sábado, 30 de janeiro de 2016

GUEST POST: O LEGADO DE BROKEBACK MOUNTAIN

Ainda não tive o prazer de conhecer o Vitor na vida real. Cinéfilo, ele participa do meu tradicional bolão do Oscar há quinze anos, e é sempre um adversário à altura (você pode participar também!).
Ele escreveu este post para falar de um filme que se tornou um divisor de águas na representatividade LGBT: Brokeback Mountain. Assim como Filadélfia em 1993, Brokeback foi fundamental por trazer protagonistas gays para perto do público mainstream. E agora faz dez anos que Brokeback perdeu o Oscar de melhor filme para Crash, o que até hoje é visto como um dos grandes erros da Academia. 
Leia o texto do Vitor, que também tem um blog:

Acompanho premiações de cinema desde a infância. Especialmente o Oscar, que é a única delas, até hoje, que passa (aos trancos e barrancos) em TV aberta no Brasil. E até 2000, pouquíssima gente tinha TV por assinatura. A primeira vez que meus pais me permitiram assistir à cerimônia completa foi em 1997, quando eu tinha 11 anos. A Rede Globo de televisão só começou a transmitir depois de uma hora de evento, como de costume. De lá pra cá eu já vi muita coisa acontecer nesses eventos. Acertos, equívocos, resultados curiosos, previsíveis, surpreendentes e duvidosos. Um dos resultados que causou mais controvérsia até hoje foi o Oscar de 2006, onde Brokeback Mountain perdeu o Oscar de melhor filme para Crash.
Brokeback Mountain, no começo de 2006, tornou-se o filme mais premiado na história do cinema mundial. Ganhou o Leão de Ouro do Festival de Veneza, todos os prêmios da crítica especializada, meios de comunicação e sindicatos de artistas dos EUA, entre diversos outros prêmios. O tema do filme [veja o trailer legendado] obviamente lhe rendeu muitos opositores e resistência. Países árabes, muçulmanos e orientais proibiram sua exibição, além de outras organizações religiosas (a direita cristã, especialmente) em todo o mundo reagirem violentamente contra.
Brokeback chegou ao Oscar como favoritíssimo, mas, na semana final, pesquisas com os votantes já mostravam um crescimento em popularidade de Crash, que havia sido lançado no início de 2005, época considerada pouco adequada para filmes competirem ao Oscar. Sua distribuidora distribuiu DVDs para os votantes e montou uma agressiva campanha de marketing para colocar o filme em suas mentes. No fim das contas, Crash levou o prêmio. A repercussão foi imensa e rendeu acalorados debates.
Esse foi o primeiro ano em que eu havia visto acontecer um resultado tão inesperado, sem contar 1999, quando Shakespeare Apaixonado, A Vida é Bela, Gwyneth Paltrow e outras bobagens foram premiadas, mas, nesse caso, a premiação inteira foi desastrosa. Então eu decidi colocar aquela máxima em prática: o tempo dirá. Esperei 10 anos se passarem para rever Brokeback Mountain e Crash, avaliar qual o legado de cada um dos filmes e qual deles suportaria o desgaste do tempo. E, com mais maturidade, poder tecer comentários mais embasados (uma crítica bem bobinha que fiz na época está aqui. Francamente, não tenho vontade de escrever sobre Crash de novo). [Nota da Lola: Também escrevi sobre Crash e Brokeback Mountain na época, mas falta coragem para reler o que escrevi].

O filme
Ang Lee levou a estatueta de
melhor diretor. Foi um dos
três Oscars que Brokeback
recebeu, além de roteiro
adaptado e trilha sonora
Brokeback Mountain originou-se, na verdade. de um conto de Annie Proulx, publicado na revista The New Yorker em 1997. Larry McMurtry, romancista e roteirista vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado por Laços de Ternura em 1984, e Diana Ossana expandiram o conto para um longa metragem. O taiwanês Ang Lee, que já havia feito alguns filmes prestigiados em língua inglesa, como Razão e Sensibilidade, e do sucesso de bilheteria O Tigre e o Dragão, ficou responsável pela direção. Com um tema delicado e controverso, o filme só conseguiu ver a luz do sol de forma independente, como um baixo orçamento (o que até comprometeu a maquiagem dos atores, que não envelhecem muito convincentemente).
A história se expande num período de 20 anos, de 1963 a 1983, e conta parte da vida de Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal), dois “cowboys” que iniciam um difícil relacionamento que, entre idas e vindas, perdura por décadas. Eles se conhecem e se envolvem emocionalmente no verão de 63, em um trabalho sazonal pastorando ovelhas em uma montanha (a tal Brokeback Mountain), e tomam caminhos opostos ao encerrar o trabalho. Ambos se casam e constituem família, mas depois de alguns anos se reencontram e passam a se rever esporadicamente, vivendo seu caso proibido.
O enredo toca em temas muito pertinentes na discussão sobre a homossexualidade, seus impactos nas vidas pessoais e sociais das pessoas. Impossível elaborar interpretações sem revelar o enredo, então deixo meu aviso de spoilers a partir daqui. 
Jack Twist sempre se entregou aos seus desejos e enfrentou riscos da forma mais anônima que podia. Já Ennis Del Mar, traumatizado desde a infância com a imagem do corpo de um gay assassinado na sua vizinhança, reprimia todos seus impulsos. Um dos sinais de como uma sexualidade abafada pode afetar toda uma vida.
Ennis era naturalmente desmotivado, sem objetivos. Sua única motivação era autocensurada. Sua vida profissional era improdutiva e medíocre, um dos motivos de seu casamento com Alma (Michelle Williams) ter falhado. Seus romances com outras mulheres e sua relação com suas duas filhas também não evoluíram devido a seu desinteresse e desânimo. Jack casa-se com Lureen Newsome (Anne Hathaway), uma amazona de família rica, e têm um filho juntos. Jack passa a ter uma vida confortável e cuidar dos negócios da família da esposa junto a ela.
Ennis sentia ciúmes de Jack apenas com outros homens. Era como se um houvesse um pacto velado entre eles onde relações com mulheres eram só uma forma de mascarar para o mundo, e até para eles mesmos, o amor que havia entre eles. Mas mesmo com a insistência de Jack, Ennis resistia à ideia de viverem juntos. Essa resistência frustrava Jack, que acabava sempre por se arriscar mais e mais ao buscar satisfazer seus desejos com outros homens, normalmente em locais de prostituição. Ao ficar sabendo da morte de Jack, Ennis logo imaginou que havia sido devido às suas escapadas.
Ennis se vê, então, sem família e perspectivas de futuro e percebe como nunca fez nada de fato da sua vida. Ao ser convidado para o casamento de sua filha mais velha Alma Jr. (Kate Mara, irmã da Rooney, que está sendo festejada por Carol), ele quase recusa o convite devido a um trabalho à toa, mas logo cai em si e confirma sua presença, reacendendo a relação. Sozinho em seu trailer semi-vazio, só lhe restam duas velhas camisas sujas, sua e de Jack, e um postal da Brokeback Mountain, para lembrá-lo de tudo que sua vida poderia ter sido e não foi. [Fim dos spoilers!]

Além da sutileza e franqueza ao lidar com o tema proposto, muitos são os outros méritos da obra. 
O filme foi uma forma de consolidar o trabalho de Lee no mercado estrangeiro, de estabelecer o jovem elenco com importantes atores dramáticos e catapultar nomes desconhecidos nos créditos técnicos. A comunidade da música country, notoriamente conservadora, tanto politica quanto socialmente, surpreendetemente contribuiu com a trilha sonora, e nomes importantes dessa indústria como Emmylou Harris, Linda Ronstadt e Willie Nelson se fizeram presentes.
Todos do elenco principal hoje são grandes nomes da indústria. Heath Ledger, australiano que já tinha feito o “clássico” adolescente 10 Coisas que Odeio em Você e A Última Ceia, veio a falecer em janeiro de 2008, antes de desfrutar o sucesso que sua interpretação em O Cavaleiro das Sombras lhe proporcionaria, incluindo um Oscar póstumo de ator coadjuvante. Jake Gyllenhaal ganhou fama de galã e fez vários filmes de sucesso. 
Anne Hathaway ganhou o Oscar por Os Miseráveis (sua cena de I Dreamed I Dream é memorável) e fez filmes populares como O Diabo Veste Prada. Michelle Williams, que casou-se com Ledger e se divorciou pouco antes de ele falecer, fez filmes como Blue Valentine e Sete Dias com Marilyn, que lhe renderam outras indicações ao Oscar, além da indicação por Brokeback.
Da equipe técnica destaca-se o argentino Gustavo Santaolalla, que despontou no mercado cinematográfico criando as trilhas incidentais, e hoje tem duas estatuetas do Oscar na sua prateleira. Já o mexicano Rodrigo Prieto, diretor de fotografia, tinha alguns créditos no mercado como 21 Gramas, Frida e 8 Mile, e tornou-se “A list” desde então, fazendo filmes como Argo e O Lobo de Wall Street posteriormente.
As cenas de afeto entre Ennis e Jack são um dos tópicos que mais renderam discussões e curiosidade. A “ousadia” nunca foi feita por outros filmes mainstream que tinham personagens ou temática LGBT, como Filadélfia, que trata direitos humanos e de um protagonista aidético, mas se esquiva de exibir demonstrações de afeto entre Tom Hanks e Antonio Banderas. Até hoje são raros os filmes que tenham sido tão francos quanto a este tipo de conteúdo. Neste aspecto, a TV americana está muito mais à frente, com seriados como Will e Grace, Queer as Folk, The L World e Looking. No Brasil, o caso é inverso, e o nosso cinema (apesar de sua notória limitação) é muito mais afeito a pioneirismos.
Brokeback Mountain, a ópera
Como legado, Brokeback Mountain deixou as infindáveis discussões sobre homoafetividade. É objeto frequente de estudos acadêmicos e rodas de discussões entre estudantes e profissionais LGBT mundo afora. É referenciado em uma imensidade de obras posteriores da cultura pop, incluindo o livro Beyond Brokeback, relatando os impactos culturais do filme. Em janeiro de 2014 estreou a adaptação para ópera do conto e filme no Teatro Real de Madrid.

Oscar
A Academia sempre foi conservadora. Os votantes da Academia são 94% de homens héteros, brancos e com idade média acima dos 60 anos, pessoas que costumam preencher o demográfico das camadas sociais mais reacionárias. Basta ver que, neste ano de 2016, assim como o ano passado, todos os concorrentes aos prêmios de atuação são brancos. Isso levou diversos artistas negros a decidirem não comparecer ao evento, entre eles Spike Lee, Will Smith e Jada Pinkett Smith.
Repercussão tão negativa, tanto na imprensa americana e internacional, quanto nas redes sociais e no próprio meio artístico, que a Academia, encabeçada por sua presidenta (negra) Cheryl Boone Isaacs, foi forçada a tomar medidas drásticas para mudar de imediato o demográfico de seus votantes, incluindo mais mulheres, pessoas de outras etnias e nacionalidades e jovens no seu corpo para os eventos futuros.
Sean Penn em Milk
O resultado desse Oscar de 2006 leva à, pelo menos, uma conclusão óbvia: todo movimento por direitos civis e de representatividade de minorias enfrenta percalços e obstáculos. Desde o fim dos anos 60 com os confrontos em Stonewall, a ascenção de Harvey Milk em São Francisco, nenhum romance centrado na temática LGBT tinha chegado tão forte à cultura mainstream. Eram sempre fitas de nicho, “de arte”, ou filmes B. Brokeback Mountain foi um confronto às normas padrões. E toda ação causa uma reação.
Até hoje os movimentos LGBT, negros e feministas sofrem com as reações conservadoras. O Brasil só veio ter um líder aos moldes de Milk hoje em dia, mais de 30 anos depois, com o deputado Jean Wyllys. Não é dificil imaginar que Wyllys é alvo de todo tipo de deslegitimação e afronta da população conservadora diariamente, que se empenha em mostrar oposição a qualquer proposta sua, só por ter partido dele, sem maiores reflexões ou debate. 
Nada que os reacionários de outrora não tenham feito também com Milk, Martin Luther King, Malcolm X, as sufragistas, líderes feministas, entre tantos outros. A história costuma se repetir. Pessoas, principalmente reacionárias, não gostam de confrontar seus próprios valores, recalques (no sentido real da palavra) e preconceitos.
O Oscar ser a última das premiações de Brokeback Mountain permitiu o fortalecimento do backlash conservador influenciar o resultado. Na privacidade do voto secreto, é mais cômodo demonstrar seu honesto desconforto, de dizer “estamos cansados de ver esse filme ganhar tantos prêmios e fingir que isso não nos incomoda”. Isso já podia ser sentido no anúncio das indicações, quando foi ignorada a canção original "A Love That Will Never Grow Old", composta por Santaolalla e Bernie Taupin, antigo parceiro de Elton John, que havia vencido todos os prêmios da temporada.
Crash era a desculpa perfeita, por ser um filme que fala sobre racismo (de forma grosseira, superficial e caricata, convenhamos -– nem todo filme bem intencionado é bom), e se passar em Los Angeles, onde a maioria dos votantes residem. Dessa forma ninguém poderia acusar a Academia de discriminação, certo? Errado...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

COMO RESOLVER O PROBLEMA RACIAL DE HOLLYWOOD

Meu querido Flávio Moreira me enviou este texto de Nadia Latif e Leila Latif publicado no jornal The Guardian na semana passada. Foi Flávio que traduziu. Aliás, hoje é aniversário dele. Parabéns, Flavinho!

O fracasso da indústria do cinema em representar pessoas de cor é mais profundo do que a hashtag #OscarsSoWhite. Será que um teste de Bechdel para raça ajudaria a convencer Hollywood a repensar a questão? Mais: do "negro mágico" à "confidente petulante" -– o guia completo dos estereótipos raciais.
A maioria das crianças assiste um monte de TV. Mas se, como nós, você cresceu em Cartum, no Sudão, e não havia a alternativa de um parque ou playground, TV e filmes eram a única saída. Steven Spielberg, John Carpenter, Brian De Palma, Woody Allen e os irmãos Cohen eram os preferidos. Nós torcíamos por Duckie em A Garota de Rosa Shocking, nós nos escondíamos atrás do sofá enquanto assistíamos Tubarão, ficávamos confusas com Veludo Azul, e aprendíamos sobre o amor perambulando pelas ruas de Viena com Jesse e Céline em Antes do Amanhecer.
Amamos todos esses filmes até hoje, mas nenhum deles tem um único personagem de cor [ou seja, não branco, o que inclui negros, hispânicos, árabes, asiáticos etc] que tenha um nome. O cinema pode ser a terra da imaginação –- mas o que Hollywood estava dizendo quando nenhum de nossos heróis se parecia conosco?
Nós aceitávamos de bom grado as raras aparições de atores de cor -– amávamos os "fodões" como Billy Dee Williams em Guerra nas Estrelas (capa!), Samuel L. Jacskon em Pulp Fiction (armas!), e Tina Turner em Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (peruca!). Mas o mais frequente era os personagens caírem em estereótipos batidos (veja abaixo a lista dos 10 suspeitos de sempre).
A coisa não está melhorando. Ano passado houve tentativas corajosas de questionar as indicações ao Oscar de somente atores brancos com a hashtag #OscarsSoWhite. Nota rápida: os homens brancos, com idade média de 63 anos que votam na Academia, não dão a mínima para hashtags. Pode-se argumentar que todos os anos o que se vê no Oscar é um “whitewash” -– somente uma mulher de cor ganhou o prêmio de melhor atriz (Halle Berry), e somente 7% dos homens que ganharam o prêmio de melhor ator são negros (com quase 40 anos de diferença entre os dois ganhadores negros, Sidney Poitier e Denzel Washington). 
Alguns comentaristas, como Andrew Gruttadaro, chegaram mesmo a sugerir que não é culpa da Academia que “este ano nenhum ator negro tenha merecido uma indicação”. Sim, como naquela vez em que Dirigindo Miss Daisy “mereceu” ganhar quando Faça a Coisa Certa nem chegou a ser indicado.
O apresentador deste ano, Chris Rock, apelidou o Oscar de “prêmios BET branco” [o BET -- Black Entertainment Television -- é um canal focado em pessoas negras]. Jada Pinkett Smith disse que “pessoas de cor são sempre bem vindas para distribuir prêmios... até mesmo entreter, mas raramente somos reconhecidos por nossas conquistas artísticas”. Na segunda-feira Spike Lee anunciou que irá boicotar a cerimônia deste ano. “Não podemos apoiar a cerimônia e isso não é sinal de desrespeito”, escreveu no Instagram. “Mas como é possível que pelo segundo ano consecutivo todos os 20 concorrentes nas categorias de ator sejam brancos?” E Don Cheadle tuitou que o mais próximo que ele estaria da cerimônia do Oscar deste ano seria estacionando os carros dos indicados.
Só podemos lamentar a falta de indicações em um ano particularmente forte para atores de cor (desculpem Idris Elba, Samuel L. Jackson, Tessa Thompson, Michael B. Jordan e Will Smith), mas vamos ser honestos, aqueles que mencionamos são os pouquíssimos felizardos que conseguiram aparecer nas telas. O problema não é a falta de reconhecimento quando chega a época das premiações -– é a descomunal falta de representação em todos os filmes de Hollywood.
Esse estado de coisas, claro, inspirou o Tumblr de Dylan Marron, Every Single Word, em que ele junta todas as falas ditas por personagens de cor em dúzias de filmes dos últimos 50 anos. Em toda a série de filmes de Harry Potter, que somam quase 20 horas, somente seis minutos são falados por personagens de cor. A maior parte desses seis minutos são consumidos por um mini Ian Wright comentando uma partida de Quidditch. Birdman? Cinquenta segundos. Gigolô Americano? Quarenta segundos. A Culpa é das Estrelas? Vinte e oito segundos. Cisne Negro? Vinte segundos. Frances Ha? Dezoito segundos. Meia noite em Paris? Nove segundos. Toda a trilogia Senhor dos Anéis? Quarenta e sete segundos, mas somente se contar os orcs como negros.
Desde 1980 o teste de Bechdel tornou-se o método básico para avaliar se as mulheres são representadas de forma adequada em um filme. É simples -– duas mulheres devem conversar entre si sobre qualquer outra coisa que não seja um homem. Já tentaram fazer um teste de Bechdel racial. O teste epônimo proposto pelo autor Nikesh Shukla (dois personagens principais que são pessoas de cor conversam entre si sem mencionar sua raça) realça um problema enfrentado por atores de cor. 
Mas a realidade é bem pior: a maioria não chega nem a conversar sobre raça; eles simplesmente conversam sobre o protagonista branco do filme. Se chegarem a conversar. Assim, propomos as seguintes cinco perguntas: esses dois personagens de cor têm nome? Eles têm diálogos? Estão não envolvidos romanticamente um com o outro? Eles têm algum diálogo que não seja de consolação ou apoio a um personagem branco? Um deles definitivamente não é "mágico"? (Ver abaixo).
O teste não é feito para que os filmes fracassem. Nós determinamos que o limite são dois personagens. Somente dois. Quaisquer dois. Dos indicados a melhor filme deste ano do Oscar, somente três passam no neste (A Grande Aposta, Perdido em Marte e O Regresso), dois são reprovados (Mad Max e O Quarto de Jack), e três não têm um único personagem de cor (Ponte dos Espiões, Brooklyn e Spotlight: Segredos Revelados). 
No ano passado somente dois dos oito indicados passaram em nosso teste (American Sniper e Selma) e metade dos indicados não tinha um único personagem de cor com nome (Birdman, Boyhood, O Jogo da Imitação e A Teoria de Tudo). Em 2014 quatro dos nove indicados passaram, em 2013, seis dos nove (um ano bom, empurrado por Django Livre, As Aventuras de Pi e Indomável Sonhadora). Se olharmos os vencedores de melhor filme dos últimos 15 anos, seis passam no teste (incluindo 12 Anos de Escravidão, Quem Quer Ser um Milionário e Crash), mas sete nem sequer têm um personagem de cor com nome.
"Blockbusters" [arrasa-quarteirões na bilheteria] se saem um pouco melhor. Dos 10 grandes filmes que não são animação de 2015 (não conseguimos entender o que eram os diferentes personagens coloridos em Divertidamente), sete passaram: Jurassic World, Velozes e Furiosos 7, Perdido em Marte, Missão Impossível: Nação Secreta, Vingadores: Era de Ultron (por um triz), A Escolha Perfeita 2 e Homem-Formiga. Mas é triste celebrar a presença de um único rosto não branco em um filme.
Os filmes eruditos e independentes se saem bem pior: personagens brancos dominam a produção de Woody Allen, Noah Baumbach, Sofia Coppola, Martin Scorcese, Lars Von Trier, Spike Jonze, Terrence Malick e muitos outros queridinhos de Cannes.
Um teste simples não basta. Da mesma forma que com o teste de Bechdel (Corra, Lola, Corra é um filme muito feminista que não passa no teste, e Showgirls é um filme questionável que passa), nosso teste tem suas limitações. Passar nesse teste não significa que o filme automaticamente se torne um campeão da diversidade, nem mesmo que seja bom (estamos de olho em você, Missão Impossível: Nação Secreta). 
Alguns são filmes decentes, mas simplesmente repisam narrativas que nos são empurradas repetidamente: alguns de nossos favoritos são aqueles em que Pessoas- Brancas- Resolvem- o- Racismo (Histórias Cruzadas) ou em que Árabes- Estão- Aprontando (Guerra ao Terror). Mas outros filmes que passam no teste contêm representações problemáticas de raça, seja através da violência sem rosto de árabes em American Sniper ou o clichê das gangues de Crash. O que nosso teste faz é nos forçar a analisar o que não vemos em um filme. Esperamos que, uma vez que você enxergue essas coisas, não consiga deixar de vê-las.
Será que é loucura politicamente correta insistir para que cada filme tenha um número determinado de pessoas de cor em seu elenco? Sem dúvida há contextos históricos que podem exigir um elenco muito específico (embora o apagamento de cor das narrativas históricas de filmes como As Sufragistas seja irritante). Não vamos insistir para que um homem negro seja escalado em O Guerreiro Silencioso mais do que insistiríamos para que uma mulher fosse escalada para Um Sonho de Liberdade. Mas o embranquecimento de outras narrativas é epidêmico em Hollywood atualmente.
Em anos recentes, houve a escalação de Emma Stone como uma asiática- americana em Aloha e o elenco todo branco de Êxodo: Deuses e Reis, e de Noé. A internet implode quando um ator negro é escalado para um papel em que a etnia não é especificada – destaques incluem a trolagem em cima de Amandla Stenberg, de 14 anos, que fez o papel de Rue em Jogos Vorazes, e o peido cerebral coletivo que ocorre na internet se você ousar colocar os nomes “Idris” e “Bond” na mesma frase. 
Estamos fartos de filmes que se passam nas agitadas metrópoles de Londres, Nova York e Los Angeles e em que não vemos a realidade das cidades representadas. Em vez de comunidades diversas e prósperas, nos oferecem as mesmas pálidas visões de cidades onde todos parecem ser exatamente iguais, mas nunca se parecem conosco. O que nos angustia ainda mais é a ideia de que somente pessoas do mesmo grupo étnico podem ser amigas, para não dizer objetos de interesse amoroso.
Voltando ao mundo de Harry Potter, a personagem de Lavender Brown foi reformulada, passando de uma atriz negra nos primeiros filmes para uma branca, a tempo dela se tornar um possível romance para Ron Weasley. Nossa avó branca casou-se com nosso avô negro em 1955, mas em 2015 ainda esperamos para ver relações interraciais interpretadas nas telas.
Em 1988 Eddie Murphy, ao apresentar o prêmio de melhor filme, rompeu com sua verve de comediante e disse: “Eu provavelmente nunca vou ganhar um Oscar por dizer isso, mas que se dane, eu tenho que falar... eu vim aqui para entregar o prêmio, mas sinto que temos que ser reconhecidos como pessoas. Só quero que vocês saibam que os negros não vão mais ficar na retaguarda da sociedade”. Mais de um quarto de século depois, falhamos miseravelmente em mudar essa posição.
O que nós queremos? Mudança. Mas quem tem que fazer a mudança? Como disse Viola Davis, a única coisa que separa atores de cor de todos os outros é a oportunidade. Diretores de elenco precisam diversificar seu modo de pensar. Diretores precisam exigir ver diferentes tipos de atores. Roteiristas deveriam estar fazendo mais esforço para escrever partes interessantes para atores de cor que desafiam estereótipos, ou implementar uma solução tipo Geena Davis (simplesmente trocar qualquer personagem de um roteiro por uma mulher) para raça.
Talvez isso se resuma a dinheiro? Este ano o sucesso de bilheteria de filmes como Straight Outta Compton: A História do N.W.A. provou que atores de cor podem ter apelo para diversos públicos. Velozes e Furiosos 7 foi não apenas um grande sucesso de bilheteria: tinha também um elenco totalmente diversificado. 
Esse avanço negro nas bilheterias respingou em outros grandes sucessos como Creed e Nos Bastidores da Fama, e em filmes como Tangerine, que se tornou um queridinho da crítica (embora outro desprezado pelo Oscar). “O negro circula”, por assim dizer, mas nunca perto o suficiente. Parece que a única forma de encorajar os estúdios a colocar sua força em filmes mais diversificados é através da venda de ingressos. Aí depende de você.

Os suspeitos de sempre
Nossa lista dos 10 principais estereótipos para pessoas de cor no cinema.
1. Negro mágico
Um personagem negro folclórico: Whoopi Goldberg em Ghost: Do Outro Lado Da Vida
Um dos clichês mais populares para personagens negros, um personagem folclórico, sábio com alguma conexão com forças mágicas ou percepção espiritual. Eles só existem para fazer com que o personagem branco cresça como pessoa e/ou atinja seu objetivo. Exemplos incluem Will Smith em Lendas da Vida, Michael Clarke Duncan em À Espera de um Milagre, e maioria dos papéis que Morgan Freeman já interpretou.
2. Brutamonte/ criminoso
É ou um jovem ou uma jovem negra, agressivo, com zero educação, sem qualquer motivação explícita que justifique sua agressividade e geralmente facilmente descartado: Ice Cube em Os Donos da Rua, Clifton Collins Jr em 187: O Código, Noel Clarke em Juventude Rebelde (Kidulthood). Ou é alguém com coração de ouro, mais flexível, e cuja agressão normalmente tem raízes em uma vida doméstica instável: Cuba Gooding Jr em Os Donos da Rua, John Boyega em Ataque ao Prédio, Renoly Santiago em Mentes Perigosas.
3. Atleta super-humano
Seu verdadeiro potencial físico é desbloqueado por um protagonista branco (possivelmente um ex-atleta) que acredita nele: Quinton Aaron em Um Sonho Possível, Cuba Gooding Jr em Jerry Maguire, Michael B. Jordan em Creed, todo o time de "trenó" em Jamaica Abaixo de Zero.
4. Sheik Árabe do mal super-rico
Rico demais para saber o valor de qualquer coisa, lascivo e obcecado pela mulher americana. O documentário Reel Bad Arabs: How Hollywood Vilifies People [Árabes Bem Ruins ou Bem Cinematográficos: Como Hollywood Vilifica Pessoas] faz uma análise exaustiva desse estereótipo, mas exemplos incluem Eugene Levy em O Pai da Noiva 2, Spiros Focás em A Joia do Nilo, Richard Romanus em Protocolo.
5. Asiático esquisito e dessexualizado
Um homem azarado no amor, embora por vezes interpretado por atores extraordinariamente bonitos. O personagem nunca consegue uma namorada e, se consegue, é através da intervenção de um protagonista branco. Geralmente nerds em boa medida. Exemplos: Kal Penn em O Dono da Festa, Steve Park em Fargo, e menção especial para Jet Li em Romeu Tem que Morrer, que não é nem de longe esquisito, mas mesmo assim não pode ganhar um beijo de Aaliyah.
6. A mammy, ou mãezona
Geralmente uma mulher acima do peso, simpática, servindo com alegria uma família branca, sem quaisquer aspirações. As mammies nunca são sexuais, têm pouca educação formal, e são cheias de senso comum. Pense em Hattie McDaniel em E O Vento Levou, Cicely Tyson em Histórias Cruzadas, Lillian Randolph em A Felicidade não se Compra.
7. O policial velho e cansado
Age como um contraponto ao policial branco mais jovem, cheio de energia. Dá conselhos baseado em seu próprio cabedal de experiência mas é frequentemente ignorado em favor dos instintos do policial branco. Danny Glover em Máquina Mortífera, Reginald VelJohnson em Duro de Matar, Morgan Freeman em Seven.
8. O eterno companheiro
Ou é perspicaz – utilidade e habilidade limitadas cuja perspicácia se mostra (com frequência acidentalmente) arguta (ver Chris Tucker em O Lado Bom da Vida e em O Quinto Elemento, Jonathan Ke Quan em Indiana Jones e o Templo da Perdição). Ou é leal e não questionador – normalmente possui talentos físicos mas cuja única motivação é ajudar o protagonista branco a atingir seu objetivo (ver Ernie Hudson em Os Caça-Fantasmas, Arthur Wilson em Casablanca, Shaobo Qin em Onze Homens e um Segredo).
9. A confidente petulante
Uma mulher que existe para ouvir a protagonista branca sobre sua carreira e/ou vida amorosa e que fornece percepções simplistas mas essencialmente corretas. Jennifer Hudson em Sex and the City, Stacey Dash em As Patricinhas de Beverly Hills, Viola Davis em Comer, Rezar, Amar.
10. Terrorista
Vilões tipicamente perigosos, embora com frequência incompetentes. Buchas de canhão desmioladas, a extensão de suas linhas de diálogo se reduzem a gritar repetidamente “ALLAHU AKBAR!”. Pense nos líbios em De Volta para o Futuro, Sayed Badreya em Executive Decision ou Art Malik em True Lies.