sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O ÚLTIMO TABU: MULHERES REVELAM SEUS ARREPENDIMENTOS SOBRE TER FILHOS

Meu querido Flávio Moreira me enviou um artigo que ele traduziu. Foi publicado no jornal britânico Independent e escrito por Kashmira Gander. 
Como a gente sabe, falar abertamente sobre as dificuldades da maternidade ainda é um tabu. Dois anos atrás, eu publiquei um guest post de uma leitora que afirmava odiar ser mãe. Foi uma enorme polêmica nesta sociedade de maternidade compulsória que raramente aceita discutir depressão pós-parto (que não é o tema do artigo da Gander).

Da dor do parto até ensinar uma criança a como navegar em nosso mundo bagunçado, ser mãe é um trabalho duro e implacável que transforma a vida da mulher da noite para o dia. 
Ainda assim, falar abertamente sobre as dificuldades da maternidade ainda é um tabu, e admitir que se arrepende por ter tido filhos é considerado passar dos limites. Um estudo preliminar feito com 23 mães pela socióloga Orna Donath, da Universidade Ben-Gurion, em Israel, recentemente desencadeou um debate feroz ao destacar que um número desconhecido de mães se arrependeu de dar à luz, e tentava distinguir entre ambivalência e puro arrependimento.
Para as mulheres que lutam para lidar com sentimentos de arrependimento, a internet é um refúgio onde elas podem falar anonimamente sobre questões como mudanças de estilo de vida a dinheiro. A página do Facebook "Eu me arrependo de ter tido filhos" está cheia de tais relatos.
"Amo meus filhos.
Odeio minha vida".
Uma mãe (que não trabalha fora) de uma criança de 7 anos de idade e de um de 4 escreveu que ela tem "grandes arrependimentos”. "Eu os amo, mas não sou feliz. Eles tiraram toda a minha liberdade, não posso ter um emprego, meu marido mal ganha o suficiente para as férias. Eu era comissária de bordo, livre como um pássaro antes de ter filhos. Agora só faço os intermináveis trabalhos domésticos".
Outra mãe escreveu sobre como ela está tendo dificuldades com sua filha de três anos que não dorme. Descrevendo um incidente em que ela vomitou de stress depois que sua filha só dormiu por duas horas, ela disse: “Nós não temos vida. Meu marido ajuda muito, mas mesmo ele está perto de desabar. Não temos família ou amigos. Nenhuma rede de apoio. O que eu faço?”
No site Mumsnet uma mulher desesperada escreveu: "Eu amava a minha antiga vida. Meu marido queria muito um filho e eu adiei isso por muito tempo, só por saber que não é minha vocação. Eu cedi depois de muitas discussões, pensando que eu iria me ajustar". 
"Sinto que minha maravilhosa vida foi virada de cabeça para baixo. Ainda não me sinto uma mãe. Sinto tanta falta da minha antiga vida que me dá vontade de sair de casa e abandonar meu marido e meu filho". 
Alguém que postou pensamentos semelhantes terminou com o apelo: "Por favor, não me odeiem, é o que estou querendo dizer. Eu na verdade me considero uma pessoa bastante carinhosa".
Outras mães escreveram como seu arrependimento se resume ao pai de seu filho. Uma dessas mulheres escreveu no site de perguntas e respostas Quora que ela queria ter um bebê "desesperadamente", mas, em parte, achou a maternidade dura quando percebeu que seu marido tornou-se um "mentiroso compulsivo, abusivo e controlador".
"Ainda sinto muita culpa porque me arrependo de ser mãe. Não porque eu falhei, mas porque não quero ser uma mãe. Não consigo explicar por que eu me sinto assim, eu só sinto". 
Robin Simon, professora de Sociologia na Universidade de Wake Forest, especializada em efeitos sobre a saúde mental de pais e mães, diz que é difícil admitir tais emoções porque elas "desafiam as normas sociais sobre a santidade da maternidade". 
Arabella Russell, conselheira na instituição beneficente Relate, que fornece aconselhamento para casais, diz que há uma visão comum de que ter um bebê será "fantástico", mas que a realidade "pode ser um choque para o sistema". 
“É completamente normal sentir-se arrependida, estressada, cansada, entediada e frustrada", diz ela, acrescentando que a aparência de que outras mulheres estão levando a maternidade "como sopa no mel" pode ser enganadora, já que as pessoas se sentem culpadas por admitir seus verdadeiros sentimentos.
"Se você está achando difícil ser mãe, não se reprima. É muito importante ser capaz de falar com seu parceiro ou um membro da família sobre isso", salienta Russell. Conversar em fóruns de internet, inclusive Mumsnet e Netmums e usar serviços como o Relate, também pode ajudar.
Ela aconselha outros pais ou membros da família que estão preocupados com o bem-estar de uma mulher para incentivá-la a discutir seus sentimentos, para que ela veja que as emoções que está sentindo não são anormais.
Tenha cuidado para não julgá-las, pois estes são sentimentos muito difíceis e podem fazer as pessoas sentirem-se culpadas. Se isso persistir e falar sobre isso não aliviar a mãe depois de um tempo, você pode sugerir que ela vá ao médico. Entretanto, cuidado com sinais de depressão pós-parto, que é uma questão diferente e precisa ser tratada".  

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

DEZ MOTIVOS PARA VOTAR EM MULHERES NESTE E NOS PRÓXIMOS DOMINGOS

As eleições municipais já são agora neste domingo!
E é importantíssimo votar bem, conhecendo os candidatxs, porque ações políticas da cidade costumam impactar mais diretamente as nossas vidas.
Imagino que eu já tenha deixado claro o meu posicionamento: eu procuro sempre votar em mulheres. Eu jamais votaria em alguém só por ser mulher. Mas a falta de representatividade feminina na política brasileira é vergonhosa. Precisamos de mais mulheres na política, pois as mulheres conseguem entender o que muitos homens não veem. Creches e combate à violência obstétrica, por exemplo, não são prioridades de políticos homens. 
Não quero qualquer mulher. Quero mulheres de esquerda, feministas, negras, com histórico de luta, com garra pra trabalhar. Certamente deve haver candidatas à vereadora com esse perfil na sua cidade (e talvez à prefeita?). Vote nelas, por favor! 
A Carol, que trabalha como voluntária na campanha de Marina Helou, candidata à vereadora de SP pela Rede Sustentabilidade, me enviou este texto. 

1. As mulheres representam quase 53% do total de 146.470.880 eleitores no País.
2. As taxas brasileiras ficam abaixo da média mundial, que chega a ser de 22,1% de mulheres ocupando cadeiras nos parlamentos. Os números brasileiros são ainda inferiores aos da média do Oriente Médio, com uma taxa de participação feminina de 16%.
3. Tanto na Câmara dos Deputados Federais quanto na Câmara dos Vereadores de São Paulo, o número de mulheres não chega a 10%.
4. Lugar de mulher é aonde ela quiser, com total autonomia para decidir sobre sua vida e planejar seu futuro, sem que o fato de ter nascido mulher represente uma barreira adicional para se alcançar qualquer objetivo.
5. O ambiente político é predominantemente masculino e isso influencia na forma como muitas políticas públicas são elaboradas e conduzidas nas diversas esferas.
6. A maior participação feminina na política vai possibilitar uma visão mais equilibrada sobre as propostas e formas de implementar as políticas públicas, garantindo que os grupos historicamente marginalizados da sociedade possam ser vistos com maior importância.
7. Apoiar a candidatura feminina a um cargo político é uma forma de tentar mudar a situação de opressão que as mulheres vivem na sociedade, dando voz e espaço a elas.
8. No Poder Executivo das 26 capitais, somente duas têm mulheres como prefeitas.
9.  O Brasil apresenta um dos maiores níveis de disparidade salarial. No país, os homens ganham aproximadamente 30% a mais que as mulheres de mesma idade e nível de instrução. Ter mais mulheres no poder pode contribuir com essa mudança de cenário.
10. Mulheres que ocupam cargos executivos são vistas como melhores líderes do que os homens, de acordo com um estudo da Universidade Duke, dos Estados Unidos. Muitas vezes, as mulheres têm que trabalhar duas vezes mais para obter a metade do reconhecimento conferido aos homens. Então, executivas bem-sucedidas podem se beneficiar dessa percepção, levando vantagem no posto de líder.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

LEGALIZAÇÃO DO ABORTO: A LUTA FEMINISTA É PARA QUE MULHERES POSSAM ESCOLHER

Hoje, 28 de setembro, é dia da luta pela descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe. 
Várias ativistas organizaram uma Virada Feminista, que consiste em 24 horas falando de aborto. Desde a meia noite, dezenas de mulheres estão e continuarão falando ao vivo sobre a legalização do aborto. Confira a programação, acompanhe os vídeos ao vivo, e use a tag #PrecisamosFalarSobreABorto 
Minha contribuição é responder a um simples email de uma leitora.

"Oi Lola, gostaria de entender por que feministas são a favor do aborto se existem métodos contraceptivos pra evitar a necessidade de se fazer? Não estou colocando a responsabilidade apenas na mulher. Sou contra o aborto apenas pelo fato de existirem maneiras de evitar o 'uso' dele. Mas se eu entender o porquê feministas apoiam o aborto, passarei a defender também."

Minha resposta: Oi, L. Bom, em primeiro lugar, há diferença entre ser a favor da legalização do aborto e ser a favor do aborto. Não sei se conheço gente que seja a favor do aborto, sinceramente. Mas muita gente é a favor do direito de que as mulheres possam escolher ter um filho quando quiserem, se quiserem. Há pessoas que pessoalmente nunca realizariam um aborto, mas apoiam o direito das outras pessoas decidirem por conta própria.
Em segundo lugar, não são apenas feministas que são a favor da legalização do aborto (inclusive existem feministas que são contra, embora haja divergências se essas mulheres são de fato feministas). É uma grande ilusão pensar que feministas inventaram o aborto ou que apenas feministas abortam. Aborto existe centenas de anos antes do início do feminismo. Mulheres de todas as culturas sempre tentaram interromper a gravidez. O Código de Hamurabi, no século 5 A.C., já mencionava o aborto. Na Grécia antiga se abortava. Platão e Aristóteles defendiam o aborto, se bem que interrupção da gravidez era considerada crime ao ferir o direito de propriedade do pai sobre um potencial herdeiro.
A Grã Bretanha passou suas primeiras leis anti-aborto em 1803 (não passariam leis se aborto não existisse, certo? Isso muito antes de qualquer movimento sufragista). No Brasil, o aborto é citado na legislação de 1830. Na época, aborto era um procedimento muito mais perigoso do que hoje, realizado com agulhas de tricô ou cabides (que se tornou o símbolo contra aborto clandestino). 
Pesquisas atuais indicam que o perfil da brasileira que aborta não é exatamente o que associamos a feministas. A mulher que aborta (e são muitas as que já abortaram, provavelmente uma em cada sete brasileiras entre 18 e 39 anos) é geralmente casada, já tem filhos, e é cristã. Há grandes chances que você conheça e conviva com mulheres que já abortaram. 
Lógico que existem métodos contraceptivos, mas muitos falham, e muitas mulheres não têm acesso a eles, enquanto outras não têm conhecimento sobre como usá-los. As feministas que defendem a legalização do aborto também defendem educação sexual nas escolas e distribuição grátis de contraceptivos -- exatamente para que menos mulheres precisem recorrer ao aborto. Ademais, as feministas não se preocupam apenas em garantir que as mulheres tenham acesso a fazer aborto, se assim o desejarem, mas também se preocupam com os fatores que levam uma mulher a querer fazer aborto. Quem é contra aborto é também contra anticoncepcionais e educação sexual. 
Vale lembrar que em 74% dos países do mundo o aborto é legalizado nas primeiras semanas. Apenas nos países mais pobres e religiosos, caso do Brasil, o aborto é proibido. Hoje em dia a maior parte dos abortos não é mais feita por cirurgia, mas com remédios. É mais barato e menos perigoso. Mas, com o aborto proibido, as mulheres continuam abortando clandestinamente, correndo risco de vida e morrendo, em muitos casos -- principalmente mulheres pobres e negras.
Estima-se que vinte milhões de abortos inseguros são feitos todos os anos no mundo. É um aborto inseguro para cada dez gestações. Um aborto inseguro para cada sete partos. 90% desses procedimentos acontecem em países em desenvolvimento, como o nosso. Basta olhar algum mapa que indica quais países permitem o aborto para ver que são justamente os mais pobres que o proíbem. 
Como os "pró-vida" veem as
mulheres: depósitos de bebês
A razão da legalização do aborto ser uma das muitas pautas feministas (longe de ser a única) é bastante óbvia: o aborto clandestino é uma das maiores causas de mortalidade materna, e feministas defendem mulheres. Além disso, é uma exigência feminista que o corpo das mulheres seja visto como pertencente às mulheres, não como propriedade dos homens. Até hoje mulheres são tidas como receptáculos de bebês, e os "pró-vida" não escondem que, entre optar por um feto e por uma mulher já nascida, priorizam sempre o feto.
Mais de duzentas clínicas de aborto já foram bombardeadas nos EUA, onde, só pra lembrar, o aborto é legal desde 1973 (se bem que cada vez mais restrito por leis estaduais claramente anti-constitucionais). Bombardear clínicas e matar médicos que realizam aborto são atos terroristas que provam que os "pró-vida" não têm qualquer preocupação com a vida de quem já nasceu. 
Lembre-se também que grande parte dos conservadores quer proibir aborto em todos os casos, incluindo aí os poucos em que são legais no Brasil (risco de vida pra mulher, gravidez decorrente de estupro, e se o feto for anencéfalo). Parece justo forçar uma mulher que foi estuprada ter o filho do estuprador? (se ela decidir que quer seguir com a gravidez, tudo bem, é escolha dela). Parece justo forçar que uma mulher que pode morrer se não interromper a gravidez continue com a gestação? (se a mulher achar que sim, que a vida do feto é mais importante que a dela, a escolha é dela. Mas o Estado não pode fazer essa escolha por ela). 
Não existem feministas que defendam forçar uma mulher a abortar. A palavra-chave é escolha. Mulheres devem poder escolher se querem abortar ou seguir com a gestação. Qualquer forma de pressão é vista por feministas como uma ameaça aos seus direitos reprodutivos. Somos tão a favor da legalização do aborto quanto contra a coerção a abortar. Cada mulher deve decidir sobre o seu corpo, só isso. 
Se nem toda feminista é pró-legalização do aborto, uma coisa é certa: praticamente todo "pró-vida" é anti-feminista. Reaças -- anti-feministas em sua totalidade, e anti-mulheres em sua maioria -- lutam para manter o controle histórico sobre o corpo da mulher. São eles que querem que você acredite que aborto é uma invenção feminista, que toda feminista aborta (eu sou feminista e tive a sorte de nunca engravidar, logo, nunca abortei), e que só feminista aborta. Eles vivem à base de mentiras e são hipócritas, já que costumam ser anti-aborto só até a namorada ter uma gravidez indesejada. Aí mudam de ideia rapidinho.
São essas pessoas que se julgam moralmente superiores e querem mandar no corpo das mulheres. Não vamos deixar.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

GUEST POST: "EU NUNCA PENSEI EM APANHAR DE UM HOMEM"

A H., de 18 anos, vive em Minas e está passando por uma situação difícil.

Oi Lola, quero começar dizendo que sou sua mega fã, te admiro muito. Eu queria te contar uma coisa que aconteceu ontem e tem me feito sentir medo e ódio, muita coisa ruim.
É mais ou menos assim: Quando eu tinha 11 anos meu pai morreu, ficou minha mãe sozinha com quatro filhos pra criar e na época ela era faxineira (hoje ela é concursada de auxiliar de serviços).
Depois de uns dois anos, um senhor que tinha um bar começou a se aproximar da minha mãe, nos tratava bem, levava pra passear, essas coisas, como um pai mesmo. Mas acontece que ele tem uns filhos que não trabalham, vivem de dar golpe e ficar no bar e bater em bêbados e velhos e nunca dá em nada.
Até que em dezembro do ano passado eles vieram aqui na porta de casa e três pessoas agrediram muito minha mãe. A partir daí nos afastamos desse senhor e não passávamos nem na mesma rua.
Até que... Ai Lola, isso é tão triste de falar!
O filho adotivo desse senhor nos viu passando na rua (eu acompanho às vezes minha mãe até o serviço), deu ré no carro e desceu chutando minha mãe.
Lola, eu não pensei duas vezes e fui pra cima dele. Ele me jogou no chão e agrediu minha mãe mais vezes. 
Quando eu levantei pra ir pra cima dele de novo, a população começou a aglomerar e aquele covarde fugiu.
Eu vou denunciar e tudo, mas tô com medo e com vergonha, Lola. Eu nunca pensei em apanhar de um homem, muito menos de um quase desconhecido. Imagina se uma menina com 1,50 intimida um homem adulto?
O que eles não fazem pelo dinheiro do pai deles?
O pai deles sabe de tudo, ele coopera com os filhos dele que já brigam com meio mundo. Ele faz vista grossa e paga caro os advogados. Ele dizia amar minha mãe, mas os filhos dele são uns monstros e agora o agressor sai dizendo que eu encarava ele.

Minha resposta: Força, H.! Faça um BO numa Delegacia da Mulher e peça medida restritiva contra eles. Não que isso adiante muito, mas... Pelo menos você deixa registrado.
Informe vizinhos e amigos sobre o que aconteceu. É bom denunciar sempre que eles estiverem por perto. 
E você, sua mãe e toda a sua família devem romper qualquer contato com o pai deles. 
Não fique com vergonha. Você defendeu a sua mãe. Isso é uma coisa muito digna que você fez. Os covardes são eles, não você. Quem deve se envergonhar são eles.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

HOMENS SE CONFUNDEM, MULHERES PAGAM

Uma dúvida da B.:

"Conheço um amigo há menos de seis meses, e nesse tempo nossa amizade foi se aprofundando. Estudamos juntos e temos muito em comum. Gosto muito da companhia dele e o tenho como um bom amigo. Apenas isso. Só isso, sem dúvidas. Até porque ele tem uma namorada, e mesmo que eu quisesse algo com ele, jamais iria investir em caras comprometidos.
O caso é que ele vem demonstrando mais e mais interesse (leia-se segundas intenções) para comigo. Eu achava que era impressão minha até amigas comentarem que estão achando suspeito. Fofocas estão rolando. E agora estou numa situação que não pedi: fiz um amigo e tenho a probabilidade de ficar conhecida entre todos como 'a outra que rouba namorados alheios'.
É serio isso? Não posso ter um amigo homem hétero que ele se confunde e acha que está se apaixonando? Ele tem noção que isso ultrapassa meus sentimentos por ele? Que ele está machucando a namorada? E que me trará uma reputação que não mereço? Porque, sim, não acredito que as pessoas irão culpá-lo se, por exemplo, ele terminar o atual namoro. Afinal, eu 'dei bola', 'deixei brecha'... Eu encantei o homem bem como todas as mulheres de saia curta seduzem estupradores -- é isso? 
Ser amiga leal me torna a criminosa nesse caso? Ser eu mesma e explorar afinidades com alguém me torna culpada? É errado ser simplesmente amiga de um homem comprometido? E por que eu tenho que tomar atitude, e não ele, para corrigir isso? Por que eu me sinto culpada por uma confusão que não foi causada por mim nem por minhas atitudes? Ou tenho que sempre ponderar minhas ações para que nenhum homem entenda o 'sinal errado'?
Enfim. Só estou traçando um paralelo com o mesmo argumento que usam para mulheres 'que vacilam'. É curioso (e agonizante) como atitudes simples, que não trariam tanta carga se tomadas por homens, trazem para uma mulher essa imagem de 'oferecida' (ou nesse caso de 'a outra'). Ser livre e interagir com o mundo, mais uma vez, é algo mais trabalhoso para mulheres... Isso me entristece."

Minha resposta: Concordo contigo, B. É uma droga mesmo. Creio que muitas meninas já passaram por isso de ver amigos héteros se apaixonarem ou darem em cima das amigas. Imagino que isso também aconteça com homens (amigas hétero se apaixonarem por eles), mas tenho certeza que não na mesma frequência.
Eu sou um cara legal! Por que fico
sendo posto no friendzone por
essas vadias?
É só ver como se popularizou esse fenômeno recente da "friendzone" (o termo existia antes da internet? Duvido). Apesar de haver mulheres que gostariam de ter algo a mais com um amigo, e mesmo assim ouvem "Vamos apenas ser amigos, ok?", foi uma horda de rapazes que transformou a friendzone em algo "pior que estupro" (sim, eu já li isso inúmeras vezes). Deixa eu esclarecer: tá cheio de cara jovem que se sente no direito de namorar ou transar com a amiga, e quando ela responde "Não, obrigada, gosto de você só como amigo", ele faz um escândalo, sente-se traído, vai pra internet chorar as pitangas de que ele foi "posto na friendzone", faz um grande drama. 
Já existe toda aquela besteira de que homens e mulheres héteros não podem ser amigos. A enorme maioria das mulheres que eu conheço acha esse mito uma estupidez, mas lamento dizer que muitos homens que conheço acham que é verdade. E aí vem a pressão pra mulher hétero terminar a amizade -- ou pelo menos ter menos contato -- com o amigo hétero, assim que ela começa a namorar com outro (e do cara hétero não ter mais contato com a amiga hétero). 
Palmas pra namorada do seu amigo, que pelo jeito não tem ciúmes.
E agora o problema do seu amigo, que está com segundas intenções contigo. É bom por as cartas na mesa logo e falar pra ele que essas segundas intenções não são correspondidas. Você não tem interesse nele, ponto. 
Penso que, através do diálogo, até dá pra resolver isso com ele. Mas quanto a você ser vista como "dando bola" ou suspeita de querer arruinar o namoro dele, não sei se é possível fazer alguma coisa. Você já está sendo vista dessa forma apenas por ser amiga de um cara hétero comprometido. Você já é "oferecida" apenas por isso (não viu a atriz Marion Cotillard ser culpada pelo fim do casamento de Brad e Angelina? Marion só fez um filme com Brad. Mesmo grávida de seu segundo filho com o namorado, Marion foi apontada como pivô da separação!).  
Afinal, você está inserida na mesma sociedade que culpa a amante pelo cara casado ser infiel (e às vezes culpa a esposa, porque ela não deu o que ele queria em casa, então ele foi procurar lá fora). 
A gente não tem controle sobre como as pessoas nos veem. Numa sociedade que culpa as mulheres por tudo, seremos eternas culpadas. É aquilo: aos homens, a desculpa; às mulheres, a culpa. 
É triste sim, mas creio que o melhor a fazer é não ligar, não deixar, dentro do possível, que esse determinismo que não tem nada de pessoal afete a sua vida pessoal. 
E, ao mesmo tempo, denunciar mais essa atitude machista do mundo em que vivemos.