segunda-feira, 26 de novembro de 2001

CRÍTICA: PROVA DE VIDA / Nada supera a vida real

Sabe aquela piada – quem fala várias línguas é poliglota, quem fala duas é bilíngue, e quem fala uma o que é, americano? Não conseguia parar de pensar nela ao assistir à "Prova de Vida", uma aventura sobre um executivo ianque em algum país do terceiro mundo que, depois de cinco meses, ainda não fez o mínimo esforço para aprender algumas palavras em espanhol. É claro que nesses filmes sempre tem um monte de nativos que falam inglês perfeitamente bem, ainda que com sotaque marcante, então nosso herói não terá dificuldade em se comunicar e nem haverá a necessidade de legendas (que os mestres do universo, quero dizer, os americanos, se recusam a ler).
Tá, tá, "Prova de Vida" não é bem sobre a incapacidade lingüística do único povo que se beneficiará com a ALCA. Na realidade, o tal sujeito é sequestrado por uma guerrilha de esquerda e passa quase um ano na selva. Enquanto isso, sua esposa convence um expert em resgates a negociar os valores, e os dois se apaixonam, ou é o que diz a sinopse do filme, pois não vi nenhuma faísca. Amor de verdade, só na vida real. Durante as filmagens, Meg Ryan e Russell Crowe, perdidos nas florestas do Equador, sem nada pra fazer além de matar mosquitos, tiveram um tórrido caso. Meg é casada com o ator Dennis Quaid e já voltou pra ele, revelando aos tablóides que "Russell só queria sexo" – o que me leva a crer que o making of de "Prova" deve ser infinitamente mais interessante que o próprio.
Porém, como sou crítica de cinema e não fofoqueira de plantão, nem vou mencionar que, nos bons tempos de "Ajuste de Contas" e "A Fera do Rock", a Meg nunca trocaria o De
nnis pelo Russell. Vou tratar de coisas sérias. Por exemplo, o Russell está tão musculoso que anda com aquele molejo meio simiesco de quem não consegue juntar as pernas. E ele tem mais busto que a Meg. Ansiava para que, em algum momento da película, alguém perguntasse ao Russell, "o que é este arranhão no seu rosto?", e o gladiador neozelandês respondesse, "ah, foi um tigre". Este é o segundo filme que o Russell faz baseado em artigo da revista "Vanity Fair". O primeiro foi "O Informante". Qual será o próximo? Suponho que "Você é uma gracinha quando está zangado – histórias do astro mais mal-humorado do mundo" já se encontre em pré-produção.
"Prova" mostra como o sequestro é uma ótima maneira de reanimar um casamento se você mora numa republiqueta latino-americana, e de conhecer novas pessoas e fazer amigos. Mal posso esperar para que raptem o maridão. Como negociador, por favor, que venha um loiro sexy de olhos azuis. De acordo com o filme, é só pedir que aparece um. E não se paga nada.
Lá pelas tantas, surg
e uma cunhada na jogada. É ela que pagará o resgate. Depois ela some. Teria sido raptada também? Não pude deixar de pensar no meu cunhado e, se ele fosse sequestrado, quanto ofereceríamos para que ficassem com ele. Como clamava o slogan de uma campanha muito antes de eu nascer, "cunhado não é parente, Brizola presidente".
No final do filme,
e não se preocupe porque não pretendo contar o final (quando chegou lá minha concentração já havia se esvaído fazia tempo), há uma guinada e "Prova" vira "Rambo 2, A Missão", com todos os atores camuflados com os rostos maquiados de verde. Seriam os caras-pintadas pelo impeachment do Bush? Já? Nada pra se temer, pois esta fantasia hollywoodiana não tem nada de política. Bom, tem. Os vilões são os guerrilheiros, aqueles que falam inglês com sotaque. E o país, fictício, é exposto como o pesadelo de qualquer pessoa civilizada. Não deve nem ter McDonald’s por lá, que horror!
Pelo que li, as filmagens foram terríveis: muita chuva, lama, vulcões, golpes de estado, e ameaças concretas de sequestro. Parece que a guerrilha colombiana cogitou raptar a Meg Ryan, que recebeu um cachê de 15 milhões de dólares, bem mais do que o resto da equipe ganhou por quatro meses, incluindo aí o time de apoio terceiro-mundista. Que bom que isso não aconteceu, né? Já pensou no desespero que seria esperar por uma prova de vida da Meg?

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