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quinta-feira, 17 de março de 2022

UM ANO DA MORTE DA MINHA MÃE E NOSSAS HOMENAGENS

Minha querida mãe morreu faz exatamente um ano. 

Não sei se parece mais ou menos tempo. Às vezes parece que foi anteontem, porque o final de sua vida (acamada em casa, sem conseguir mais andar) foi dolorido, embora ela não tenha sentido dor, ainda bem. Ela estava com câncer de ovário já no estágio final quando descobrimos. Foi rápido. Pouco mais de três meses desde a descoberta até a sua morte.

Foi difícil. Eu e Silvio nunca tínhamos cuidado de ninguém antes. E foi no meio da pandemia -- o que, por um lado, foi ruim (quase impossível contratar uma cuidadora), e por outro, foi bom (a gente estava em casa o tempo todo, sempre disponível). Nelly foi muito forte. Não se desesperou, não reclamava. 

Quando ela morreu, nossa casa estava horrível. Parte do teto do nosso escritório desabou quase em cima da gente em fevereiro de 2020. Contratamos uma firma para fazer um trabalho estrutural. Eles vieram aqui, quebraram praticamente todas as paredes e tetos, e tiveram que parar em seguida, por causa da pandemia. A casa ficou toda esburacada (como se vê na foto abaixo da nossa cozinha). 

A gente só retomou a reforma em novembro do ano passado. Seria impossível com a minha mãe aqui. A obra finalmente acabou no começo de janeiro, e agora a casa tá linda. Ainda falta uma ou outra coisa (comprar cortinas pra cozinha, ver o que fazer com os sofás da sala que os gatos destruíram), mas tudo está ótimo. Não temos mais goteiras!

Quando minha mãe morreu, demos muitas coisas dela (roupas, livros, pratos etc). Uma associação de defesa dos animais com que colaboro conseguiu vendê-las e arrecadou dinheiro pra castrar vários gatos. A casa ficou mais simples. Encontramos algumas pinturas da minha mãe e mandamos emoldurá-las, junto a outras gravuras e posters que compramos por aí. Com os quadros que já tínhamos, deu um total de 60! Nunca pensei que tivéssemos tantos quadros! 

Um deles era um que minha mãe tinha começado a pintar para a entrada da casa, mas nunca terminou. Agora em janeiro eu perguntei no Twitter se alguém com veia artística poderia acabá-lo, mas praticamente todo mundo disse que estava lindo assim, que já estava acabado, que seria uma homenagem a ela pendurá-lo do jeito que estava. Então foi o que fiz. 

Tem quadros que não são assinados e que eu não sei se são dela ou de amigas. Minha mãe adorou fazer arte na Casa de Cultura de Joinville durante anos, e elas costumavam compartilhar quadros e cerâmicas que criavam. Minha mãe sempre foi artista.

Então um pequeno tour da minha casa reformada. 

Entrada de casa. Em primeiro plano, a bela mesa de xadrez feita pelo Silvinho. Vocês podem vislumbrar os sofás destruídos. Tem umas caixas de cds e dvds que ainda tentaremos vender.

O quadro à esquerda com o gato é da minha mãe. Não me lembro de tê-lo visto antes. Estava numa pasta. Agora tem um lugar de destaque na sala.

Cozinha da minha mãe, com dois móveis novos. Acho que ficou linda. Pena que ninguém usa.

Nossa cozinha, no andar de cima. A gente mudou a arrumação das mesas. Essa mesa que se vê primeiro foi o Silvio que fez. 

Outro lado da nossa cozinha, com direito a um gato e meio na foto.

Dois quadros de gato na nossa cozinha. O de baixo, azul, é da minha mãe, tenho certeza. O de cima eu não sei. Pode ser de uma amiga, não está assinado.

Na nossa antessala, o quadro vermelho à esquerda é da minha mãe. À direita, tem o quadro que a diretora e artista Dani Libardi fez pra mim, em 2012, e o que o ilustrador Cris Vector fez em 2019 (que enfeita meu canal no YouTube). 

Nosso escri, com Silvinho. Falta arrumar os livros, que ainda devem ter bastante pó da reforma.

O quadro inacabado da minha mãe. Tem lembranças dela por toda a casa.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

MINHA MÃE NÃO ACABOU UM QUADRO. VOU EMOLDURÁ-LO

Minha querida mãe, que morreu de câncer em março, sempre foi artista. 

Além das fotos (ela registrou lindamente toda a nossa infância, e inspirou meu irmão, que é fotógrafo profissional), ela pintava, desenhava, esculpia. Lembro de um quadro lindo (que infelizmente não ficou comigo e se perdeu) que ela fez. Era uma árvore em preto e branco, cada folha um pedacinho de nanquim. 

Quando ela foi morar em Joinville com a gente, fez vários cursos de arte na Casa de Cultura. Ela amava, e todo mundo a adorava. Aqui em Fortaleza não encontrou um curso, não sei se procurou direito, se foi desleixo meu. Ela fez durante anos muitos cursos de extensão (era presença assídua nos meus) na UFC, mas nada relacionado a artes. Mesmo assim, pintava de vez em quando, em casa. O maridão construiu um cavalete pra ela. 

O principal quadro que ela estava fazendo (foto acima) ela nunca terminou. Acho que ela o começou quatro ou cinco anos atrás. Ela queria colocá-lo na entrada da nossa casa, na garagem (uma área coberta, obviamente, mas que pode ser vista da rua). Pessoa prática que sou, sugeri que ela pintasse o número da nossa casa no canto do quadro. Ela achou minha ideia ridícula (o maridão também. Sou sempre voto vencido por aqui). 

Temos várias obras dela por aqui. Inclusive encontrei dois belos desenhos que eu nem me lembrava de ter visto. Vou emoldurá-los e pendurá-los em algum lugar de destaque. Mas eu sempre pensava naquele quadro inacabado. Pensava que alguém poderia acabá-lo, como uma forma de homenagem. Perguntei no Twitter agora à tarde se alguém de Fortaleza com veia artística forte se habilitaria. Muita gente respondeu carinhosamente propondo pra deixá-lo assim mesmo. Respostas bem comoventes!

Então vocês me convenceram! Também acho o quadro lindo do jeito que está. Vou emoldurá-lo e pendurá-lo, talvez não na garagem, por medidas de segurança, e também para preservá-lo por mais tempo, mais longe do sol. Mas será num lugar de destaque, na sala, bem na entrada. Quando fizer isso tiro uma foto pra vocês verem. Agradeço demais todas as respostas e a sensibilidade. Vocês são uns amores!

Este quadro ela fez em Joinville em 2009. É Shakespeare e eu. Não tenho foto do quadro acabado. Ela deu de presente pro meu orientador de doutorado, grande especialista em Shakespeare.

domingo, 6 de junho de 2021

PRIMEIRO ANIVERSÁRIO SEM MINHA MÃE, MAS COM A TORTA DELA (MAIS OU MENOS)

Hoje é meu aniversário. Faço 54 anos. E estou muito feliz por continuar viva (e vacinada com a primeira dose) no meio de uma pandemia que já matou mais de 470 mil brasileiros e que, graças ao pior governo de todos os tempos, ainda vai matar muitos mais. 

É meu primeiro aniversário sem minha mãe, que partiu em março. É estranho e triste, porque ela morou com a gente, na nossa casa, durante 22 anos, e em toda data comemorativa ela preparava um prato especial. Nos últimos tempos, no entanto, ela andava muito fraca e não tinha condições de ficar em pé muito tempo pra cozinhar. Acho que a última vez que ela fez alguma receita foi em agosto, pra comemorar meus trinta anos juntos com o maridão. E ainda assim o Silvinho teve que ajudar bastante. 

Nas últimas três vezes que ela fez sua maior especialidade, o Sacher Torte, o Silvinho ajudou. Ela dizia o que fazer, e ele fazia. Eu pensava que com essa experiência ele teria aprendido como preparar a bendita torta, mas que nada!

Em homenagem a minha mãe, tentei fazer a Sacher pela primeira vez na vida. Creio que já compartilhei a receita aqui no blog duas vezes, e várias pessoas testaram, aprovaram, até mandaram fotos. Lá vai:

600 g de chocolate meio amargo

150 g de chocolate em pó 

3 ovos

150 g de manteiga

150 g de açúcar (uma xícara de chá)

Cremor de tártaro (sei que ninguém consegue encontrar, é dispensável)

Fermento

Pitada de sal

2 colheres sopa de baunilha

75 g maisena (meia xícara de chá)

75 g farinha de trigo

¼ litro de creme de leite fresco

Licor (minha mãe só usava Cointreau, caríssimo. Como a gente ainda tinha um pouco, usou também)


Coloque metade do chocolate, ou 300 g, de chocolate meio-amargo em pedaços em banho-maria para derreter. Acrescente mais 150 gramas de chocolate em pó. Acrescente a manteiga para derreter no chocolate. E o açúcar, misturando bem. Deixe esfriar um pouco.

Misture em uma tigela: 75 gramas de maisena (ou 4 colheres generosas de sopa), 75 gramas de farinha de trigo, 3 colheres chá de fermento, e uma pitada de sal.

Ponha nas tigelas da batedeira: na menor, 3 gemas de ovo. Na maior, 3 claras e uma colherzinha de cremor de tártaro, para dar consistência.

Bata primeiro as claras, até que fiquem firmes.

Bata as gemas na tigela menor. Acrescente, aos poucos, o chocolate derretido.

Junte aos poucos os ingredientes das duas tigelas para a tigela com as claras. Misture à mão.

Passe para uma forma untada e leve ao forno moderado por 15 a 20 minutos (no meu fogão 4 bocas ficou quase uma hora!).

Recheio e cobertura

300 gramas (ou a metade do chocolate original que sobrou) de chocolate meio-amargo cortado em pedaços, derretido em banho-maria. Acrescente ¼ de creme de leite fresco e duas colheres de chá de baunilha. Misture até formar um creme homogêneo escuro.

Monte o bolo em camadas, colocando licor sobre elas, e o recheio. 

O bolo da foto de cima (escrito "Happy birthdday Lulola" foi feito pela minha mãe pra algum aniversário meu. Já esse aí foi o que eu fiz. A gente podia fazer um jogo dos 7 erros

Bom, como vocês podem ver, não é um bolo barato. Só nos 600 g de chocolate eu tive que gastar quase R$ 40 em um quilo de chocolate Garoto (tudo bem que sobrou 400 g). Meu irmão, que anda cozinhando bastante ultimamente, diz que usa gotas de chocolate que custam cerca de R$ 30 o quilo pra fazer mousse, mas não encontrei em Fortaleza (só pra entregar, e aí com o frete não compensa). 
No mercado aqui perto o maridão encontrou uma vez um quilo sabor chocolate por R$ 23, mas notem o nome: "sabor chocolate". Quer dizer que nem chocolate é. É bem ruim e, como eu queria caprichar no Sacher, comprei chocolate de verdade. 
Ficou gostosa, chocolatuda, mas diferente das da minha mãe. Tava mais dura. Sem falar que eu não consegui deixar bonitinha. Quebrou tudo, virou um Frankenstein! Não sei se vou fazer novamente. Mas vocês tentem, e me contem!
Só aviso que a torta é de chocolate amargo, ou seja, não é tão doce! 
Alguns brasileiros com o paladar mais açucarado podem não adorar (aí acho que não tem problema substituir parte do chocolate amargo por chocolate ao leite). 
E aviso também que esta não é a Sacher Torte original, da Áustria. A de verdade tem recheio de geleia de damasco. 
Minha mãe fazia essa versão de puro chocolate não sei desde quando. Eu chuto que pelo menos desde o começo da década de 80 teve Sacher Torte todo Natal. E, detalhe: como éramos em cinco pessoas, ela fazia o dobro da receita! E torta de frango. Estamos tentando reproduzir a torta de frango também (Silvinho está na cozinha abrindo a massa e reclamando que eu fiz pouca massa). Mas sem chance de ficar como a da minha mãe. 
Eu com linda camiseta que ganhei da Meteoro Brasil ano passado

quarta-feira, 24 de março de 2021

GUEST POST: SUA MÃE ERA UMA FORÇA E TANTO

Hoje faz uma semana que minha mãe morreu. 

Muita gente se manifestou, contando como gostava dela, como ela iluminava a sala onde foi aluna. Até quase o final da vida ela foi aluna -- de cursos de extensão, de idiomas, de artes. 

Uma dessas pessoas foi o Getúlio, hoje professor de Filosofia num Instituto Federal no Ceará. Eu tive o prazer de conhecê-lo de peruca na primeira Marcha das Vadias de Fortaleza, dez anos atrás. Depois foi meu aluno no curso técnico de inglês, o único aluno assumidamente gay no meio de um monte de rapazes da engenharia, alguns bem conservadores, mas que ele conquistou totalmente. Mais tarde fomos à praia algumas vezes -- eu, ele, minha mãe e Silvio.

Lembro que a gente tirou algumas fotos, mas não consigo encontrá-las. Então vou ilustrar o post com fotos que encontrei da minha mãe recentemente pela casa. 

Tenho que confessar que o falecimento de Nelly realmente mexeu comigo, mais do que eu esperava, tendo em vista que fazia já alguns anos que nós não nos víamos. Na verdade, em 2019 eu tive um chat com ela pelo Messenger, sobre máquina de costura, e sempre acompanhava as postagens dela pelo Facebook, sobre a Isabel, e tal [Isabel foi uma linda gatinha dela que morreu precocemente de Aids felina, com apenas 3 anos e meio, em 2016]. 

Depois que enviei o email pra você [dizendo "Eu gostava muito da sua mãe e pude aprender com o pouco de tempo que estive com ela o jeito com que ela encarava as coisas da vida, que a mim me transmitiu muita força"], li os posts no blog, o seu e o de seu irmão, e me deu aquela saudade triste que dá na gente, porque por um lado, é natural a vida ir embora e o suspiro se acabar, mas por outro tudo é muito triste e dá muita pena se despedir.

Sua mãe era uma força e tanto, uma presença e tanto, com uma mente obstinada e um pensamento afiado. Lembro até hoje de uma conversa em que ela falou ter sido aluna do Jorge Luis Borges, ao que eu fiquei chocado e uaaau, mas ficou entendido no jeito como ela disse que ela não guardava muita simpatia por ele, mesmo ele sendo um monstro sagrado da literatura e eu fazendo tietagem ali, hahaha. A Nelly era independente. 

Quando eu morava pelo Benfica, de vez em quando eu encontrava ela no mercadinho São Luiz, e aí nós conversávamos um tiquinho. Teve um inverno que ela reclamou porque tinha chovido em cima da roupa no varal e teria de lavar tudo de novo, ao que eu disse que se fosse eu, eu só esperava secar de novo, e ela me olhou chocada, hahaha, com esse testemunho de preguiça. 

De modo que eu sempre esperava, um pouco, encontrá-la por acaso por lá e depois, eu tendo ido pra outros bairros e outras cidades, em sempre que via uma senhorinha baixinha, com cabelo loiro fosco, que nem ela, pensava que podia ser a Nelly, aí eu me lembrava que não estava no Benfica. 

Ontem, fui ao mercado comprar tomate e achei uma dessas Nellys na parte das frutas e verduras. Aí me lembrei que não poderia ser a Nelly. Mas sim, ela teve uma vida longa e feliz, teve você e o Sílvio, e o Ignácio e o neto, e a Consuelo, claro, e ela gostava tanto da Isabel, tanto, falando dos remédios dela e tudo. Fiquei muito mexido, Lola, mas é isso, né? 

Aqui estamos bem, tanto quanto é possível debaixo do genocida, com tantas mortes e problemas. Minha depressão recrudesceu com a pandemia mas já tô em tratamento há seis meses e tá dando certo.

Eu realmente espero poder encontrar você e o Sílvio depois que isso passar e estivermos todos vacinados. Qualquer coisa, estou aqui.

Minha mãe Nelly e meu pai Bernardo num restaurante em Buenos Aires em junho de 1964, no que deve ter sido um de seus primeiros encontros. Foi três anos antes de eu nascer! (clique para ampliar qualquer foto)