Pelo número de e-mails que recebo quando comento filme nacional, tenho a impressão que sou a única pessoa do mundo a ver produções brasileiras. Não sei por que é assim. Tudo bem, entendo os que reclamam que assistir ao cinema daqui é como sintonizar novela da Globo; tem os mesmos atores, os mesmos diretores e roteiristas, a mesma história, e até a mesma língua. Ué, até parece que Hollywood não é parecida, com todos aqueles astros-mirins saídos da TV a cabo. Fui ver "A Partilha" porque costumo manter-me longe de novelas.
Há um outro motivo. Quinze anos atrás, euzinha aqui estava escrevendo uma peça. Pouco tempo depois, o Miguel Falabella lançou a dele, e constatei que a trama era igual: irmãs se juntam para repartir o patrimônio da mãe morta e aproveitam para falar da infância e comparar suas existências meio vazias. Plágio? Lugar-comum? Tema universal? Falta de inspiração? Você decide.
Certamente, minha peça não conseguiria reunir o fabuloso elenco do Miguel, que no teatro incluía Arlete Salles e Susana Vieira, entre muita gente boa. No filme, as quatro irmãs são interpretadas por Glória Pires, Andréa Beltrão, Paloma Duarte e Lilia Cabral – suponho que a ordem siga o cachê pago a cada uma. Houve uma hora em que perdi a concentração e pensei: alguma delas não posou nua pra "Playboy"?
O pessoalzinho que protesta que cinema nacional só retrata miséria e mancha a imagem do Brasil no exterior deveria prestigiar "A Quatrilha", quero dizer, "A Patrulha", ou melhor, "A Partilha". Só dá classe média pra cima. Uma das irmãs mora em Paris e possui coleções de casacos de pele e perfumes. Meu maridão perguntou com que personagem mais me identifiquei, se não foi com a Lilia, que faz a madama. É impressionante. A gente vive com o mesmo homem há dez anos e ele não sabe nada da nossa personalidade. Imagina se eu poderia empatizar com quem usa casaco de pele! Argh! Seria como torcer pelo caçador em "Chapeuzinho Vermelho".
Nenhuma das irmãs aparenta trabalhar, mas todas vivem no bem-bom. Tanto que, quando elas vendem o apartamento da mãe por 350 mil reais, só uma sente-se feliz e planeja o que fazer com o dinheiro (mestrado em Berlim; com essa fortuna, acho que daria pra comprar uma universidade por lá). Certo, certo, depois da divisão, dá apenas uns 85 mil pra cada uma. É pouco, admito. Nada do que nós, burgueses crentes no trabalho que dignifica e enriquece, não ganhemos em um ano de salário. Espero que você e o fiscal, caso alguém da Receita Federal saiba ler, compreendam que estou sendo irônica.
O máximo que as manas se permitem de comemoração é dançar na praia. Aqui suponho que o diretor, Daniel Filho, se empolgou. A sequência do quarteto coreografando "Dancing Days" não funciona. A música é ótima, qualquer coisa disco traz vibrações melhores do que o tecno-deprê que curtimos hoje (perdoem-me se a moda passou e ninguém me avisou), mas a cena se estende até não poder mais. Cansa. Depois de uns cinco minutos, eu já vibrava para que o zeppelin merchandológico explodisse em cima delas ou que uma onda levasse o saltitante quarteto.
Há raros homens no filme, mas eles compensam. Eu nunca havia conferido o charme do Herson Capri, que está esplêndido como o militar-galã. Também tem um tal de Marcelo Anthony como corretor imobiliário e pintor. Repare como 95% dos homens-objetos no cinema são artistas plásticos ou qualquer outra atividade que não exija esforço ou horas fixas. O princípio do sex-symbol é estar sempre disponível, afinal.
O que realmente me chamou a atenção, no entanto, foi a personagem da babá. Ela serviu às quatro durante sua vida inteira, está prestes a perder o lugar onde mora, e não verá um centavo do apartamento da patroa. As manas sequer se dão conta que ela existe, mas ela continuará lá, submissa e preocupada com o futuro delas, não com o dela. Lembra o empregado de uma outra peça, o Firs de "O Jardim das Cerejeiras", do Tchekov. Ora, que bobagem: o que o Brasil do século 21 tem a ver com o czarismo russo, fora o uso de lampiões para iluminação?
Certamente, minha peça não conseguiria reunir o fabuloso elenco do Miguel, que no teatro incluía Arlete Salles e Susana Vieira, entre muita gente boa. No filme, as quatro irmãs são interpretadas por Glória Pires, Andréa Beltrão, Paloma Duarte e Lilia Cabral – suponho que a ordem siga o cachê pago a cada uma. Houve uma hora em que perdi a concentração e pensei: alguma delas não posou nua pra "Playboy"?
O pessoalzinho que protesta que cinema nacional só retrata miséria e mancha a imagem do Brasil no exterior deveria prestigiar "A Quatrilha", quero dizer, "A Patrulha", ou melhor, "A Partilha". Só dá classe média pra cima. Uma das irmãs mora em Paris e possui coleções de casacos de pele e perfumes. Meu maridão perguntou com que personagem mais me identifiquei, se não foi com a Lilia, que faz a madama. É impressionante. A gente vive com o mesmo homem há dez anos e ele não sabe nada da nossa personalidade. Imagina se eu poderia empatizar com quem usa casaco de pele! Argh! Seria como torcer pelo caçador em "Chapeuzinho Vermelho".
Nenhuma das irmãs aparenta trabalhar, mas todas vivem no bem-bom. Tanto que, quando elas vendem o apartamento da mãe por 350 mil reais, só uma sente-se feliz e planeja o que fazer com o dinheiro (mestrado em Berlim; com essa fortuna, acho que daria pra comprar uma universidade por lá). Certo, certo, depois da divisão, dá apenas uns 85 mil pra cada uma. É pouco, admito. Nada do que nós, burgueses crentes no trabalho que dignifica e enriquece, não ganhemos em um ano de salário. Espero que você e o fiscal, caso alguém da Receita Federal saiba ler, compreendam que estou sendo irônica.
O máximo que as manas se permitem de comemoração é dançar na praia. Aqui suponho que o diretor, Daniel Filho, se empolgou. A sequência do quarteto coreografando "Dancing Days" não funciona. A música é ótima, qualquer coisa disco traz vibrações melhores do que o tecno-deprê que curtimos hoje (perdoem-me se a moda passou e ninguém me avisou), mas a cena se estende até não poder mais. Cansa. Depois de uns cinco minutos, eu já vibrava para que o zeppelin merchandológico explodisse em cima delas ou que uma onda levasse o saltitante quarteto.
Há raros homens no filme, mas eles compensam. Eu nunca havia conferido o charme do Herson Capri, que está esplêndido como o militar-galã. Também tem um tal de Marcelo Anthony como corretor imobiliário e pintor. Repare como 95% dos homens-objetos no cinema são artistas plásticos ou qualquer outra atividade que não exija esforço ou horas fixas. O princípio do sex-symbol é estar sempre disponível, afinal.
O que realmente me chamou a atenção, no entanto, foi a personagem da babá. Ela serviu às quatro durante sua vida inteira, está prestes a perder o lugar onde mora, e não verá um centavo do apartamento da patroa. As manas sequer se dão conta que ela existe, mas ela continuará lá, submissa e preocupada com o futuro delas, não com o dela. Lembra o empregado de uma outra peça, o Firs de "O Jardim das Cerejeiras", do Tchekov. Ora, que bobagem: o que o Brasil do século 21 tem a ver com o czarismo russo, fora o uso de lampiões para iluminação?
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