A vergonha, a solidão, a tristeza. Não passam.

Como sair de casa?

Como ficar em casa sendo julgada pela família?

Enquanto isso você sente que não consegue que acreditem em você e sente diariamente o seu corpo estuprado.

Tudo aquilo de novo.

Fica tentando se convencer que realmente foi vítima.

"Será que eu ter levantado a perna para tentar sair fez ele querer mais?"

"E o dia que eu mandei mensagem chamando para sair? Ele vai usar contra mim"

"Como eu não vi que ele era assim?"

"Eu tenho o dedo podre".

Eu sempre me perguntei POR QUAL MOTIVO ESSES HOMENS TINHAM CORAGEM SUFICIENTE DE FAZER ISSO COMIGO? Qual sinal eu dava para deixá-los tão a vontade para me agarrarem em plena luz do dia dentro de uma delegacia, sendo meu colega de trabalho?

E como você vai conversar sobre isso com os seus pais? 

Será que eles vão acreditar que você é inocente e nada fez?

Que não provocou. Nada?

E se eu tiver provocado?

Nossa, eu estava bonita, jogando charme e, não sei, talvez aquela calça modeladora era muito insinuante…

"Quando a Nzr me perguntou se eu achava o Dr Slv bonito, eu respondi que sim. Foi por isso… a culpa é minha"... E isso foi dito mais por constrangimento porque a Nzr era amiga do Dr. Slv.

Se você não denuncia, vai se recordar por 14 anos as vezes que foi agarrada.

"Ah, eu joguei a toalha no ombro. Por isso ele me pressionou na parede e começou a beijar meu pescoço e passar as mãos em mim."

"E olha lá a foto dele com a esposa e filha recém nascida. Vou acusar ele? Quem vai acreditar em mim?"

E agora não tem mais como comprovar. 

Então conta sentindo como aquilo te deixa com vergonha de si. 

Que não gritou. 

Que não avisou. 

Por que não disse NÃO?

Por que não lutou mais?

Por que não aprontou um escândalo, se desvencilhou e correu?

E quando denunciou uma outra vez? E as pessoas questionaram a veracidade. "Não creio, ele é tão de boa!!!"...

Pronto.

Todos sabem!

E você conta sua história porque essa dor não sai. Te machuca. Te faz desconfiar de todo mundo.

Os homens que você flerta começam a se afastar.

"Ela fala demais, ela conta as coisas, ela deve ter inventado porque o cara não quis mais". 

Os chefes ficam preocupados: "Será que ela vai armar pra mim?".

Em nenhuma hipótese, denunciando ou não, vai ser bom para você.

Pessoas que você achava ser suas amigas não vão fazer absolutamente nada. E vão dizer "eu tenho meus problemas também". E nunca mais vão te procurar. E em reuniões chamarão qualquer um, menos você.

Na família as esposas ficarão sempre te olhando com rabo de olho.

E os maridos delas vão te procurar mesmo, querendo uma foda, uma saída diferente. 

"O casamento tá ruim".

Você pensa: porra, por que eles acham que podem falar isso comigo? Será que eles acham que eu vou dizer que quero e amei?

E em 2010?

A moça linda e maravilhosa que acusou o moço que conheceu de estupro. Quem conversou com ela foi um colega do trabalho. Depois ele conversou com o autor.

Ambos concordaram que se encontraram, se curtiram e foram para o apartamento dele. Ficaram bastante, sei beijaram, sarraram. Porém ela não quis que o sexo pênis-vagina-anus ocorresse. 

Ela disse que, nisso, e na persistência das negativas dela, o cara, que era bombadão e lutador de jiu jitsu, e famosim, deu um soco na cara dela, não aceitou, e começou a tentar fazer mesmo assim. Ela gritou, bateu nele, fez de tudo para sair dali. Ele era muito mais forte. Ele a esmurrou mais uma vez. Saiu sangue. Ela conseguiu sair. Ele a mandou embora. A ofendeu de várias formas. 

Ele já começou dizendo que ela era mentirosa. Que ela que quis ir para o apartamento dele, tinha mensagens comprovando. Que muitos os viram se pegando. Confirmou que foram para seu apartamento e ficaram bastante e etc, tudo consensual, e na hora de transarem de fato, pênis-vagina-anus, ela não quis. Começou a tentar sair. Ele foi e falou assim:

Pô, brother, ela fez tudo, aí, meu pau duro, na portinha, ela com a boceta livre, ela veio com essa de que não queria. Vagabunda demais, né, brother? Não tem dessa de dizer não, não vou aceitar esse showzinho..

O meu colega ficou putasso. Alterou a voz com o cara. Falou que ele era um imbecil. Que ele tinha que respeitar a moça. Que ele não aprendeu a tratar mulher. Era um moleque. As colegas que estavam próximas tentaram acalmar os ânimos. Aí o advogado interveio:

Você não pode emitir suas opiniões pessoais. A única coisa que você tem que fazer e escrever o que meu cliente está falando aí. 

O meu colega continuou puto, discutiu com o advogado. A delegada fodona dos chefões lá correu para o local onde fazíamos o mutirão. Brigou com o colega. Apoiou o advogado. Mas todos nós que vimos e ouvimos intervimos a explicando os fatos. Ela entendeu. Tentou acalmar as coisas. E como todos fomos testemunhas das declarações dele, a situação do cara piorou, e muito. E a equipe achou mais pessoas para quem o autor falou a mesma coisa, debochando.

Aí que eu me lembro: 

Acaba a vida amorosa da pessoa. Tudo é gatilho desesperador. 

Alguns homens vão dizer uns com os outros, e alguns dos outros são seus amigos e você vai ficar sabendo:

"Essa daí não dá para ter relacionamento. Ela já foi usada e passada a mão por todo cara e depois ainda denuncia. Da mole pra todos mundo e os cara pega mesmo"..

Não tem para onde correr.

Você não tem família.

Você não tem amigos.

Onde você trabalha ou mora estão te acusando.

Se tiver repercussão midiática, vão ter comentários depreciadores.

Você se tornou a escória da sociedade.

Ninguém vai querer namorar com você mais.

Os homens só vão querer transar, nutrem afeto mas jamais vão dar mais um passo.

"Como que eu vou namorar mulher estuprada?"...

A vontade é sumir.

Não há saída.

Todo lugar te acusa.

Padrões se repetem.

É sua culpa.

Você que está atraindo isso.

Quer de toda maneira se mudar de Estado, país…

Algumas decidem ganhar a vida se prostituindo, juntando a necessidade financeira com a tentativa de empoderamento e acreditar em si mesma, aceitando as ofensas.

Na falta de dinheiro, na falta de equilíbrio, a cabeça um turbilhão, a alternativa é morrer.

12 comentários:

Jane Doe disse...

O que o texto descreve é o que eu chamo de "2., 3., 4.... estupro". Não basta ter passado por uma das violências mais degradantes que uma pessoa pode ser submetida, o estupro moral da vítima continua até o fim dos dias. Eu entendo perfeitamente porque elas não denunciam, sofrem em silêncio. Eu não sei o que é pior: o silêncio ou o blacklash caso denunciem. E sob essas circunstâncias a minha pergunta é como muitas delas não flertam com suicídio? Eu não sei de onde elas tiram forças...

"(...)Nem mesmo as mulheres ativas feministas fazem questão de te abraçar, deputadas, etc(...)"
- Por que mesmo para muitas feministas, principalmente envolvidas até o pescoço com política, existem mulheres estupráveis, estupros justificáveis e estupradores não só inocentes, como as verdadeiras vítimas do crime que cometeram.

titia disse...

Um abraço pra todas as vítimas e, por mais insignificante que seja, tenham todas a certeza que eu e todos nós aqui do blog da Lola SEMPRE vamos acreditar em vocês. Sempre. Nós acreditamos em vocês. Vocês são as vítimas e nunca, jamais as culpadas. Os culpados são os que estupraram vocês, os que se esfregaram, os que tocaram sem sua permissão. Eles sempre serão os culpados. Sempre. Vocês sempre serão as inocentes.

Ah, pessoal, sobre essa fala nojenta mencionada no texto: "Essa daí não dá para ter relacionamento. Ela já foi usada e passada a mão por todo cara e depois ainda denuncia. Da mole pra todos mundo e os cara pega mesmo". Os homens que dizem isso também querem estuprar e falam mal da vítima porque já sabem que não podem contar com o silêncio dela. Corram de sujeitos assim, sempre! Excluam das suas vidas, condenem ao ostracismo, não tenham nem coleguismo com um mau elemento assim. Quem reclama de vítima que denuncia estuprador é porque também quer estuprar e sair impune. E quem diz isso merece um espancamento testicular com barra de ferro.

Anônimo disse...

Uma coisa que sempre chama atenção. Sempre se usam verbos na voz passiva para a sexualidade da mulher, as mulheres sempre são referidas na terceira pessoa: "usada", "passada a mão", "comida" etc.Acho que tem a ver com a maldita cultura de tratar a mulher como objeto, como coisa, não como um sujeito, um ser humano. Na minha opinião, essa ideia é a raiz de todo o tipo de abuso contra as mulheres.

titia disse...

Jane Doe isso é o mais revoltante, essas imbecis se dizem feministas mas ainda acham que, se agradarem os machos aqui e ali, estarão imunes às desgraças que eles fazem com qualquer mulher. Depois quebram a cara e vem atrás das feministas em busca de apoio. E as envolvidas com política fazem isso pra conseguir voto dos machos e continuar mamando. Dá nojo.

13:57 é exatamente isso aí que você escreveu.

Kasturba disse...

Uma vez fui num cinema com dois amigos. Um homem velho sentou ao meu lado. Em algum momento no meio do filme senti algo passando pela lateral da minha coxa (eu estava de vestido), como se fosse o dedo do velho. Olhei e não vi nada. Pensei em pedir pra um dos amigos trocar de lugar comigo, mas fiquei constrangida, pois não tinha certeza se realmente havia acontecido ou era impressão minha... fiquei quieta. Um tempo depois, senti novamente e levei rapidamente minha mão à perna, e ainda pude tocar na mão do velho que, assustado, tirou a mão. Fiquei paralisada. Sem reação. Não sabia o que fazer. Alguns segundos depois o velho se levantou e foi embora, no meio da sessão. Passei o resto do filme pensando naquilo. Com raiva, com medo, com nojo, engasgada... pensando por que não segurei a mão do velho e fiz um escândalo? Por que não dei um tapa nele ali no meio do cinema mesmo? Por que fiquei paralisada, como se eu tivesse feito algo de errado? Não contei o episódio pra ninguém (nem pros amigos que foram comigo ao cinema) e por um tempo me sentia culpada até por isso: como se eu e aquele velho que eu nem sabia o rosto direito tivéssemos um "segredinho sujo".

E só consigo pensar: se eu me senti tão mal por causa do dedo de um velho deslizando delicadamente na minha perna numa sala de cinema, um gesto que se não fosse intencional, nem teria me incomodado, quão triste e revoltante e nojento e desesperador não deve ser pra uma mulher que sofre um estupro... Deve ser um misto de emoções realmente insuportável... e não ser acolhida por quem deveria fazê-lo deve trazer a maior experiência de solidão possível... :(
A todas que infelizmente passaram por isso: sinto muito...

Anônimo disse...

Eu quando li este post e as frases quanto a culpar a vítima lembram um conto do escritor francês Guy de Maupassant, Madame Baptiste, lamentavelmente algumas atitudes, pensamentos pouco mudaram do século 19 quando o conto foi escrito para os dias de hoje. Vale muito a pena ler este conto e assistir ao filme depois, complicado encontrar para assistir, mas Isabelle Huppert tem boa atuação como Madame Baptiste.

kay wilbury disse...

Digo sem medo de exagerar, tendo em vista as informações que temos hoje: acho que não há uma mulher que não tenha pelo menos uma história de estupro, abuso, assédio guardada dentro de si, jogada para debaixo do tapete do passado. Eu mesma, revirando minha história de vida, meu passado, com toda a informação que tenho hoje, sou capaz de listar várias, várias, muitas situações pelas quais passei. Que não eram até pouquissimo tempo atrás consideradas abuso, assedio ou estupro, porque ninguem falava sobre isso. Hoje sei que são, as lembranças dessas situações voltam à minha mente como um filme de terror para me assombrar. Inclusive abusos cometidos por meu pai, quando eu era adolescente, atitudes e falas dele que eu estranhava, não entendia direito na época, ficava confusa, mas eu sentia que era errado pois me sentia muito mal e constrangida. Mas não contava para ninguem pois tinha medo, vergonha, achava que iam rir ou duvidar de mim, ou me apontar o dedo, também nem sabia a quem recorrer. Então passou batido. Hoje abri meus olhos, entendo tudo, e acho que o mesmo aconteceu com minhas irmãs. Isso (além de outras atitudes de meu pai em relação a nossa família) acabou com minha autoestima e confiança para sempre. Tenho muita mágoa, pois até hoje lido com esses problemas, com insegurança, ansiedade, baixa autoestima, tenho dificuldades em tomar decisões, pois sinto culpa por tudo, vivo com medo de desagradar os outros. É um inferno, haja terapia para consertar tudo. Meu pai morreu há 12 anos. Recentemente, fiz uma limpa e joguei fora todos os retratos de meu pai, apaguei as fotos, todo tipo de lembrança, apaguei mesmo meu pai.
Depois, ao longo da vida, várias situações perpetradas por homens diversos, de todas as idades, dessas que hoje são mais relatadas pelas mulheres: cantadas de rua, toques e olhadas indesejados, comentários desagradáveis, "elogios" e opiniões não solicitadas sobre minha aparencia, stalking, negging, sexo forçado, homens se aproveitando de momentos de vulnerabilidade física ou emocional, e outros tantos mais...tudo na época considerada normal, como "coisa de homem". Claro que não era normal, se fosse, eu não ficaria tão desconfortável, me sentindo um lixo.
É bastante doloroso, no mínimo indigesto, reconhecer que o abuso/estupro aconteceu, se reconhecer como vítima, enfim conviver com tudo isso.
Sinto muitíssimo por todas as vítimas, minha solidariedade a todas :(

Anônimo disse...

Vc está confundindo autoridade parental com abuso / estupro. Uma coisa ñ tem nada a ver com a outra. O fato de vc ter mágoas por seu pai ter sido autoritário é um fato. Mas isso ñ é o tipo de abuso sexual que estamos comentando. Não confunda as coisas. Mágoas de pai e mãe todos nós temos um pouco. Mas dizer que isso é estupro é forçar demais.

kay wilbury disse...

Prezado Anônimo: depois desses anos todos, eu sei perfeitamente o que eu vivi. Não estou confundindo coisa nenhuma, até porque não sou nenhuma retardada. Não preciso que ninguém, muito menos você (provavelmente um homenzinho de merda) me explique o que aconteceu comigo. Não é uma questão de mágoa de pai ou mãe que todo mundo tem. Meu pai além de autoritário, alcoólatra, violento, abusaou de mim, sim. Não dei detalhes ali em cima porque achei que não era necessário, mas vai uma amostra: você acha normal por exemplo um pai abaixar as calças e se masturbar na frente da filha de 12 anos, me forçar a apalpar os órgãos genitais dele para me "ensinar sexo"?? Vc acha normal um pai ter tanta fixação pela forma do corpo da filha adolescente? Passsadas de mão nos meus seios sempre que tinha chance. Se isso não é abuso, é o quê então, caro Anônimo que sabe sobre isso melhor do que qualquer mulher???
E por favor, leia meu comentário todo, até o fim, falo de outras situações, que nunca consegui comentar com ninguém por medo. Meu comentário está sim dentro do contexto do post. Preste atenção antes de responder bosta ou querer tentar dizer por mim o que eu passei, seu Zé ruela.

avasconsil disse...

Acho que um dos motivos por que muitas vítimas de abuso se suicidam são as lembranças. No caso do estupro, tem toda a culpabilização da vítima. Mas deve ter também esse lado das lembranças. As lembranças do passado tornam o trauma presente reiteradamente. Quando eu tinha 04 anos fui vítima de abuso sexual. O abusador tinha 19 anos. Hoje eu lembro que, quando aconteceu, eu não me senti traumatizado. Ele não usou de violência física. Mas à medida que eu fui crescendo, as lembranças começaram a me incomodar. Provocavam em mim reações com que eu não tinha maturidade pra lidar. Lá pros meus 06-07, eu recalquei as recordações completamente (nem sei se em psicologia o que aconteceu comigo foi recalcar. Meus conhecimentos de psicologia são mínimos. Estou usando a palavra sem seu sentido técnico). Eu só fui recordar esse abuso aos 22 anos, fazendo psicoterapia. A lição do que me aconteceu foi essa: a coisa não se esgota no momento em que aconteceu. Projeta-se pelo futuro. A vítima lembra e relembra. E essas lembranças provocam reações presentes que podem ser difíceis de lidar. E que podem, sim, servir de gatilho pra o suicídio. Nunca tive vontade de me matar pelo que me aconteceu, pelo menos não conscientemente. Mas depois que voltei a acessar as memórias do abuso, aprendi que o passado desencadeia reações no presente. Os efeitos deletérios não ficam restritos ao passado.

kay wilbury disse...

Exatamente assim, avasconsil. Memórias do passado que ficaram escondidas debaixo do tapete da alma que vem para assombrar, agora. Situações que quando éramos mais novos não faziam efeito naquele momento porque sequer entendiamos. Tenho vivido isso em vários aspectos da vida, talvez por causa da terapia, para entender porque sou assim hoje, estou revivendo muita coisa lá de trás, inclusive repisar as memórias desses abusos. Infelizmente, os estragos não ficam no passado, respingar até hoje. É muito indigesto mesmo, são gatilhos o tempo todo, não dá para se livrar com facilidade. Pode ser impossível para muitas pessoas conviver com isso, especialmente porque não é coisa que "vai passar, é só não pensar nisso". A maioria, por vários motivos, incluindo o financeiro, não conta com suporte de um profissional de saúde mental.

F*da - se Patriarcado disse...

Ah, pessoal, sobre essa fala nojenta mencionada no texto: "Essa daí não dá para ter relacionamento. Ela já foi usada e passada a mão por todo cara e depois ainda denuncia. Da mole pra todos mundo e os cara pega mesmo". Os homens que dizem isso também querem estuprar e falam mal da vítima porque já sabem que não podem contar com o silêncio dela. Corram de sujeitos assim, sempre! Excluam das suas vidas, condenem ao ostracismo, não tenham nem coleguismo com um mau elemento assim. Quem reclama de vítima que denuncia estuprador é porque também quer estuprar e sair impune. E quem diz isso merece um espancamento tesuticular com barra de ferro.

Faço de suas palavras as minhas.
Me identifiquei. Isso é uma grande "red flag" - bandeira vermelha pra quem não sabe inglês. Qualquer homem que diga uma coisa dessa, principalmente em alto e bom som, é um estuprador em potencial. É pra se ter cuidado, acreditar no nosso instituto e intuição quando um elemento de bosta diz uma coisa dessa ou parecida e se afastar, em nome do nosso bem-estar físico, emocional, espiritual e mental.
Esse tipo de gente não deveria existir, sinceramente.
Lamento muito pelo que pessoas como essa moça do texto passaram e são obrigadas a passar por conta de uma sociedade machista, imunda, hipócrita e sociopática como esta.
Que elas possam ter uma segunda chance de reconstruir suas autoestimas tão profundamente dilaceradas, longe de quem e do quê as fizeram mal.