segunda-feira, 31 de maio de 2021

"SOU MUITO BRINCALHÃO", DIZ MÉDICO ASSEDIADOR PRESO NO EGITO

Compare: médicos cubanos atuam nas periferias de 60 países, ajudam vítimas em terremotos e furacões, desenvolvem vacinas contra covid que serão distribuídas a nações pobres de graça, são admirados no mundo todo.

Enquanto isso, (alguns) médicos brasileiros são conhecidos pelo elitismo, pelo nojo de miseráveis, e pela anti-ciência, ainda mais quando pensamos nos médicos bolsonaristas, que infelizmente não são poucos (dizem que a Dra. Mayra Pinheiro, a Capitã Cloroquina, está no Ministério da Saúde desde o início do governo para cumprir cota do apoio que tantos médicos deram ao Coisa Ruim). Ontem o médico brasileiro e influenciador digital fã de Bolso e defensor de cloroquina Victor Sorrentino foi preso no Egito.

Num vídeo asqueroso que circulou cá e lá, uma simpática mulher muçulmana tenta lhe vender papiro (aquele papel usado pelos antigos egípcios). Ele ri e fala em português: "Vocês gostam mesmo é do bem duro, né? Comprido também fica legal, né?" O próprio médico colocou o vídeo no seu Instagram com quase um milhão de seguidores. Não foi a primeira vez. Circularam outros vídeos, um do sujeito assediando uma moça na Austrália, em 2014, e outro d'ele rindo de mulheres negras numa praia brasileira. 

Victor, que já escreveu que o que ele gosta mesmo ao viajar não é conhecer lugares paradisíacos, e sim novas culturas e costumes (pra quê? Pra poder zoar deles?), trancou seu perfil e postou um novo vídeo, justificando seu ato: "Eu sou assim. Sou um cara muito brincalhão". 

As feministas egípcias não gostaram nada da "brincadeira" e começaram uma campanha num perfil do Twtitter chamado Speak Up (Fale, não se cale) dizendo que não querem assediadores no país delas. Não posso falar por todas as feministas brasileiras, mas a gente também não quer. O babaca brincalhão (porque misoginia é piada pra essa gente) foi localizado e preso ontem em Cairo. A pena para assédio sexual por lá é de no mínimo seis meses de prisão e multa. 

A esposa do assediador defendeu o marido e reclamou que "as pessoas veem maldade em absolutamente tudo [...]. Amo demais a autenticidade, o bom humor e o quanto ele é incansável naquilo que acredita. Ele tem esse jeito intenso de viver a vida que só me deixa ainda mais encantada, e super me dedico para acompanhar". Misoginia é um "jeito intenso de viver a vida", e a culpa é das pessoas que não compartilham do bom humor do brincalhão.

Este caso me lembrou do episódio misógino na Copa da Rússia em 2018. Lembra? Um grupo de brasileiros (entre eles um engenheiro, um advogado, e um policial militar) pediu a uma russa que não sabia português repetir frases como "B*ceta rosa" e "Essa é bem rosinha". Quando a escrotidão deles viralizou na internet e sua identidade foi revelada (por exemplo, um deles devia R$ 37 mil de pensão alimentícia à ex-mulher), eles se queixaram. Eles eram apenas "pais de família" brincando. 

Ah, esses homens risonhos! Que mundo mais sem graça! Eles não podem nem mais assediar mulheres em paz, rir delas, e piorar ainda mais a já horrível imagem que os brasileiros têm hoje no exterior?

domingo, 30 de maio de 2021

VACINADA!

Pessoas queridas, ontem fui vacinada contra a covid, até que enfim! Deixei uma mensagem no Twitter que foi muito comemorada (um monte de "parabéns"), mas decidi fazer um post no blog pra ficar como registro, até porque encontrar coisas aqui é bem mais fácil que no Twitter.

Então. A vacinação ontem não foi tão tranquila como nas duas vezes do maridão (a primeira perto de casa, a segunda num drive-thru no Arena Castelão, tudo muito eficiente). Me mandaram pra muito longe, uma meia hora de distância de carro (o que, pros critérios de Fortaleza, é distante pacas). Chegando lá, tive que esperar quase uma hora na fila -- não era drive-thru -- sem grande distanciamento. E ainda por cima havia um bolsonarista espalhando as asneiras que ele recebe no Whats, como que pra cada morto por covid o governo do Estado ou a prefeitura, ele não sabe ao certo, ganha 19 mil reais.

Já dentro do posto, e sentada, uma senhora do meu lado contou que toda semana tomava uma vitamina chamada Sunny que a vizinha dava pra ela, e que foi por isso que não pegou covid. Ai, ai...

A injeção em si foi rápida e não doeu nada. Imagino que todo mundo lá ontem recebeu a mesma vacina que eu, da Pfizer (até meados de maio, no Brasil, 59% de todos os vacinados -- apenas 21% da população adulta -- recebeu a Coronavac, 30% a AstraZeneca, e só 1% a Pfizer), e que o retorno foi marcado para o final de agosto. Algumas pessoas no Twitter perguntaram se três meses de espera até a segunda dose não era tempo demais, mas vi que em outros países esse também costuma ser o intervalo. e até que essa espera é benéfica, porque gera maiores anticorpos

A vantagem da Pfizer é que, com duas a quatro semanas após a primeira dose, a eficácia já chega a 85%. Depois da segunda dose, passa a 95%. Mas no começo, antes desses quinze dias, a eficácia é de apenas 47%. Portanto, tem que esperar bem essas duas semanas passarem pra.. pra... pra nada, já que vamos seguir tomando todas as medidas de segurança com máscara, distância, isolamento, e aulas só online. 

Ontem à tarde tive alguns efeitos colaterais, o que é totalmente normal. Não são estudos comparativos, mas a Coronavac rende efeitos em 40% dos vacinados, a Pfizer, em 66%, e a AstraZeneca, em 80%. Ou seja, no caso das vacinas mais eficazes, efeitos colaterais são a norma, não a exceção. Nada muito grave. Esses efeitos podem incluir dores de cabeça, febre, calafrios, diarreia, dores musculares, fadiga, e principalmente dor no braço do vacina. Nenhum registro de alguém ter virado jacaré até agora. 

Ah, uma coisa que ninguém fala, mas que várias mulheres já perceberam: pode causar menstruação de semanas. Talvez os laboratórios não tenham registrado esse efeito colateral porque testaram com pessoas mais velhas, pós-menopausa. Talvez porque não ligam muito pra efeitos em mulheres cis (e homens trans). É algo que ainda precisa ser divulgado.

Eu fiquei bastante derrubada ontem à tarde. Dormi duas horas, senti muito calor, e dor no braço da vacina. Mais adiante tomei algumas gotinhas de dipirona (paracetamol também é recomendado) e a dor passou quase que na hora. Dormi bem à noite e hoje estou ótima.

Estou muito, muito feliz por ter sido finalmente vacinada! Viva o SUS! E espero que todo mundo consiga ser imunizado em breve. Só de pensar em quantas vidas poderiam ter sido poupadas se a vacinação tivesse começado no final do ano passado me dá muita raiva do genocida. Ele tem que ser preso! Agradeço a todas e todos que se arriscaram ontem para protestar contra o pior governo de todos os tempos!

sexta-feira, 28 de maio de 2021

BOLSO ARMA GOLPE CONTRA URNA ELETRÔNICA

Como explica uma reportagem publicada na quarta no El País, comemorando os 25 anos das urnas eletrônicas, a "pregação de Bolsonaro contra urna eletrônica repete Trump e arrisca judicializar eleição de 2022". Em janeiro, quando Trump tentou dar um golpe com a invasão do Capitólio, Bolso ameaçou: “Se não tivermos voto impresso em 2022, alguma maneira de auditar o voto, teremos problemas piores dos que nos EUA”. 

Obviamente, Bolso não está interessado no voto impresso. O que ele quer é semear o caos, gerar dúvidas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas para, assim, colocar toda a democracia em xeque caso ele não ganhe. Até quando ele ganhou, em 2018, ele disse que as eleições foram fraudadas. Afinal, ele deveria ter vencido no primeiro turno. Nunca mostrou uma prova sequer que sustente sua teoria conspiratória. 

Pra piorar a situação, o PDT de Ciro Gomes decidiu também defender o voto impresso, dizendo ser um bandeira do partido desde Leonel Brizola (e fingindo ignorar o que Bolso realmente deseja ao se manifestar contra as urnas eletrônicas). 

A escolha do PDT até rendeu um elogio da deputada bolsonarista Carla Zambelli: "Parabéns pelo posicionamento, Carlos Lupi. Eleições transparentes, seguras e confiáveis ão são pauta 'da direita' ou 'da esquerda', mas do Brasil". A regra é clara: quando você está do mesmo lado da extrema-direita golpista, é sinal de que você está fazendo algo muito, muito errado. 

Reproduzo aqui o editorial do El País (Brasil) contra o voto impresso.  

A menos de um ano e meio para as eleições presidenciais, Jair Bolsonaro embarcou em uma lesiva campanha de descrédito do atual sistema de votação com urnas eletrônicas. Adotada há 25 anos, a urna eletrônica se destaca, segundo as autoridades eleitorais, por sua eficácia, segurança e transparência, sem ter dado lugar a nenhum incidente relevante em todo esse tempo. Com uma extensão de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e algumas das zonas habitadas mais inacessíveis do mundo, o Brasil utiliza um sistema que, com razão, é admirado em muitos outros lugares.

Mas, seguindo o rastro de Donald Trump, Bolsonaro decidiu, antecipando-se à campanha pela reeleição, lançar a sombra da fraude, ao semear constantes dúvidas sobre a confiabilidade do sistema de votação. Não é a primeira vez que faz isso. Na campanha em que foi eleito, em 2018, insistiu repetidamente que só aceitaria o resultado se vencesse as eleições. E, numa repetição daquela estratégia, vem há meses alertando para “problemas piores que nos EUA” depois das eleições de 2022 no Brasil. Agora, uma comissão do Congresso pode debater uma reforma constitucional que permita a cada eleitor receber uma cópia impressa do seu voto, possibilidade que até agora era recusada.

A realidade é que, desde a implementação do atual sistema de voto por urna eletrônica, não houve prova alguma de fraude nas eleições feitas no Brasil. Além disso, seis meses antes de cada eleição a Justiça Eleitoral divulga o código-fonte do sistema para que seja auditado por diversos órgãos oficiais (como o Ministério Público) e privados (como a OAB). A partir daí, os controles são contínuos. Ao longo de todo o processo, a urna jamais é conectada à internet, e durante uma semana programadores, hackers, policiais e partidos políticos são convidados a atacar o sistema para detectar possíveis vulnerabilidades. 

O resultado é que o sistema brasileiro não foi posto em xeque nem dentro nem fora do país, salvo em redutos conspiracionistas, até agora marginais, mas em cujas teses Bolsonaro se baseia, principalmente quanto à possibilidade de auditar a votação. A frase “voto impresso e auditável” se tornou um dos mantras dos partidários do presidente.

É legítimo ponderar formas de melhorar o sistema, mas não erodir a confiança no sistema. Bolsonaro solapa a democracia brasileira ao lançar suspeitas sobre o ato mais importante da cidadania. Seu objetivo não é a transparência, e sim o caos. Seria conveniente que um seguidor tão fervoroso de Trump recordasse o lamentável resultado da estratégia para o ex-presidente.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

PM QUE DENUNCIOU ASSÉDIO DE TENENTE-CORONEL É EXONERADA

Mais uma história revoltante pra provar como é difícil ser mulher num país machista como o Brasil. E pra provar também que a Polícia Militar tem que acabar. Vem comigo.

Jéssica Paulo do Nascimento, 28 anos, fazia parte do batalhão em Praia Grande, litoral de SP. Em 2018, o tenente-coronel Cássio Novaes, que trabalhava na capital, passou pelas companhias para se apresentar aos policiais militares. Cássio aproveitou a primeira oportunidade para assediar Jéssica. Ela conta: "Em um momento em que a gente ficou um pouco sozinho, ele veio em uma total liberdade, uma intimidade. Mas a gente nunca tinha se visto, né? E me chamou pra sair na cara dura".

A policial fez o que tantas mulheres fazem ao receberem assédio sexual: além de recusar o "convite" educadamente, disse a ele que era casada e tinha filhos. Aqui cabem alguns parênteses. Até mulheres solteiras e desimpedidas recorrem ao "eu tenho namorado", já que, numa sociedade patriarcal, uma mulher sozinha é vista como "sem dono", vulnerável, e se não é de um macho, não é de ninguém, é de todos. Por isso os caras falam baixarias para mulheres e meninas sozinhas na rua, mas não falam nada se elas estão acompanhadas de um homem. 

Outra coisa: somos treinadas desde pequenas a sermos gentis com os homens e a obedecê-los. Se já é difícil pra uma mulher comum recusar um babaca sem ser educada, imagina pra uma soldado, que foi doutrinada para respeitar toda essa baboseira chamada hierarquia militar? Não estou dizendo que Jéssica não o recusou categoricamente, só explicando como um simples "não, obrigada" já é duro.

Jéssica conta que "Depois desse dia, minha vida virou um inferno. No outro dia, ele já começou a me perseguir no serviço". Uma das coisas que Cássio fez foi impedir toda a companhia dela de prestar um dos testes físicos necessários para o concurso público do Corpo de Bombeiros, a ambição de Jéssica. Além disso, ele a transferiu para uma companhia longe da sua casa e, consequentemente, dos seus dois filhos pequenos. Numa reunião, ele a humilhou na frente de outros quatro colegas.

A humilhação foi tanta que ela precisou de atendimento psiquiátrico e foi afastada do serviço por seis meses. Em seguida, tirou uma licença (sem receber salário) por dois anos, pensando que até que ela voltasse, ele iria se aposentar e esquecê-la. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. Assim que Jéssica voltou, ele conseguiu o número do celular dela e passou a assediá-la por telefone. Prometeu sustentar seus filhos, promovê-la e transferi-la. "E ninguém saberá sou silêncioso [sic] Só nós dois saberão", escreveu pra ela.

Um advogado orientou Jéssica a deixá-lo falar para ver até onde ele iria, enquanto ela coletava provas do assédio. Ela tem até um áudio com ameaças, em que Cássio diz "não existe segredo entre dois, um tem que morrer", "Cuidado", e "quem não tem problema na vida, está no cemitério".

O estopim para a denúncia foi no dia 2 de abril. Cássio prometeu que a transferiria se ela fosse com ele até o Departamento Pessoal da Polícia, em São Paulo. Mas ela ficou sabendo que o DP estaria fechado por causa do feriado de Páscoa. Ele mesmo confirmou que o plano era levá-la para um hotel. Jéssica formalizou a denúncia na Corregedoria da PM. A PM disse que instaurou um inquérito e afastou Cássio do comando do batalhão. 

Mas as coisas não melhoraram para Jéssica. Pelo contrário: a PM tirou sua arma e a colocou para trabalhar na rua à noite (mesmo sofrendo ameaças de morte). Teve pedidos de transferência, direito a férias, medidas protetivas e afastamento por abalo psicológico negados. E foi advertida por dar entrevistas sobre as denúncias. Se a PM trata assim os seus, é de se pensar como essa instituição reestruturada durante a ditadura militar trata os demais, os reles cidadãos. Sabemos como a PM trata negros. Não é à toa que uma pesquisa de 2019 revelou que 51% dos entrevistados tinham mais medo que confiança na PM.

Diante de tanta pressão, e da possibilidade de ser expulsa, Jéssica tomou a decisão de deixar a carreira. Sua exoneração foi publicada ontem. Ela espera justiça e usará as provas que tem para entrar com uma ação judicial contra o Estado. 

Jéssica fez tudo certo. Denunciou o assediador, coletou provas, está falando sobre o caso para ter visibilidade (o que equivale à proteção negada pelo Estado), e pretende criar uma rede de apoio para ajudar outras vítimas de assédio moral e sexual. No entanto, foi ela que teve que sair da polícia. Cássio, seu assediador, continua lá.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

ANTES DE VIRAR CAPITÃ CLOROQUINA, DOUTORA MANDAVA MÉDICOS NEGROS VOLTAREM À SENZALA

Eu deveria ter escrito este post ontem, mas não deu.

Então. Ontem a pediatra Mayra Pinheiro, mais conhecia como Capitã Cloroquina, depôs na CPI da Covid, no Senado. Chamada para explicar sua atuação ao liderar uma comitiva do Ministério da Saúde ao Amazonas em janeiro, bem quando o Estado vivia um colapso, com falta de oxigênio e leitos, ela conseguiu um habeas corpus do STF para poder não falar sobre isso. Esteve lá basicamente para blindar o genocida-mor, mas, sem querer, contradisse o ex-sinistro Eduardo Pazuello (que deve ser convocado para depor novamente). Agências de checagem de fatos apontam pelo menos doze mentiras de Mayra na CPI. 

Mayra foi uma das responsáveis pela lamentável plataforma TrateCov, que indicava cloroquina para pessoas (bebês inclusos) com qualquer sintoma. Para tentar se livrar da responsabilidade, inventou que a plataforma havia sido hackeada.

Ainda teve que passar pelo constrangimento de ser questionada sobre uma declaração absurda que fez algum tempo atrás sobre a Fiocruz, centro de excelência em pesquisa. Para a pediatra, a Fiocruz é um antro de esquerdistas tão perversos que até colocam pênis na entrada do prédio. Merecidamente, Mayra foi muito zoada na internet.

Essa desgraça é do Ceará.

Poucos tinham ouvido falar da figura antes d'ela estampar uma foto na capa do maior jornal do Brasil, a Folha de SP. Era final de agosto de 2013. Era o fim do primeiro dia de treinamento em Fortaleza de 96 médicos estrangeiros recém-chegados ao Estado. 79 desses médicos eram cubanos. 

Um deles era Juan Delgado, negro, uma cor não muito comum entre médicos brasileiros, quase todos crias da elite. Juan e seus colegas saíam da Escola de Saúde Pública, quando foram vaiados e xingados por médicos brasileiros, que gritavam "escravos", "incompetentes", e "voltem pra senzala". 

Uma delas era Mayra Pinheiro, branca, loira, que não viu nenhum problema em chamar um colega negro de "escravo" e mandá-lo voltar pra senzala. Num país não racista, tal atitude, se não rendesse cadeia, no mínimo sepultaria as ambições políticas da médica. No Brasil, foi o que garantiu que Mayra sonhasse com o poder. 

Mayra nega tudo -- apesar de ter usado a sua participação nos protestos contra os médicos cubanos como parte de sua campanha para deputada. Tem foto e tudo, mas ela diz que não vaiou os cubanos. Na realidade, ela nem nega. Numa entrevista à Folha em 2018, ela explicou que chamar os cubanos de escravos não era racismo, era porque a maior parte do pagamento iria para Cuba. Perguntada se estava no protesto, ela respondeu: "Quando eu chegar no céu São Pedro vai falar: é verdade que você vaiou os médicos cubanos? E eu falo: pergunta para Deus que ele sabe. Não adianta o quanto eu fale, sempre vão me perguntar isso". 

Em outras palavras: Mayra vaiou os médicos cubanos, como mostra a foto, e os chamou de escravos? Só Deus sabe. E olhe lá.

Um mês depois desse incidente vergonhoso, racista e xenófobo, a então presidenta Dilma pediu desculpas a Juan e o homenageou em uma cerimônia em que anunciava que mais 3,5 mil médicos estariam atendendo brasileiros nos rincões do país através do Mais Médicos.

Em 2014 Mayra foi candidata à deputada federal pelo PSDB, mas não se elegeu. Em 2018, ainda pelo mesmo partido, candidatou-se à senadora e foi bem votada (ficou em quarto lugar). Depois se filiou ao Partido Novo. Faz parte do grupo RenovaBr (o mesmo que está por trás da deputada Tabata Amaral, recém-saída do PDT). Saiu do Novo recentemente por discordar com João Amoedo, que defende o impeachment de Bolso. 

Mandetta foi responsável por levá-la ao Ministério. Adivinhe pra quê? Para ser secretária da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, responsável pelo programa Mais Médicos. Uma opositora ferrenha do programa tornou-se a diretora do programa. Faz sentido: o ministro do Meio Ambiente é lobista contra o meio ambiente, todos os ministros da Educação odeiam a educação (principalmente os professores e alunos universitários).

Mayra ficou no ministério muito mais do que Mandetta. Quando Pazuello assumiu a pasta, ela virou uma das poucas médicas no Ministério da Saúde, repleto de milicos. Acabou acompanhando o general em várias coletivas. Além do mais, o Exército estava ansioso para despachar o estoque de cloroquina. Encontrou em Mayra uma porta-voz perfeita da anti-ciência.

Mayra se descreve no Instagram como "uma vida inteira dedicada à medicina. São mais de 30 anos de estudos, mestrados e doutoramentos até chegar ao Ministério da Saúde". Incrível como ela coloca essas titulações no plural, visto que ela tem apenas um mestrado (de 2002), e está no terceiro ano do doutorado em Bioética na Universidade do Porto, em Portugal. Ela se formou em medicina em 1991 na UFC e foi presidente do Sindicato dos Médico do Ceará entre 2015 e 2018. 

Além do mais, a Capitã Cloroquina é um dos principais nomes antiaborto no Ceará. Outro é o senador Eduardo Girão (Podemos), criador do projeto Bolsa Estupro. O movimento "Ainda Há Bem" mistura pró-cloroquina e anti-aborto. Em abril o Coco Bambu bancou 10 outdoors do movimento (vale destacar a observação do ginecologista obstetra Cristião Rosas, que diz que nunca houve tantos movimentos de médicos conservadores no Brasil. Ele, que é presbiteriano, é contra misturar religião e ciência: "Também sou médico pela vida, mas pela vida das mulheres. Ser pró-vida não é ser antidireitos").

Esta CPI está lhe fazendo muito bem, rendendo-lhe popularidade e fama entre bolsominions. Ela deve se candidatar à deputada federal ano que vem. Se for esperta, vai esperar Bolso se filiar a algum partido para então entrar no mesmo ninho.