terça-feira, 30 de abril de 2013

GUEST POST: AS PESSOAS SÃO CRUEIS COMIGO POR CAUSA DO MEU CHEIRO

A R. me enviou este relato que destruiu meu coração em pedacinhos e depois tacou fogo. Foi coincidência porque recebi o relato pouco depois de chegar a dúvida da leitora sobre o que fazer com a amiga que cheira mal. Olha, só sei que o mundo é muito cruel e intolerante com qualquer pessoa que fuja um tiquinho que seja do padrão. 

Sou uma leitora recente e me senti acolhida pelos relatos de tantas outras moças. Não sei se a minha história se encaixa no perfil do blog, porque não é o abuso sexual que li em muitos posts, mas me sinto agredida de certa forma e gostaria de contar.
Tenho 23 anos e sofro desde os 19 de um problema que acomete apenas um por cento da população, a hiperidrose. Transpiro em excesso e com isso vem a bromidrose, que é o cheiro ruim da transpiração no corpo. No meu caso o suor acontece nas axilas, pés e mãos.
Sempre fui cuidadosa com a higiene pessoal, roupas e calçados. Quando comecei a transpirar bastante redobrei os cuidados, tomo tantos banhos quanto possível, cuido muito da depilação e higiene das axilas e também do trato com os pés, sempre limpos, esfoliados, sem micose alguma. Nessa trajetória usei inúmeras fórmulas caseiras e arriscadas, além de muitos produtos receitados, todos sem resultado. Passei por mais de um médico que riu da situação. Eu senti que precisava passar por um psicólogo e este foi um dos que me desrespeitaram. Ele nem imaginava o quanto ensaiei pra entrar naquela sala e começar a contar minha história! Depois dessa com o psicólogo não me senti à vontade pra falar sobre o assunto com outras pessoas.
Quando iniciei a faculdade, já estava trabalhando. Trabalhava o dia todo e em seguida ia de van pra faculdade. Não dava tempo de passar em casa pra tomar banho, então eu levava uma camisa extra, sabonete, toalhinha e desodorante. Assim, no trabalho mesmo, eu fazia uma higiene improvisada, trocava camisa, meias e calçado. Mas antes de acabar a primeira aula o suor entrava em ação e cheirava mal, um cheiro que atravessava o calçado e não tinha jeito. Na van e na sala de aula eu era o motivo das indiretas e piadas. Ouvia coisas como “nunca vi uma moça cheirar igual macho”, “mulher porca é f***”, “banho não tira pedaço”, “não adianta se arrumar pra vir à aula e chegar fedendo”. 
O pessoal notava o cheiro, mas não notava que eu tinha sentimentos!
No trabalho as indiretas e caretas continuavam. Um dia cheguei e um colega tinha afastado minha mesa das demais, eu ficava longe de todos. Vale dizer que sempre fui competente e gostava do meu trabalho, mas os comentários acabavam comigo. Pedi demissão e quando voltei à empresa para assinar alguns documentos havia uma cestinha de higiene pessoal, presente dos colegas de departamento. 
Eu segui com tratamentos ineficazes, cada receita nova era uma esperança de chegar cheirosa, de cabeça erguida, digna de assistir uma aula sem incomodar a galera com cheiro de suor. Pensando que minhas roupas e calçados estivessem com o odor entranhado e que lavar bem já não adiantava, refiz o guarda roupa e comprei sapatos novos. Nunca tive grana sobrando, mas era para o meu bem estar. As coisas não mudaram e tranquei a faculdade, pois estava esgotada. Fui ficando retraída, cabisbaixa, introspectiva. Achava que qualquer pessoa era mais digna por ser “limpa”. De tanto escutar até de pessoas que eu queria bem que “fulano é muito limpinho” “sicrano é tão cheiroso”, me peguei várias vezes com a sensação de que meu corpo de certa forma era sujo.
As alternativas que pareciam mais eficazes eram a simpatectomia, uma cirurgia que destrói a cadeia simpática (responsável pela transpiração), mas na maioria dos casos após a cirurgia o paciente desenvolve o suor compensatório, que pode ocorrer em grande volume nas nádegas, coxas, virilha, costas ou barriga. Fiquei com medo desse suor compensatório e optei por outro tratamento, interromper as atividades das glândulas sudoríparas com toxina botulínica, o botox. Foi uma maravilha, recebi a aplicação de botox apenas nas axilas. Fiz apenas nas axilas, e durante os seis meses me senti bem melhor. Infelizmente não dava pra desembolsar essa grana a cada semestre.
Aprendi lendo que o que causa o odor são as bactérias encontradas nos locais do suor, que começam a se decompor, gerando o odor fétido. O suor sozinho não tem cheiro. As bichinhas são resistentes; as fórmulas que os médicos me receitaram nunca funcionaram. Algumas pessoas que obtém bons resultados dizem que depois de um tempo usando o antibiótico as bactérias acostumam. Minha solução seria acabar com elas ou com o suor. Uma moça de Porto Alegre fez uma cirurgia um pouco diferente, mas ela não transpirava, só tinha o odor (isso também pode acontecer). Ela criou um blog que agora está desatualizado, pois ela se recuperou e tocou a vida.
A bromidrose limitou minha vida durante um tempo: eu não evoluía, não tinha coragem de retomar a faculdade, não tinha coragem de operar, não conseguia fazer as coisas simples, não tirei habilitação, não parava nos empregos, perdi oportunidades. Meus pais não entendiam a razão de eu não conseguir concluir nada e tampouco me ajudavam a encontrar uma solução.
Eu me poupava de sair e passar constrangimento, mas se todo mundo se formava, viajava, por que não eu?
Comecei a estudar japonês. As aulas eram uma vez por semana e mesmo com alguns inconvenientes, eu persisti. Algum tempo depois houve seleção para bolsas de estudos no Japão, passei e estou aqui há vários meses. Tenho aulas todos os dias. Na minha turma tem coreanos e brasileiros, e as brincadeiras de mau gosto continuam; não sei se os coreanos também fazem piadas, porque eu não entendo.

Comentei com algumas pessoas sobre o suor em excesso, a fim de esclarecer a causa do cheiro que aparece em mim depois de um tempinho. Minha colega de quarto vê o quanto me cuido e contei que há bastante tempo busco uma solução, mas segundo as palavras dela, “uma vez fedido, fedido pra sempre; as pessoas irão te rotular não importa quantos banhos você tome”.
Na aula me sento isolada, fico bem quieta, quase sem me mexer, tanto que depois de algumas horas sinto dores na coluna e nos membros. 
Às vezes chego perto e as pessoas cobrem o nariz, e por isso desisti de me aproximar. Quando vem chegando alguém, instintivamente me afasto. Faço todas as refeições sozinha, quase não saio do dormitório. A última vez que me permiti jantar em grupo fiquei muito envergonhada, quem estava perto jantou cobrindo o nariz. Saí antes de todos, só queria voltar para o quarto, tomar um banho e ficar em paz.
Um dia os brasileiros queridos da classe promoveram uma "brincadeira" pública referente ao meu cheiro. Não sabia o que fazer Lola, queria explodir, gritar que eu não tinha culpa, que queria ser normal, que fazia o possível e não adiantava. Meu rosto pegava fogo, quis chorar de raiva, travei e apenas me mantive em silêncio.

Tenho raiva das pessoas por me hostilizarem, entendo que ninguém gosta de mau cheiro, mas qual o prazer em machucar tanto? Meu maior desejo é chegar em algum lugar e me sentir à vontade, poder me mexer com liberdade, sentar ao lado das pessoas, ficar conversando, passar o dia fora de casa, fazer coisas em grupo, abraçar, estudar me preocupando apenas com a matéria e não o com cheiro de nada, aproveitar minha estadia por aqui, me divertir... Sinto falta das coisas simples.
Planejei que assim que chegar ao Brasil vou fazer a cirurgia enfrentando os riscos. Se o suor e o mau cheiro diminuírem, será satisfatório. O intercâmbio acabará logo, mas estou a ponto de desistir, as coisas que os outros dizem me afetam demais. As piadas são cruéis, ninguém percebe o quanto dói. Acordo em pânico por ter que enfrentá-los mais um dia.
Quis contar minha história pra alguém que acredito que não vá me tachar de primeira. Sempre fui muito alegre, brincalhona, e agora me sinto como um bicho acuado.

UPDATE em agosto: Final feliz!

segunda-feira, 29 de abril de 2013

MACHISMO NA UNIVERSIDADE, ATÉ QUANDO?


Fiquei bem decepcionada com os comentários no post (e fora dele) sobre o Happy Hour da Empregada na Veterinária da USP. 
Foi um festival de "ninguém força calouro a participar de trote ou de festa". Discussão sobre por que alunos de uma universidade (que deveria ser um lugar de transformação, não de perpetuação de preconceitos) acham ok serem machistas, racistas, classistas e homofóbicos? Não trabalhamos. E é exatamente essa a questão.
Semana passada chegou pra mim uma excelente entrevista com dois professores da USP que estudaram trotes. Suas conclusões: 
“É no trote que se testa quem aceita submissão, que depois, no segundo ano, para pertencer ao grupo, você precisa dar trote. Então tem muitos alunos que passam por todos os trotes no primeiro ano e depois não conseguem dar o trote no segundo ano e são marginalizados pelos trotistas.”
Pois é, o trote é mais que um rito de passagem: é um teste pra ver quem será eternamente submissx. E mais, segundo os professores:
“A universidade quer o trote, aí é que está o problema. Há muitos professores e dirigentes que querem o trote. Primeiro para formar uma falange política dentro da universidade. Uma falange que apoie as propostas conservadoras e que apoie esses dirigentes conservadores. Portanto, uma das coisas que está presente no trote é a idolatria da instituição. […] O trote é fundamental para formar uma falange política coesa e obediente que vai fazer aquilo que as pessoas que estão no topo da hierarquia mandam.”

Com as mulheres, o trote faz a subjugação de quem já é subjugada pela sociedade. 
Neste final de semana, enquanto eu estava em Volta Redonda, mais duas notícias me chegaram sobre machismo na USP.
Primeiro a K. me enviou este relato: "Desde o seu texto sobre o Miss Bixete em São Carlos eu fiquei abismada. Afinal, no meu campus, mesmo sendo de Engenharia, nunca senti o machismo com essa intensidade, tanto que cheguei a duvidar de que tal coisa poderia acontecer no meu mundinho da USP, mas aí eu encontrei isso".
E K. me envia um texto. O assunto foi matéria do G1 ontem, sempre com aquela construção linguística raramente vista quando se fala de outros crimes, mas tão comum em casos de estupro: "Aluna da USP diz ter sido estuprada por colegas em festa em Lorena".
"Sexta-feira 26/04, uma aluna da Escola de Engenharia de Lorena sofreu violação a dignidade sexual e estupro (como consta no Boletim de Ocorrência), em uma república da faculdade. 
Ela foi chamada para ir a uma festa na república. Chegando lá, por volta das 20h30min, estava o garoto que a convidou, um amigo dele que não é da faculdade e uma garota da faculdade e moradora do prédio. A segunda garota teve que ir embora e ficaram apenas os três no apartamento. Alguns instantes depois, momento em que a vítima olhava a rua pela janela do apartamento, ambos chegaram por trás e começaram a passar as mãos pelo seu corpo, tentando, inclusive beijá-la. Repreendendo as atitudes de ambos, a vítima começou a chorar e saiu de perto, pedindo inclusive a chave apara ir embora, ato negado pelos caras. 
Para se resguardar, a vítima foi para um quarto e por lá permaneceu por algum tempo. Com o forçar da porta, que estava trancada, os dois que já estavam no apartamento e outro morador, também da faculdade, entraram no quarto e começaram a conversar com a vítima. De repente todos partiram para cima da garota e arrancaram-lhe a roupa, deixando-a apenas de calcinha. Beijaram e agarraram a garota forçosa e grosseiramente. Um dos garotos deixou de prosseguir com o ato e ficou assistindo tudo, enquanto os outros dois continuaram. Só pararam quando ela começou a gritar e bater neles. E então permitiram que ela fosse embora, por volta das 23h.
Enquanto o abuso sexual contra mulheres não for encarado como crime pela maior parte da sociedade, casos como esse continuaram existindo. De forma nenhuma esta luta deve ser encarada como uma questão individual. Uma questão onde supostamente a subjetividade impera. A violência contra a mulher é um tema onde devemos sim meter a colher.
A violência contra as mulher é uma violação aos direitos humanos, considerada pela OEA como uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e que impedem o pleno avanço das mulheres. Não podemos permitir que os violadores de direitos sigam impunes!
Para a gestão Juntos Pela EEL! do Diretório Acadêmico (D.A.) da EEL-USP e para a gestão Não vou me adaptar!, do DCE-Livre da USP, isso é inadmissível e vamos ajudar a aluna da Escola de Engenharia de Lorena no que precisar.
O D.A. e o DCE-Livre da USP ampliarão a campanha em toda Escola de Engenharia de Lorena contra o machismo, a violência e a opressão das mulheres. Por todas as vias possíveis: pela internet, nos cursos, salas de aula, centros acadêmicos e ruas. Devemos pintar a EEL-USP de roxo e jamais permitir que situações de violência e opressão tenham espaço entre os estudantes da nossa Universidade. Fazemos um chamado a todas as entidades e coletivos do movimento estudantil de dentro e fora da USP, bem como o conjunto do movimento social brasileiro, a rechaçar toda forma de machismo, violência e opressão contra as mulheres.
Machismo, violência e opressão contra as mulheres: Não passarão!"

Típico, não? Essa história me fez lembrar de dois casos que aconteceram comigo. Um deles foi a minha mais terrível história de horror, porque um carinha pensou que, se eu transei com ele, eu poderia transar também com seu primo. Felizmente eu me dei conta, saí de lá, e eles não tentaram me impedir, mas a humilhação de não ter minhas escolhas respeitadas é marcante. 
No outro caso eu já não era mais adolescente. 23 anos atrás, quando eu estava trabalhando, de passagem por Fortaleza, peguei carona com um grupo de três rapazes que tinha conhecido num bar. Não havia absolutamente nenhuma conotação sexual na conversa que tivemos no bar, ninguém tinha bebido demais (eu não bebo). E, no entanto, os universitários pararam o carro na garagem de um deles e só queriam me levar até meu hotel (foi pra isso que eu aceitei a carona, ué) se eu subisse com eles até o apartamento. Se eu tivesse subido, não tenho dúvidas que os acontecimentos seriam bem parecidos com o da aluna de Lorena.
De alunos da Universidade Federal de Pelotas, abril 2013.
Também recebi um outro email, sem muita relação com o estupro em Lorena.
A J. me enviou este email: "Sou da Frente Feminista de São Carlos, que organizou a intervenção contra o Miss Bixete no início do ano.  A intervenção e a repercussão nos renderam bons frutos e colocaram o debate sobre a questão de gênero no campus. O GAP (Grupo de Apoio à Putaria) teve que responder a muitos questionamentos, e alguns integrantes foram punidos pelo CAASO, ou tiveram que fazer serviço comunitários. 
Quando achamos que eles iriam ficar um pouco mais tranquilos, recebi essa foto com uma camiseta que eles estão vendendo, com um hino que eles cantam sobre as meninas da Biologia. Mais uma tradição machista universitária! [clique para ampliar].
Há relatos de meninas que estavam com o casaco da biologia e que, quando encontraram um grupo de meninos, eles cantavam esse hino pra elas na rua! Isso é muito ofensivo!
As meninas da Biologia tem muita vontade de fazer alguma coisa, mas existe o receio  de provocar esse grupo. Algumas colocam que eles não vão mudar ou que eles não vão ouvir, mas acredito que fazer algo é necessário não para atingi-los, mas para atingir as próprias meninas que acabam naturalizando ou tentando ignorar esse absurdo. 
Os posts do seu blog foram muito importantes para nós no Miss Bixete, pois além de serem escritos com um olhar atento às questões de gênero mais sutis, conseguiu ganhar uma maior magnitude e seriedade."

Que injusto, dirão alguns, que eu coloque esses dois casos no mesmo post. Um caso de um estupro junto a um relato de mais uma "brincadeirinha inocente" desses carinhas tão bacanas do GAP... Acontece que, como já mostrei aqui, essa mentalidade de ver mulheres como bonecas infláveis, como seres inferiores, sem autonomia, ou como animais "no cio" (como revela o hino -- aliás, por que diabos homem hétero reclama de mulheres que fazem muito sexo e gostam? Deveria estar comemorando!) muitas vezes leva à violência. 
Uma leitora aqui do blog, muito antes desses escândalos referentes a São Carlos, contou o estupro que sofreu numa festa em 2008, quando era estudante da USP de lá. Depois ela revelou que o estuprador era do mesmo GAP. 
Mês passado, também em São Carlos, um estudante de 22 anos denunciou à polícia que, enquanto estava no alojamento da USP, foi cercado por oito universitários que o obrigaram a tocar no pênis deles e queriam forçá-lo a fazer sexo oral.
Quantos casos serão necessários para que as pessoas vejam que há uma forte relação entre as "brincadeiras" dos trotes e festas machistas com o estupro? Ou pelo menos com a perpetuação dos preconceitos que não raro levam ao estupro? 
Não são casos isolados. São comuns. Para falar sobre eles, o DCE Livre irá promover um ato-debate. Será esta quinta, às 18 horas, no Auditório de História da USP. Eu estarei lá. Espero que você também (e, se você não é da USP, organize eventos na sua universidade para refletir sobre essas práticas ultrapassadas disfarçadas de tradição). 
O machismo não deveria ter espaço em lugar nenhum. Muito menos numa universidade pública.

domingo, 28 de abril de 2013

SAIU A REIMPRESSÃO DO LIVRO! GUEST POST PRA COMEMORAR

Gato da Shey expressa opinião sobre meu livrinho

Pessoas queridas, finalmente, até que enfim, aleluia, tenho mais livros pra vender! A primeira edição se esgotou ano passado, e agora saiu a reimpressão. 
Não é chamada de segunda edicão porque nada foi mudado, mas tá lá escrito, "primeira reimpressão 2013". É quase certeza de que será a única reimpressão, então, por favor, garanta o seu exemplar. 
Estou falando do meu livrinho de crônicas de cinema. Juro que todo mundo que comprou adorou! Tenho fotos e palavras pra provar. Muitas mesmo, e espero poder publicar mais fotos de leitorxs felizes logo logo.
Pra comprar meu livrinho e ganhar a dedicatória mais longa e pessoal já vista neste mundo, é só depositar R$ 30 (ou R$ 26,30, se preferir por registro módico) na minha conta corrente do Banco do Brasil, agência 3653-6, cc 32853-7, ou Banco Santander, agência 3508, cc 010772760. Aí você envia pro meu email (lolaescreva@gmail.com) um comprovante de pagamento ou printscreen, seu endereço (com CEP), e algumas linhas sobre a sua pessoa, para que eu possa me inspirar na hora de escrever uma dedicatória (veja aqui como fazer pra comprar se você mora fora do Brasil, ou se você quer comprar dois ou mais exemplares). Daí é só esperar que em até dez dias o livro chega na sua casa.
Por favor, compre mesmo, que o Dia das Mães vem aí, e o meu livrinho é um presente bacana pra mães cinéfilas. E também porque agora preciso vender duzentos livros!
Sobre as linhas que você deve me enviar pra que eu me inspire, não precisa ser nada tão elaborado quanto este lindo relato que a Cássia me mandou em julho, quando comprou meu livro.

Lola, encontrei seu site este ano [2012], quando tava dando uma lida sobre cinema.
Tava lendo "como ver um filme", passei para um sobre roteiros (coisas básicas, nada muito teórico), e achei um post seu sobre os filmes do Oscar, a visão masculina predominante...
Daí foi uma libertação e um resgate, porque quando eu era criança, era a mais inteligente da sala, tirava as melhores notas sem esforço, não dava problema de comportamento pras professoras, não compactuava com a falta de educação dos colegas.

Como as pessoas me viam naquela época (e como se lembram de mim)? Como a gorda, a feia, a que usava óculos, a que se vestia de bermuda e camiseta e não de vestidinho, a que não era romântica (poxa, quem não quer ser amada?), a que não enfeitava o cabelo, a que não usava maquiagem, a que era a pior na educação física, a chata que se empolgava nas aulas de filosofia, a chata que sempre queria atacar o que achava errado (machismo, racismo, bullying -- e sem nem saber o que tudo isso significava direito).
Fiquei adolescente, emagreci uns 7 quilos, passei a usar lentes de contato, tirei o aparelho dos dentes e fiquei badalada. Ah, aí sim eu tava legal. Eu me lembro que fiz amizade com uma vizinha de quem eu gostava muito. Aí vieram uns amigos me falarem pra parar de andar com ela porque era "o maior queima filme". Hein? Eles tiveram que explicar, porque eu não entendi. A lógica era a seguinte: eu era (sou) branca, bonita, do cabelo naturalmente liso. Ela, morena, do "cabelo ruim", gorda e feia. E que se eu continuasse andando com ela, como ela era feia e espantava os homens (sério?), eu acabaria sozinha também, porque ninguém ia se aproximar de mim quando eu estivesse do lado dela. Detalhe: duas dessas criaturas que me deram tão bom conselho passaram depois um tempo na cadeia por furto, roubo e tráfico de drogas. Gente de classe média, bonita, não-negra, e cheia de bons conselhos pra dar.
E outras coisas aconteceram, minha mãe um dia me proibiu de sair porque eu disse que iria só eu e uma amiga -- no caso, negra, gorda, cabelo rastafari -- e ela disse que não era companhia pra mim. A gente fazia inglês juntas, tinha as mesmas amizades, morava perto, mas... ela era "inadequada".
Teve também o dia que o meu professor de química passou dos limites comigo. Estávamos no laboratório de informática, a turma toda, eu na última cadeira. Ele se sentou ao meu lado, fingiu dar atenção ao meu colega e enfiou a mão por debaixo da minha blusa e ficou acariciando minha barriga. Poxa, eu tinha uns 15 anos e ele, uns 50. E ninguém viu. Pedi conselho pra minha mãe, e o que ela disse? Deixa pra lá. Já que não tinha como provar, e como eu já me sentia culpada mesmo sendo vítima, deixei. Contei pra duas amigas, chorei, mas não toquei no assunto com a direção.
E voltando ao peso, mesmo na época em que eu estive mais magra (52 kg, ossinhos), ainda assim eu nunca fui magra o suficiente. Eu me lembro de depois ter ficado sabendo do comentário do meu namorado à época para o namorado seguinte (é, eles eram amigos) de que eu era linda de rosto. Sabe o que me custou ficar tão magra? Eu ficava feliz quando adoecia e secava mais. Mas ainda assim, não tinha o corpo bonito o suficiente -- isso para duas pessoas que em tese sentiam atração física por mim.
Depois veio o meu casamento de quase dez anos com um babaca. Ele achava que o papel do homem era de provedor, e, o da mulher, de gostosa (detalhe: mesmo achando que homem era provedor, ele nunca pagou as contas sozinho. Nem te conto o prejuízo que eu tive). E como eu tava gorda, ele me insultava quase todos os dias. E, por eu ter tido namorados antes dele, me tratava com uma violência verbal inacreditável. Eu aguentava tudo, pensando que era melhor estar com a coisa do que voltar a morar com minha mãe. Meu pai, meu irmão, o povo do trabalho, todo mundo que eu convivia (até desconhecidos na rua), achavam que eu tinha que tomar vergonha na cara e emagrecer, mas ninguém queria saber de verdade o que eu estava passando.
A última agora foi o cara com quem eu tô saindo (hoje eu tô com uns 84 kg) virar pra mim e dizer que, num jogo de futebol de faculdade, tinha uma menina caloura torcendo contra o time dos veteranos e que ela era muito chata, e que por isso ele resolveu testar uma coisa: o homem pode ser xingado de qualquer coisa, mas chamar a mulher de gorda é o pior insulto do mundo. E ele então xingou a menina de gorda na frente de todos, os amigos dele riram, os dela também. Ele ficou satisfeito porque "ela tava enchendo muito o saco", mesmo admitindo que não foi bonito o que ele fez. Lola, demorou dois dias pra digerir a história e ter uma reação. Há requintes de crueldade da sociedade contra a mulher tão enraizados, que as pessoas já interiorizaram tanto, que nem percebem mais.
Enfim, aconteceram muitas coisas na minha vida, e eu muito raramente me lembrava daquela criança que eu fui, inconformada com as coisas. Acabei empurrando vários dissabores pra baixo do tapete e vivendo acomodada. Com o seu blog, resgatei essas histórias e voltei a refletir, a questionar. Descobri que existe violência obstétrica, e que o que eu passei no parto da minha filha não foi um choque de culturas entre uma menina mimada e um corpo médico atarefado, mas sim uma violência institucionalizada que nos atinge no momento de maior fragilidade.
Apesar de todas as lágrimas dessa terapia forçada, amei conhecer seu blog e, mesmo o livro não sendo sobre feminismo, e sim sobre cinema, fico muito feliz em poder estar em contato com alguém que não se recusa a pensar.
Sobre a dedicatória, pode ser apenas "com carinho". Porque é isso que falta nesse mundo.

sábado, 27 de abril de 2013

GUEST POST: O FUNK E O FEMINISMO


Verinha Dias e Samantha Pistor, do Feminismo sem Demagogia, aceitaram meu convite e escreveram este guest post. 

Na quarta-feira foi feita uma postagem na página do Facebook Feminismo Sem Demagogia. A postagem versava sobre o funk e seu papel no feminismo. Sem demora, houve uma grande quantidade de comentários, sendo que a grande maioria condenava o funk e as funkeiras, acusando-as de produtos do machismo, com uma ótica totalmente elitista. Não bastasse isso, havia também as clássicas acusações sobre as funkeiras não se “darem o valor”, não “se respeitarem” e ainda “serem vulgares”.
Em razão do preconceito que ainda existe contra o funk e como muitas das pessoas que comentaram na postagem se assumiam feministas, faz-se necessário, então, apresentar uma discussão sobre o funk e seu papel no feminismo.
O funk que se ouve no Brasil não é o mesmo originário dos Estados Unidos. O funk brasileiro, oriundo do Estado do Rio de Janeiro e por isso chamado de funk carioca, é um estilo musical que ganhou força a partir dos anos 70, com a promoção de bailes de black, soul, shaft e funk, bem como com a busca por novos estilos de música negra.
No começo dos anos 2000 vieram à tona as mulheres do funk. Inicialmente, elas limitavam-se apenas a dançar e participar dos clipes musicais, para o deleite dos olhos masculinos. Eram as tchutchucas, as preparadas, as cachorras, as popozudas. Essas denominações tinham um significado lógico: o exercício da dominação do homem sobre a mulher, tema sobre qual versava a música funk na época. Durante anos o único papel da mulher no funk era simplesmente decorativo. 
Entretanto, houve uma reviravolta no meio do funk e as mulheres começaram a redefinir esses nomes antes ligados à dominação. Cachorra, por exemplo, não equivale mais à mulher que serve apenas para satisfazer sexualmente o homem. Hoje, o termo é significado de mulher livre, que fica com quem quiser no baile, dança sensualizando porque tem uma autoestima elevada (estando ou não dentro do padrão imposto pela sociedade), faz sexo casual, e acima de tudo, busca e exige prazer com o sexo. 
Uma das justificativas para a Marcha das Vadias ter este nome é a intenção de tirar o peso negativo da palavra “vadia” e mudar seu significado para o mundo. Os termos usados pelas funkeiras em suas letras seguem o mesmo princípio. A única diferença é que a linguagem do funk é voltada para seu público-alvo: as classes mais baixas. As funkeiras cantam para as mulheres da favela e dialogam com elas. E falar de liberdade sexual e do prazer feminino de forma honesta e direta é uma das bandeiras do feminismo. 
Uma das funkeiras mais conhecidas e que recentemente virou tema de tese de mestrado é Valesca Popozuda. Valesca sempre se identificou como feminista e fez inúmeras campanhas contra o fim da homofobia e do machismo. Ela foi, inclusive, uma das poucas cantoras que contratou uma mulher trans para dançar em seus shows.
Numa de suas músicas Valesca canta: “Só me dava porrada/ e partia pra farra/ Eu ficava sozinha esperando você / Eu gritava e chorava, que nem uma maluca/ Valeu, muito obrigada, mas agora eu virei puta!”. O discurso político e feminista cantado por Valesca remonta à história das mulheres que sofrem violência doméstica. A letra fala, inclusive, do assédio moral além das agressões físicas. A mulher retratada na canção era agredida, abandonada, sofria todo o tipo de humilhações. Esta mesma mulher busca sua libertação e a alcança, se tachando e sendo tachada de “puta” por ter abandonado o marido que a agredia e o casamento fracassado. 
Não tem como negar o discurso feminista embutido nessa canção. Valesca dialoga essencialmente com a mulher de baixa renda, com a mulher que mora em comunidades, com a mulher que, por desconhecimento, ainda acha que deve obediência e submissão ao seu homem. Esta mulher, que não conhece Simone de Beauvoir ou Virginia Woolf, é atingida. Conhece o feminismo a partir das canções de Valesca.
Muitas pessoas feministas repudiam com veemência a ideia de que existe feminismo no funk, nas músicas cantadas pelas funkeiras, no estilo de dança realizado. Há moralismo nas críticas feitas em desfavor do funk, além do elitismo visível. O que muitas pessoas não entendem é que o funk é um tipo de arte cultural. Pode não ser cultura da classe média, mas é a cultura do "povão".
Nenhuma pessoa é obrigada a apreciar o funk ou a dançar funk, mas é necessário reconhecer seu papel político ante as mulheres de baixa renda. Não é à toa que o fato de uma estudante de mestrado ter escolhido como tema de sua tese o papel da Valesca no feminismo tenha causado tanta repercussão. Reconhece-se o funk, o grito do povo, como arte. A classe média chora inconformada.