terça-feira, 31 de março de 2020

GUEST POST: AVÓS NÃO TÊM QUE CUIDAR DOS NETOS

Publico hoje o guest post interessante de uma leitora que prefere não se identificar. Ela escreveu isso antes do corona se tornar pandemia e chegar ao Brasil. 

Queria aqui falar sobre um assunto que me incomoda. Ou melhor, este assunto me fascina. O que me incomoda é a forma como a sociedade lida com este tópico.
Falo da velhice. Tenho 36 anos, mas gosto de observar a velhice, pensar nela, tentar me colocar neste lugar. Obviamente ainda me sinto jovem, e muito, mas quero viver para ser uma mulher velha, em algum momento, se tudo der certo. E espero ser respeitada nesta condição.
Tenho observado que há um desrespeito não muito evidente acontecendo por aí. Refiro-me às avós: nós realmente as respeitamos? Diria que não muito. Achamos as “vovós” e os “vovôs” umas gracinhas, mas não estamos muito a fim de entendermos estas pessoas como o que são: pessoas, seres autônomos que não obrigatoriamente estão a fim de cuidar dos filhos dos filhos. Pessoas que têm vida sexual e afetiva, em diversos casos. Pessoas que também gostam de momentos de solidão. Momentos de festa. Momentos de entretenimento. Momentos de NÃO CUIDAR de nada, nem de ninguém. Momentos de puro livre-arbítrio.
Acho importante chamarmos a atenção para isso: nem sempre os avós acham uma tarde com os netinhos um prazer imenso. Nem sempre eles estão disponíveis (e acabam cancelando compromissos pessoais -– seja encontros com amigos, seja questões da vida cotidiana, idas a bancos etc, só para que possam acatar os pedidos dos filhos). Mas não estamos nem aí, achamos que o que é nosso é deles também, e lá se vai a pessoa que já teve que cuidar dos próprios filhos, cuidar dos filhos de terceiros. Sim, filhos são terceiros. E idosos são indivíduos e têm o direito de dizer não quantas vezes quiserem. (E não deveriam nem ser solicitados como são, incessantemente, tendo que decidir entre o não ou o sim. Deveríamos poupá-los deste tipo de berlinda. Deixemos que eles peçam para ver os netos.)
Penso que a questão dos netos é delicada porque envolve algo muito emocionante. Deve ser divino ser avó/avô. Já ouvi isso de amigas mais velhas, de minha própria mãe: “é algo transcendente”. Daí penso que esta questão emocional acabe incutindo certa culpa nos avós. Se eles gostam tanto assim dos netos, como dizem, por que não cuidariam deles? E os filhos diversas vezes usam essa carta na manga: “Ué, você vai negar cuidar do seu neto lindo? Que tipo de avó desalmada é você?”. Funciona que é uma beleza. 
Então isso pode ser um trunfo para o resto da vida. O neto pode ter 18 anos, 20. Não importa. Os pais deste neto podem usar para sempre desta eficaz chantagem emocional. Não cuidar do neto seria coisa de “vô desnaturado”. Não pagar a faculdade particular dele seria um absurdo. O tipo de pedido varia, de acordo com a idade (mas quando se trata de dinheiro, aí eu vejo com total clareza: idoso não tem direito de ter a grana dele para ele mesmo usar como quiser. Tudo tem que ser para os filhos já criados e os netos).
Não seria justo que neste momento, depois de tanta vida vivida, os avós pudessem ter o merecido descanso, curtindo os netos sem grandes abusos, sem terem que ser os responsáveis diretos (ou quase isso) pela prole da prole?
E há uma questão ainda mais interessante aí, que andei notando. Costumamos relacionar este tipo de coisa da qual estou falando às dinâmicas das famílias pobres. 
Penso de forma totalmente diferente, neste caso: não consigo pensar em razão melhor para se contar com a ajuda da família do que a falta de grana. Outras boas razões são a pouca idade (gravidez na adolescência é mais comum nos bairros pobres), a falta de perspectivas, a falta de instrução sobre como cuidar de um bebê. Quando falamos de pessoas pobres, penso que esta talvez seja a melhor solução, mesmo: contar com a família para que aquela criança cresça da melhor forma possível dentro de uma realidade de escassez. 
Mas o que venho observando, ultimamente, é que a classe média já planeja seus filhos contando com a babá gratuita, digo, a avó. Falo de pessoas que pagam escolas particulares para crianças de sete anos, mas se negam a pagar uma babá e livrar a barra de uma pessoa de 66/70 anos, às vezes de até mais idade (visto que na classe média as mães são mães mais tarde). Não falta grana. “Só confio na minha mãe para cuidar de meu filho”. 
Sua mãe teve poder de decisão quando você planejou gerar seu filho? Creio que não, na maioria dos casos. Então, por que ela deveria ser responsabilizada por algo que não compete a ela? Por que esta situação foi criada, onde só se confia em um ser humano específico para cuidar de alguém, sendo que este ser humano específico não escolheu ser avó/avô? Não me parece justo.
Sei que há casos onde a avó insistiu, “quero um neto” etc. Ok, que bom para esta avó, se ela estiver feliz cuidando do neto. Mas duvido que haja muita gente por aí não querendo ser mãe e só sendo porque a futura vovó insistiu. No fim das contas, a decisão de ter filhos é mesmo dos pais, e não dos avós.
Queria apenas abordar este assunto porque percebi nele bastante racismo estrutural, também. O pobre é que leva a fama de “ter filho adoidado”; o pobre é que merece o nojinho da sociedade por ter filho muito cedo. Mas a classe média também tem seus filhinhos sem ter condição de criá-los, se endividando, matriculando em escola que não pode pagar, morando em bairro que não pode morar, jogando essas responsabilidades nas costas de seus pais. 
Pedindo dinheiro a vida toda aos avós da criança, sendo inconvenientes. Mostrando, com todas as evidências, que não soube crescer, se desvincular dos próprios pais e cuidar de seus próprios filhos. A classe média e seus bebês mal planejados não merecem nosso julgamento, também, então? Só os favelados? Mesmo sabendo-se que os favelados, na maioria das vezes, de fato não têm outra opção?
Se alguém tiver ficado chateado com o que escrevi, digo que também estou chateada. Vejo isso acontecendo com minha própria mãe, com minhas amigas mais velhas. Todas sofrendo nas mãos de filhos sem-noção que não entendem que aquela mulher ali, que os pariu, é um ser humano que também sente cansaço. Que tem vontade própria. Que gosta de viver e curtir, do mesmo jeitinho que nós.
Já há pessoas pensando a maternagem. Já há pessoas pensando o que é ser mãe, pai. Já há pessoas pensando quais seriam as melhores maneiras de se criar os filhos. Mas estou vendo pouca gente falando sobre os avós. Na verdade, não vejo ninguém falando sobre eles sob este prisma, dos cuidadores gratuitos. Por isso, enfatizo que meu intento não é demonizar ninguém, até mesmo porque observo que ser mãe/pai é mesmo algo dificílimo. 
O meu ponto aqui é só defender o lado dos mais velhos, mesmo. Acho que não estamos sendo muito respeitosos com eles.
Termino indicando a leitura desta matéria sobre Josefa Feitosa, mulher viajante de 59 anos que disse uma frase óbvia: “Avó não foi feita para cuidar de neto”.

segunda-feira, 30 de março de 2020

A ROTINA DE TRÊS BRASILEIRAS DE DIFERENTES GERAÇÕES NA ESPANHA DURANTE O CORONA

A Espanha não lidou bem no enfrentamento à pandemia (demorou para reagir, e só começou a quarentena no dia 14 de março), e hoje é um dos maiores focos do corona no mundo, com mais de 800 mortos por dia. 
O país já ultrapassou a China no número de infectados (está com 85 mil). Em número de mortos, já conta com 7.340, atrás apenas da Itália. 
Mas nem tudo é desespero. Publico hoje um texto maravilhoso que Maria Ferreira escreveu especialmente pro bloguinho, cheio de detalhes e esperança. Ela foi estudar espanhol por 6 meses em Madri em 2017, depois de se aposentar do Banco do Brasil em Fortaleza, e acabou ficando por lá com a filha (e, depois, a neta). Agora Maria começou um canal no YouTube. Vai lá!

Acompanho desde o início o caos ocorrido na China com a expansão do coronavírus. Quando começou na Itália, eu já imaginava que ele chegaria até nós rapidamente. Sabemos que a globalização ocorrida nas últimas décadas nunca trouxe benefícios para os mais necessitados no planeta, mas é inegável a evolução nas telecomunicações, transporte etc. Em poucos dias estaríamos todos no mesmo barco.
Assim, iniciei um planejamento para uma possível quarentena. No dia 28 de fevereiro fiz uma compra de produtos de limpeza, alimentação, fraldas, paracetamol, soro para hidratação para o caso de disenteria etc. Busquei álcool gel e máscaras, mas já não havia, naquela ocasião.
Sempre que eu falava com pessoas conhecidas sobre o assunto, todos me diziam que esta seria somente mais uma gripe, mas algo me dizia que não era bem assim. Eles acreditaram nisso porque aqui a gripe é muito comum, principalmente durante a mudança das estações do ano. 
Eu estive estudando artesanato por um tempo porque gosto de atividades manuais e tenho muito tecido em casa. Comecei então a costurar nossas próprias máscaras e quando o governo, em seu primeiro decreto, determinou o fechamento de escolas e universidades, eu distribuí 30 máscaras entre conhecidas.
Algumas Ações do Governo Espanhol
Ao atingirmos 4.200 casos de contágio e 120 mortes, o governo, na figura do primeiro ministro Pedro Sanchez, decretou por 15 dias o “estado de alarma”, um estado de alerta imponto uma série de restrições, dentre as quais:
- Redução em 50% do sistema de transportes (trem, metrô, ônibus), e sua limpeza diária;
- Cancelamento de qualquer atividade social, cultural, esportiva e similares;
- Limitação da circulação das pessoas. Somente está autorizado: a) ir ao supermercado comprar produtos de primeira necessidade; b) ir a consultas médicas (a maioria dos agendamentos foi cancelada); c) ir e voltar ao trabalho (com uma autorização), e somente para trabalhos que não poderiam ser feitos em casa.
O governo anunciou a criação dos ERTE (Expediente Temporal de Regulação do Emprego), uma das ferramentas para minimizar os efeitos econômicos nas empresas aliviando seus custos. Pelo que entendi (confesso que não me aprofundei), poderá haver uma suspensão temporária do contrato de trabalho, mas a pessoa tem direito a usar o seguro desemprego, independentemente do tempo de contribuição. Assim, mesmo que a pessoa tenha sido contratada há pouco menos de um mês, será beneficiada. Também poderá haver redução de jornada, de 10 a 70 por cento, com redução do salário e aí o complemento seria o seguro desemprego.
Minha filha já trabalha em casa desde o dia 11 de março e logo na semana seguinte, a empresa comunicou a  cada um dos que estaria em ERTE. Hoje, de um total de quase 200 funcionários, cerca de 10% trabalha fisicamente na empresa, a maioria foi afastada pela ERTE. 
Há também medidas que amparam os autônomos, e está prestes a sair outro decreto para a redução dos aluguéis. Está suspenso o pagamento de financiamento de imóveis e está proibido cortar água, energia e gás, por falta de pagamento.
O Confinamento
Desde o dia 11 de março estamos as três confinadas em casa. Já são quase 20 dias e como havíamos nos preparado em termos de mantimentos, não estamos tendo dificuldades. Os espanhóis e todos os residentes estrangeiros estão obedecendo às normas do governo. Uma ou outra exceção ocorre, que geralmente resulta em multa e/ou prisão. De vez em quando ampliam-se as restrições e não duvido que parem tudo a qualquer hora.
Nestes 19 dias fui ao supermercado duas vezes comprar frutas e verduras. A cada dois ou três dias, desço para por o lixo nos contêineres de fora (só permitido à noite entre as 20:00 e 22:00).
Aqui no prédio, há poucos ruídos. Do lado esquerdo ouvimos uns gritos outro dia, mas não conseguimos identificar de que se tratava. Poucos minutos depois, o barulho do carro da polícia chegando e falando algo por megafone. Do lado direito faz uns quatro dias ouvi uma mulher chorando por umas duas horas. Provavelmente nunca saberemos o que houve.
Os casos
A uns 600m daqui, mora uma amiga brasileira, a Jussara. Eu a conheci em uma manifestação “Fora Temer” que fizemos em frente à Embaixada Brasileira. Ela me contou que faleceu um vizinho e depois vieram desinfetar todo o prédio. Lá todos estão assustados.
Semana passada fiquei sabendo, através do Google Classroom, que Marta, minha professora de espanhol, nos comunicou que não teríamos aula, pois seu pai faleceu de coronavírus pela manhã.
E seguimos assim, aos poucos vão surgindo casos com pessoas conhecidas. Há um grupo de cientistas espanhóis que pedem ao governo restringir mais ainda a mobilidade.
Nossa rotina
Na semana, Carol trabalha das 8:30 às 18:00 trancada no quarto para que possa se concentrar e Sofia. sua filha, a deixe trabalhar. Ali mesmo almoça.
Sofia tem 2,8 anos e parece não perceber que deixou de ir à creche e de passear no parquinho aqui perto. Segue brincando, dançando, cantando, fazendo seus desenhos, vendo seus cuentos e, infelizmente, vendo muita TV (é o jeito). Hoje ela me viu saindo para por o lixo fora e falou que queria passear. A mãe inventou qualquer coisa.
Minha filha às vezes tem dor de cabeça e um dia teve fortes dores na coluna. Eu tive uma  dorzinha ou outra de cabeça, mas acabo com ela com uma “lapada de cana” da reserva que ainda tenho em casa. Choramos algumas vezes, mas seguimos bem.
Como me sinto
Maria Ferreira, autora do post
Muito preocupada com o povo brasileiro. Às vezes me pergunto o que vai ser do tapioqueiro que vende tapioca com café bem cedo nas paradas de ônibus de Fortaleza se tiver de parar de trabalhar. De onde vai retirar seu sustento? E aquela empregada doméstica cuja patroa burra ainda não a liberou para que ela fique em casa? E caso libere, será que vai adiantar o salário? E os velhinhos aposentados do INSS, ficarão amontoados na fila do banco no próximo pagamento? São apenas alguns casos pontuais, dentre milhares que temos em nosso país. Isso sem contar as outras situações que imagino que ocorrerão pela falta de atendimento nos hospitais, cuja saúde está no chão.
Fora isso, meu tempo para sofrer é pouco. Além de estar sempre ocupada com a casa e com Sofia, todo dia falo com a família, amigos, vejo e leio as notícias diárias e, nos intervalos, sigo costurando. Não sou costureira, só sei o básico, mas tenho máquina e tecido suficiente para fazer umas 300 máscaras. Enviei e-mail para a prefeitura, oferecendo minha doação, liguei para dois hospitais, mas não obtive resposta. 
Finalmente liguei para a polícia e eles me transferiram para a Guardia Civil e a pessoa que me atendeu falou que eu podia seguir costurando que ela mandaria um policial pegar. Que alegria! Entretanto, calculei que exagerei na empolgação, pois eu tinha muito tecido, mas pouca linha. 
As máscaras de pano que Maria faz
não são para hospitais, mas são úteis
para quem já está com o vírus. Maria
usa no dia a dia, para ir ao super-
mercado e retirar o lixo
Coloquei um anúncio no grupo do Facebook (Eres de San Sebastián de Los Reyes) aqui da cidade e imediatamente tanto apareceu gente querendo me dar mais linha, como gente se oferecendo para me ajudar a costurar. Como pegar essa linha se não posso sair? Liguei para o moço da Guardia Civil e ele já perguntou se eu tinha algumas para lhe dar. Então, combinamos a entrega e o mesmo policial foi antes pegar a linha na casa de uma das pessoas. Na terça só consegui entregar 36, mas até quinta tinha outras 50. Termino o dia cansada mas já planejando como vai ser o dia seguinte. Sei que é pouco, mas isso me motiva e me faz um bem enorme.
Às vezes, se consigo dormir bem à noite, dou graças ao universo por tanto privilégio, mas lembro daqueles que sequer dormiram. Peço por eles.
Penso que isso vai durar ainda um bom tempo e creio que depois que tudo acabe, o mundo não será mais o mesmo e nós também não. Ojalá que nos tornemos um pouco melhores e que possamos ver as coisas sob um novo olhar!

quinta-feira, 26 de março de 2020

EM TEMPOS DE CORONA, NOSSO VILÃO É A DESCRENÇA DO POVO BRASILEIRO

Publico hoje um ótimo texto de Jean Barroso, escritor, epidemólogo e estudante de medicina da Universidade de Buenos Aires. 

Durante a minha graduação em saúde pública percebi que as pessoas não levavam muito a sério a questão saúde até que fossem afetadas diretamente por uma enfermidade e/ou transtorno. Isso serve para todas as projeções da saúde humana, a saúde física, a emocional, a psicológica, a social e a também a espiritual-religiosa. Porém, quando temos agentes infectantes, como o Coronavirus, que demoram cerca de 15 dias para manifestar as suas agressões, é preocupante para qualquer um não saber quantas pessoas foram contaminadas durante esse período de latência. Com isso, o discurso como o do próprio ministro da Saúde Mandetta, que prevê o colapso do sistema de saúde em abril, reafirma que o governo não tem previsões nada boas.
O mundo está um caos. Na Itália as pessoas não acreditaram no grave que é a situação num primeiro momento, porém quando confirmadas as primeiras mortes, enlouqueceram, saíram aos mercados, esconderam-se, e por semanas não perceberam a gravidade da situação. Hoje, semanas depois, temos confirmadas no território italiano cerca de 7,500 mortes, o dobro do número na China. Prova-se na prática que os dias fazem diferença em uma guerra microscópica, valendo a vida de milhares de pessoas, como foi na Itália.
No Brasil, contudo, nós temos um sistema de saúde gratuito e que apresenta as suas devidas qualidades -- O SUS, uma herança constitucional melhorada e ampliada pelos governos anteriores. Penso que o Sistema Único de Saúde dá um pouco de alívio para a população brasileira de baixa renda, que por sua vez sabe aonde recorrer caso apresente os sintomas da doença, que entre eles está o postinho de saúde do bairro, as unidades de pronto atendimento ou mesmo os hospitais públicos. Porém, aqui apresentamos a dificuldade do SUS sem ajuda do Estado: um sistema acessível, mas que está sem as ferramentas necessárias para conter a doença.
Atento às minhas redes sociais, li e recebi diversos casos de pessoas que apresentaram casos sintomáticos ao COVID19, porém aparentemente os dispositivos para teste de contaminação são poucos e seletivos. Com isso, a minha aflição se transformou em como combater algo que você não sabe se tem. Em época de pandemia, a desinformação se torna um grande vilão. Eu deixo claro que nós somos os agentes transmissores do Corona. E é dever nosso nos isolar, nos tratar e depois voltar ao convívio social. É aqui que entra a nossa segunda dificuldade: o brasileiro ainda não sabe se proteger.
Recebi também diversos vídeos nas minhas redes sociais de pessoas carregando litros de álcool em gel e estocando comida para todo o ano. Creio que este é o tipo de coisa que devemos evitar: o pânico generalizado. A regra é ater-se somente ao necessário -- ir à padaria, ao mercado e à farmácia perto da sua casa. Regras de higiene básica, tomar banho com água e sabão e desinfectar as mãos com um pouco de álcool em gel, habitualmente são suficientes. Quanto à dispensa ao trabalho, alguns setores já foram dispensados, outros necessitam do auxílio estatal, principalmente os setores autônomos. 
Amigos do meio acadêmico têm corrido no mundo em busca de uma vacina. As vacinas estão sendo testadas, ou seja, ainda estão sendo produzidas. A distribuição em larga escala demorará. O mais efetivo no momento é instruir socialmente.
Na Argentina, onde eu moro atualmente, o presidente Alberto Fernández e a sua vice Cristina Kirchner decretaram fechamento de todas as suas fronteiras, centros de ensino e proibiu eventos massivos. Além disso, decretaram isolamento social obrigatório, ou seja, está terminantemente proibido a circulação humana. Foram fechados todos os setores, permitidos o de medicamentos e/ou alimentos. 
O presidente forneceu total apoio e saldo aos autônomos. No Brasil, eu receio que o discurso do presidente Bolsonaro de que “uma gripe não vai me derrubar” se difunda. A nossa sociedade precisa afastar qualquer egocentrismo. Nesse momento, o senso coletivo é uma obrigação social e o isolamento, uma necessidade.
Então, banhar-se de álcool em gel não vai proibir o vírus de contaminar alguém. Essa é uma luta em grupo. O vírus é como qualquer outro vírus, ele deseja se expandir e ele tem a velocidade de contaminação rápida, o que pode ocasionar um superlotamento de vários setores emergenciais da saúde humana. Esperar que o vírus não seja tão rápido só é a solução se todos cooperarmos e nos isolarmos em nossas casas. 
E aqui cabe ao presidente gerir tudo isso, fazendo o possível para que a população esteja em uma situação minimamente confortável durante esse isolamento. Qualquer outro discurso pode ser fatal à saúde de todos. O que está em jogo aqui é a vida dos vulneráveis, é a dizimação dos pobres e é a aniquilação de minorias e grupos, como o grupo indígena, por exemplo. E se calar ou banalizar a situação é um atestado de legitimação desse discurso. É um crime humano. Hitler não foi tão baixo. 
O Brasil é uma grande potência, temos aparato suficiente para conter a crise. Os Estados Unidos já oferecem o mínimo: testes gratuitos de contaminação para toda a população e alguns direitos trabalhistas. Não é um momento de agir com imprudência, eles sabem também. 
O presidente Bolsonaro precisa tomar ações efetivas contra o Coronavirus. Outros setores não são minimante importantes quando se trata de uma guerra microscópica. No momento, o mundo está tentando conter um vírus que mutou e pode mutar outra vez, o Brasil deve fazer o mesmo. A nossa Constituição de 1988 afirma que é um dever do Estado a saúde dos brasileiros. Que se faça cumprir.