Fui ver "Estrada para Perdição" porque achei que o título seria perfeito para minha autobiografia, ou melhor, a do meu corpo (era isso ou "O Mapa da Mina", expliquei pro maridão). Não, mentira. Já tinha visto o trailer n vezes e sabia que o filme era sobre gangsters, sobre relacionamento entre pais e filhos, e sobre o bigodinho ridículo do Tom Hanks. E, principalmente, sabia que a produção já está cotadíssima pro Oscar e que foi dirigida pelo Sam Mendes, responsável por "Beleza Americana", um dos parcos grandes momentos do cinema na década passada. E também fui ver "Perdição" porque, convenhamos, a outra opção na minha cidade era "Scooby-Doo".
Mas vamos nos ater ao tema do bigodinho dos mafiosos. "Perdição" baseia-se numa história em quadrinhos (juro!) passada em 1931. A Depressão é o mote para que o filme seja sombrio, solene e escuro até a medula, monocromático na sua tonalidade. O Tom é um pai de família calado que gosta muito do seu patrão, o chefão Paul Newman. Por algum motivo mal explicado, o filho mais velho do Tom o segue numa noite sem lua e vê que o ofício do seu papito envolve metralhar pessoas. Ele jura guardar segredo, mas o filho do Paul não acredita e decide matá-lo. Tom e pimpolho pegam a estrada e fogem de um assassino contratado, o Jude Law, enquanto o Tom também planeja sua vingança. Ahn, alguns furinhos no roteiro: por que o menino tem tanta curiosidade em saber o que faz o pai? Ele nem desconfia? Por que o temor que o guri conte pra alguém que o Paul é mafioso? Ninguém na cidade que ele controla sabe? Por que o gangster malvado quer exterminar a família do Tom? Como os motivos são fúteis, os personagens são construídos em cima de premissas pra lá de frágeis.
Hoje em dia, um garoto de 12 anos que presenciasse o massacre de sua mãe e irmão ficaria traumatizado e quiçá precisaria de acompanhamento psiquiátrico, mas na década de 30 as coisas eram diferentes. O piá derrama umas poucas lágrimas e logo fica alegrinho com o pai que lhe ensina a dirigir. Não é a única lição que papai-sabe-tudo lhe passa. A mais importante é que matar não é legal e não dá futuro, filhão, arranje uma profissão melhor. E como o papi Tom ensina isso ao guri? Ué, matando todo mundo que ele encontra pela frente. Num dos tiroteios mais anti-climáticos de que se tem notícia num filme desse gênero, o Tom liquida a máfia inteira sozinho. Fiquei pensando porque o Eliot Ness não o contratou no ato, ora.
Quem rouba todas as cenas é o Jude Law, o gigolô andróide de "Inteligência Artificial". Com dentes podres e coluna curvada, ele faz o matador de aluguel que tem como hobby fotografar suas vítimas. A melhor seqüência de "Perdição" – o diálogo entre ele e Tom num restaurante de quinta categoria – praticamente lhe garante uma vaga nas indicações a ator coadjuvante. Jude é o elemento singular numa produção 100% convencional. Não sei se ele brilha por ser um ótimo ator ou por suas cenas serem as únicas razoavelmente iluminadas neste raio de filme lúgubre.
Não que "Perdição" seja ruim. É apenas pretensioso e, por isso, decepcionante. Não me envolveu em nenhum momento. Tirando o Jude, não há nada que não seja absolutamente clichê. Favor ticar os temas que você já viu no mínimo cinco vezes no cinema (mais de uma resposta é possível): ( ) criança perdendo a inocência e narrando sua saga em primeira pessoa; ( ) homem solitário versus sistema viciado; ( ) filho idolatrando pai; ( ) criminoso sentindo muito quando tem de enfrentar seu mestre, uma figura paterna; ( ) mestre perdoando protegido; ( ) astro bonzinho fazendo papel meio de vilão; ( ) Jennifer Jason Leigh (que faz a esposa do Tom) sendo totalmente desperdiçada; ( ) relações da máfia sendo exploradas com menor entusiasmo que em "Os Intocáveis", "Ajuste Final", vulgo "aquele do chapéu", e qualquer produção com o James Cagney (mencionar "O Poderoso Chefão" é covardia) . Junte a isso uma musiquinha insistente e você entenderá porque eu torço para que, no seu próximo filme, o Sam encontre a estrada para a redenção.
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