quarta-feira, 27 de maio de 1998

CRÍTICA: IMPACTO PROFUNDO / Mas será o fim do mundo?

Impacto Profundo dá novo sentido à expressão “cinema catástrofe”: um filme tão ruim que nada se salva

O mais recente filme de ação em cartaz no Estado tem a profundidade de um pires. Aliás, minto. Um pires é menos raso. Impacto Profundo é um festival de clichês, da primeira à última cena, e, além disso, é cinema pra criança. Pode levar o filhinho sem medo de atentado ao pudor, pois não há palavrões, violência ou sexo. A entrada é livre. Felizmente, a saída também.

A história é igualzinha a de Armageddon, com Bruce Willis, previsto para estrear em julho. Nos últimos tempos, Hollywood enfrenta tamanha falta de criatividade que não se contenta em fazer apenas um filme medíocre sobre o mesmo tema. Agora são dois. Recentemente foi a vez de O Inferno de Dante e Volcano se digladiarem na bilheteria, com vitória fácil do primeiro, que era bem melhor. Em breve assistiremos o duelo Impacto Profundo X Armageddon, Dreamworks X Universal. Quem vencerá? O que importa? Desde já é uma batalha inglória.

Ah sim, o "tema" em questão: um meteoro vai se chocar contra a Terra e causar a provável extinção da espécie humana. Ou, pelo menos, dos americanos, que é no que se resume o mundo moderno desde Independence Day. O presidente (Morgan Freeman, que é negro. Só em ficção mesmo um povo racista elege um afro-americano. Jesse Jackson não conseguiu sequer ser candidato) envia um grupo de astronautas para destruir a ameaça. Eles falham, ou melhor, dividem o meteoro em dois, um pequeno e um grandão. Até aí já se passou metade do filme. O chefe-da-nação parte para o plano B, que consiste em colocar um milhão de americanos em minas subterrâneas, onde estariam protegidos e poderiam perpetuar a espécie. Duzentos mil são pré-selecionados, e os outros 800 mil são sorteados democraticamente. Imaginem se isso fosse real. Deste um milhão, quantos seriam psicopatas armados que atirariam em crianças saindo das escolas nas cavernas?

Mas Impacto Profundo não está nem um pouco preocupado com a realidade, é claro. Idéias que poderiam ser interessantes, como o pensamento dos escolhidos, saques, suicídios, novas seitas etc., são totalmente desprezados. A diretora Mimi Leder, a mesma de O Pacificador, prefere gastar o tempo mostrando fotos de infância de um dos protagonistas. Contando ninguém acredita. E falando em Deus, que o filme é profundamente religioso- quer dizer, voltando ao pires.

E tudo isso embalado a muita música melosa. Acho que não existe um só minuto de silêncio. O cinema atual chegou ao ponto de um personagem falar algo banal, como "oi", e entrar a música arrasa-quarteirão. Esse pessoal deveria assistir a Os Pássaros, de Hitchcock, para aprender como se cria clima e suspense sem um pio. A trilha sonora de Impacto é de James Horner, responsável por Titanic. A culpa não é da música em si, mas do uso que fazem dela. É simplesmente ridículo.

O elenco também é de amargar. Há grandes atores como Morgan Freeman, na pior interpretação de sua carreira, Robert Duvall velhinho e decadente, Vanessa Redgrave desesperadamente precisando de dinheiro - estão todos lá. Mas hors-concours mesmo é Téa Leoni, esposa do astro de Arquivo X David Duchovny na vida real. Stallone finalmente teria um par à altura, alguém que poderia contracenar com ele sem lhe roubar cenas. Téa é 100% inexpressiva e também parece sofrer de paralisia facial. Uhm, é ela a protagonista; um show à parte. E ela é uma das pré-selecionadas para perpetuar a espécie!

Entre outros momentos memoráveis, há o encontro do casal de adolescentes no meio do trânsito caótico. O filme é tão moralista e infantil que o único par romântico é composto por dois púberes que até se casam no papel. Apesar de não pensarem em sexo, ganham um bebê no melhor estilo "toma que o filho seu". É para reforçar a idéia de família, de que casal sem filhos não pode ser uma família. Tal qual o mundinho Disney, onde Mickey e Donald não têm filhos, mas sobrinhos, o casal aqui consegue um bebê sem precisar passar pelo desgastante processo de reprodução.

Quando os astronautas lacrimejantes, logo antes de salvarem o planeta, começam a se despedir de suas famílias, tudo que consegui pensar foi "meu Deus, quantos astronautas são?". Sim, porque a meia dúzia diz adeus um por um. A esposa de um dos heróis invade a sala de controle com o bebê no colo, se joga na frente da câmera e diz: "Filhinho, mostra seu foguetinho pro papai". Juro que não estou inventando. É uma cena antológica: o maior símbolo fálico do filme faltando apenas alguns segundos para a aniquilação total da Terra.

E é aqui que me senti especialmente lesada: a gente agüenta esta bomba toda pra ver somente a colisão de um meteoro (o menorzinho)? O tal do impacto profundo destrói só algumas cidades, e só por causa de umas ondas do mar. Definitivamente não vale o preço do ingresso ver a estátua da liberdade decepada ou a Casa Branca destruída (de novo? Eles economizam na maquete?). Impacto Profundo não tem nada de profundo, nem de impacto. Mas a verdade é que dá novo sentido à expressão "cinema catástrofe": um filme tão ruim que nada se salva.