terça-feira, 27 de novembro de 2001

CRÍTICA: O SOBREVIVENTE / Sobreviver é show

Deixei o cinema após ver “O Sobrevivente” e de repente me deu um clique: “Meu! A moça é a mesma de ‘Silêncio dos Inocentes’! A vítima gordinha! Aquela que é mantida no cativeiro!” O maridão, que não gostou nada de “Sobrevivente”, fez uma piadinha infame: “E eu pensava que ela tinha saído do fundo do poço...”. Entendeu? Fundo do poço é onde a muié fica em “Silêncio”. Não? Tudo bem. Dou um beliscão no maridão por você.

Já viu, né, se uma coadjuvante em “Silêncio” vira protagonista de “Sobrevivente”, pode reparar que a segunda película é independente e custou uma pechincha. Por sinal, o nome da atriz é Brooke Smith, mas desconfio que esta revelação não mudará sua vida. Ela está muito bem, assim como o resto do elenco. No entanto, este não é um filme para ser apreciado por multidões. É repulsivo, cínico, e exige do espectador uma enorme dose de senso de humor negro. Em outras palavras, eu gostei.

Não fique impaciente que já vou contar a história. Há um reality show que escolhe seis concorrentes entre a população. Mas, pra participar deste traste, você não precisa preencher fichas de cadastro no site da Globo. Basta ter um RG e ser sorteado. Daí, a produção te entrega uma pistola e um cameraman pra te seguir por todo canto e transmitir cenas reais. Você tem que eliminar os outros participantes para ganhar o único prêmio que importa de fato: sua vida. Não é legal? Certo, não é. Não é mesmo. É terrível. Mas serve como uma ótima paródia dos programas que temos atualmente, melecas como “Big Brother”, “No Limite” e “Casa dos Artistas” (bem mais suave). E o roteiro de “Sobrevivente” foi escrito em 97 e rodado em 99, um pouco antes do hype, desta onda toda. Agora, alguma dúvida que se um show desses existisse de verdade, haveria milhares de inscritos? Várias pessoas fariam qualquer coisa por quinze minutos de fama, nem que fossem seus últimos quinze minutos. Esta opinião é misantropa? É. Mas não deixa de ser verdadeira.

O filme é interessante porque mostra três programas da espécie mundo-cão, com narração típica, comerciais (“Conseguirá a enfermeira matar mais um?”), musiquinha de praxe, simulações, imagens trêmulas e tudo mais que se tem direito. No fundo, o global “Linha Direta” não é muito diferente. Aqui os participantes são uma mocinha virgem, um pai de família desempregado, uma enfermeira apegada à religião, um velhinho recluso, e um artista plástico com câncer nos testículos. Sem falar na personagem principal, uma sobrevivente das duas temporadas anteriores, grávida de oito meses. Ela e o artista tiveram um casinho no passado, o que nos faz supor que terão compaixão um pelo outro.

Não há discussões éticas aqui. O pessoal acata as regras e parte pra briga. Nada de moral e cívica, o que realmente não cabe num programa de TV com edição picotada. Logo, os pais da adolescente a encorajam como se ela fosse uma animadora de torcida. É engraçado vê-los dirigindo uma pergunta banal à filha: “Está levando o casaco?”, seguida, no mesmo tom, por ”Colocou o colete à prova de balas? Destravou a arma?”. Uma menininha diz à assassina: “Te vi na TV. Te amo”, como se uma afirmação conduzisse à outra. Na confissão, uma senhora crê que pecou por ter pensamentos impuros, não por matar alguém. E por aí vai.

É óbvio que o tema de acusar a mídia pela sua sede de sangue já foi exibido antes, Oliver Stone e seus “Assassinos por Natureza” que o digam. Existe até uma aventura com o Schwarzza com o mesmo título de “O Sobrevivente”, de 87. Mas este é mais atraente, inclusive por ter custado um décimo (chutando) do que as superproduções citadas. Se você disser que o assunto caberia num curta-metragem, olha, concordo contigo. Mas, por algum motivo, estou inclinada a defender um filminho cujas últimas palavras são: “oh, m*****!”. Pode me chamar de sentimental.

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