quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

UM FELIZ (OU MENOS INFELIZ) 2021!

Pessoas queridas, embora eu não esteja otimista para 2021 (acho que pelo menos a metade do ano será parecida a 2020, mas sem auxílio emergencial, o que deixará muita gente desamparada), desejo que vocês tenham uma linda passagem de ano. 

Pra humanidade, 2020 foi um ano para se esquecer, e pra mim não foi diferente: creio que foi o pior ano da minha vida, um ano perdido mesmo. Fiz um vídeo pro meu canal Fala Lola Fala contando um pouco dessa retrospectiva e das ameaças de morte que tenho recebido nos últimos dias. Mas estou bem! A polícia acabou de passar aqui em frente de casa, e fará ronda. 

Tá tudo tranquilo. E um inquérito já foi aberto. Creio que semana que vem já vou depor na Polícia Federal. Talvez 2021 seja difícil pros incels me ameaçando.

Já nós vamos ter um reveillon frugal, mas saboroso! Espero que vocês também!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

AGORA É LEI: ARGENTINAS CONQUISTAM O DIREITO DE ABORTAR

Hoje é um dia histórico pra Argentina e pra toda a América Latina: o senado do segundo maior país da América do Sul legalizou o aborto! Uma enorme conquista de e para todas as mulheres que lutam!
Vocês devem se lembrar que, dois anos atrás, após uma intensa vigília, a descriminalização do aborto passou na Câmara de Deputados do nosso maior país vizinho, mas esbarrou num Senado conservador. Uma das diferenças de lá pra cá é que o presidente Alberto Fernández, que recentemente taxou as grandes fortunas, restabeleceu o reajuste dos aposentados que o direitista Macri havia tirado, e iniciou a vacinação contra a covid, apoiou esta reinvindicação histórica das mulheres. Com este apoio, cumpriu uma de suas promessas de campanha, que era legalizar o aborto. 
Mas não se deve esquecer que esta é uma conquista gigantesca dos movimentos feministas, que cresceram nos últimos anos na Argentina, atingindo pessoas jovens e convencendo parlamentares que sempre foram contra a legalização.
Desta vez, agora de madrugada, por 39 votos a favor, 29 contra e uma abstenção, o Senado aprovou a legalização. 
Agora é lei: até a 14a semana de gestação, as mulheres (e homens trans) poderão abortar de forma legal, segura e gratuita. Como era antes? A lei que classificava o aborto como crime era de 1921, ou seja, de quase um século atrás! 39 mil mulheres argentinas eram hospitalizadas a cada ano por fazer aborto clandestino. Dessas, 80 foram levadas à Justiça, e sabe-se lá quantas morreram. 
Não é à toa que um dos cartazes mais chamativos das manifestantes mostrava um cabide ensanguentado com a palavra "Adiós". Saem os cabides, símbolos dos abortos clandestinos (que muitas vezes eram realizados enfiando um cabide no útero da mulher), e entram os lenços verdes. Aliás, foram as Católicas pelo Direito de Decidir na Argentina (que aqui grupos conservadores querem proibir de existir; este ano, o judiciário de SP proibiu o uso do nome "católicas" na ONG) que inventaram o lenço verde como símbolo da legalização do aborto, ainda em 2003.  
Então adiós, cabides! Saem os cabides, representantes da precariedade e da opressão, e entram os comprimidos. Pra quem não sabe, hoje a maior parte dos abortos é realizada com comprimidos, não com cirurgia. 
A vitória das mulheres argentinas é ainda mais espetacular se consideramos que a Argentina, local
de origem do Papa Francisco, é um país muito católico. Pessoas "pró-vida", principalmente membros da igreja, fizeram forte pressão para que a legalização não passasse. Dois senadores que certamente votariam contra felizmente não puderam votar: o ex-presidente Carlos Menem (principal responsável pela pior crise argentina da história), que, aos 90 anos, está em coma, e um ex-governador conservador, afastado por denúncia de abuso sexual (nunca falha!).
Durante os debates no Senado, a senadora Silvia Sapag declarou: "Quando eu nasci, as mulheres não votavam, não herdávamos, não podíamos ir à universidade. Não podíamos nos divorciar, as donas de casa não tínhamos aposentadoria. Sinto emoção pela luta de todas as mulheres que estão lá fora agora. Por todos elas, que seja lei".
Outra senadora, Ana Claudia Almirón, afirmou: "Obrigar uma mulher a manter sua gravidez é uma violação dos direitos humanos".
Agora a Argentina se junta a outros países da América Latina que permitem a interrupção da gravidez, como Uruguai, Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Porto Rico e a Cidade do México (não o México inteiro). Em El Salvador, Honduras, Nicarágua, República Dominicana e Haiti, o aborto é proibido em todos os casos, sem exceção. No restante da América Latina, o aborto é criminalizado com algumas exceções, como gravidez em decorrência de estupro, risco de vida para a gestante, e fetos anencéfalos.
Aqui, a extrema-direita não esconde sua agenda: quer proibir o aborto em todos os casos, como deixou evidente no caso da menina de 10 anos estuprada pelo tio (ela foi estuprada, corria risco se prosseguisse com a gravidez, e ainda assim os fundamentalistas religiosos tentaram impedir o aborto de todos os meios). 
Compartilho um desenho da Magda Castría, que escreveu: "Opor-se ao aborto legal não evita abortos, só condena à clandestinidade aquelas que não querem passar pela tortura de gestar sem o desejo de fazê-lo. Mortes por abortos clandestinos são evitáveis. O aborto legal não obriga ninguém a abortar. O alargamento de direitos não prejudica quem deseja gestar. Se não entenderam, eu fiz um desenho pra vocês" (tradução para o português do Koppe).
Sim, quem é contra o aborto deveria militar pela legalização do aborto. Parece contraditório, mas não é: nos países em que o aborto é descriminalizado, aborta-se menos, não mais. Ninguém faz do aborto um método anticoncepcional. O que acontece é que crescem a conscientização e a educação sexual. As mulheres deixam de morrer ou serem exploradas ao tentarem abortar. Uma questão de saúde pública e direitos humanos, sem dúvida. De liberdade de escolha!
É uma ótima notícia para fechar um ano tão terrível. Isso nos enche de admiração pelas hermanas e de esperança também. Será que nós no Brasil veremos a legalização e descriminalização do aborto aqui ainda durante as nossas vidas? Creio que, em 2020, este sonho nunca nos pareceu tão distante. Mas vamos nos inspirar nas argentinas, que cantaram: "Abaixo o patriarcado que vai cair, que vai cair!  Avante o feminismo que vai vencer, que vai vencer!"

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

O PODEROSO CHEFÃO III CONTINUA SENDO MUITO RUIM, MESMO COM OUTRO NOME

Semana passada o maridão e eu revimos O Poderoso Chefão Parte III. Já vimos o filme inúmeras vezes nesses trinta anos, inclusive no cinema, quando foi lançado em dezembro de 1990.

Quer dizer, vão falar que não é bem o mesmo filme, que esta é uma espécie de versão do diretor, mas não caia nessa. Francis Ford Coppola, que às vezes fica sem dinheiro, volta e meia faz isso (se bem que Apocalypse Redux tem realmente ótimas cenas acrescentadas, mas essa proeza é de vinte anos atrás). Esta versão de Chefão III tem uns doze minutos a menos. Nem dá pra notar direito. O começo foi alterado, o final também. E o título. Agora não é mais "parte III", é Desfecho: A morte de Michael Corleone

Eu adoro os dois Chefões, de 1972 e 1974 (embora eu ache que o melhor filme de 72 foi Cabaret), mas nunca gostei da terceira parte. É fácil culpar a Sofia Coppola, tadinha. A Winona Ryder tinha sido escalada para interpretar Mary, filha do chefão feito por Al Pacino. Mas ela estava exausta e acabou não fazendo. 

Coppola, nepotista que é, escalou a filha de 19 anos, que nunca havia atuado antes e não tinha intenção de ser atriz (virou diretora, e das boas). Ela é claramente uma amadora (pense no Keanu Reeves, normalmente um ator decente, em Drácula de Bram Stoker, também dirigido por Francis Coppola). Mas o filme não a ajuda. Talvez qualquer atriz teria feito um papelão.

Fiquei feliz em constatar que o maridão e eu temos as mesmas opiniões sobre o filme. Concordamos que, cada vez que revemos a parte III (eu assegurei que esta foi a saideira), ela fica pior. Os diálogos são péssimos, artificiais, e as atuações não ficam tão atrás. Até o grande Al Pacino tá caricato em algumas cenas. Lembrem-se que sua fala mais famosa, parodiada à exaustão, é "justo quando pensei que estava fora, eles me puxam de volta", que não é seu melhor momento no filme. 

Mas vejam quando ele vai receber Kay (Diane Keaton, que eu sempre considerei o elo fraco em toda a trilogia) na estação de trem na Sicília. Ela diz que seu atual marido queria muito vir, e Michael responde que tem certeza que sim. É um diálogo artificial. E tudo bem, na vida a gente tem diálogos artificiais, mas este não parece ter sido feito pra dar a entender que o relacionamento entre eles está nesse nível. É só que vários diálogos na Parte III são assim.

Não estão convencidxs? Então que tal a cena em que Connie (Talia Shire) reforça sua lealdade ao irmão e chefão enquanto lhe aplica uma injeção? Ela lamenta que Fredo, que Michael mandou matar no final do segundo filme, e que vai assombrá-lo pro resto da vida, tenha se afogado. Mas a câmera mal a mostra enquanto ela fala isso. É uma cena que poderia revelar bastante sobre sua personagem (tipo: ela acredita nessa mentira?). Ela está quase de costas e há uma sombra sobre ela. Não dá pra saber qual é a dela apenas pelo diálogo e a entonação. Certo, o filme fez essa escolha de não nos deixar interpretar sua fala, mas então qual é o propósito da cena? Por que ela está lá? 

Pra mim, quem se sai melhor é Joe Mantegna como um mafioso mais barra pesada. Seu personagem (pequeno) está melhor construído. Andy Garcia como o filho bastardo de Sonny tem boas cenas -- não as que ele compartilha com Sofia --, mas acho que ele se esforça demais pra parecer fora de controle como o pai que nunca conheceu, como se ser explosivo fosse genético.

Quando o filme foi lançado, em 1990, ele foi malhado (a ferina crítica Pauline Kael o classificou como uma "humilhação pública"), principalmente por causa de Sofia. Mas ele teve o azar de surgir no mesmo ano de Os Bons Companheiros, do Scorsese, que é muito superior. Ainda assim, ele foi indicado a sete Oscars, inclusive melhor filme. Sinal de que um monte de gente adorou. Eu realmente não sou uma delas. O maridão tampouco.

Desculpem se vocês amam a terceira parte de paixão. Já ouvi até uma ou outra pessoa afirmar que é o melhor momento da trilogia. Mas pra mim esse "desfecho" é tão péssimo que me faz pensar se os dois filmes que vieram antes não são talvez superestimados (não, não são).

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

BOLSONARO AINDA NÃO ESTÁ MORTO

Reproduzo um ótimo texto da doutora em Ciências Sociais e professora de Relações Internacionais da Unifesp Esther Solano, publicado na Carta Capital

O ano nem acabou, nem acabamos de assimilar o gostinho ou “desgostinho” das eleições municipais, e todos nós, sociólogos e cientistas políticos, estamos empenhados em projetar a disputa presidencial de 2022. Pareceria um exercício obstinado de profecia e carente de sentido, mas a urgência tem um motivo, uma razão. Há tempos realizo pesquisas quantitativas com minha colega Camila Rocha e há tempos observamos dois fenômenos cada vez mais evidentes, preocupantes para o campo progressista, e alertando a respeito quem quiser escutar. Infelizmente, não são muitos.

O primeiro: Bolsonaro está vivo, ainda. Não cantem réquiem antes de tempo. Não chamem o coveiro antes da hora. Os mais de 180 mil mortos não lhe tiram a popularidade. Desejei que ele fosse um dos cadáveres políticos da eleição. Não sei se tenho força para desejar mais, pois meus anseios cada vez parecem mais impossíveis. Há várias razões para entender a fidelidade obstinada de parte do eleitorado bolsonarista mais moderado. A política da negação e da desinformação deixa muitos em um estado de confusão que os impede de identificar a total responsabilidade do ex-capitão neste caos necropolítico. Além disso, o fato de que o peso da culpa seja dividido com governadores e prefeitos também ajuda a tirá-la das costas dele. Responsabilidade dividida é mais leve. 

Para além das estratégias da desinformação e dos bodes expiatórios, a suposta autenticidade de Bolsonaro continua a ser o fator mais importante para entender a lealdade de sua base, inclusive aquela desiludida. Em nome da autenticidade se desculpa tudo. O jeito violento, bruto, instável, medíocre, incapaz, é reinterpretado como sinceridade. Bolsonaro seria o único político que não faz politicagem, e por isso se “equivoca”, “fala demais”, mas o importante é que ele é autêntico. 

Em um sistema viciado até as entranhas, o dom da autenticidade parece até coisa divina. Na guerra das vacinas, muitos identificam politicagem em João Doria, porque ele seria um político que fala bonitinho, mas é mentiroso e carreirista. Bolsonaro é, por outro lado, genuíno. É isso, meus amigos, esse é o tamanho do buraco em que nos enfiamos. O auxílio emergencial acaba, em 2022 teremos uma situação econômica difícil, Bolsonaro não conta com os aplausos do mercado, Paulo Guedes e Sergio Moro só causaram decepção. Por tudo isso, o ex-capitão não terá a vida fácil como em 2018, mas ainda não morreu.

A segunda conclusão da pesquisa é que boa parte do eleitorado bolsonarista moderado arrependido não está pronto para migrar a uma esquerda em que votou no passado. Lembrem: muitos dos hoje bolsonaristas foram petistas até recentemente. Um possível campo por construir de uma direita limpinha, “civilizada”, cheirosa, que se apresente como a verdadeira oposição a Bolsonaro, mantendo os valores meritocráticos, neoliberais e conservadores, próxima ao campo dos valores tradicionais, com um certo verniz de defesa dos serviços públicos e de políticas para os mais vulneráveis, talvez acenando a algumas pautas identitárias, terá o campo fértil. Uma direita ilustrada, como dizem alguns comentaristas. DEM, PSDB, MDB. 

Parece que até Ciro Gomes prefere se aliar a Rodrigo Maia do que a Lula ou Guilherme Boulos. A única fragilidade dessa direita limpinha é que há muito macho para pouco espaço. Quem será o líder da turma, o cabeça de chapa? Eles correm o risco de entrar em uma guerra fratricida antes de chegarem às urnas. Veremos. Vou rezar a todos os santos, deuses, semideuses, seres divinos e até infernais para que, em 2022, não tenhamos um segundo turno entre Bolsonaro e a direita limpinha, pois é possível, sim. Sejamos sinceros, o campo progressista precisa ser melhor, maior, mas presente, mais inteligente, mais forte, mais estratégico, mais comunicativo, mais ousado, mais inovador, mais corajoso, se quiser chegar forte a 2022 e convencer uma parte de votantes arrependidos de Bolsonaro e a outra enorme parte de eleitores que optarão pela abstenção ou pelo voto nulo de que ele representa a verdadeira alternativa. 

Caso a gente continue com os números das eleições municipais, as contas não fecham. Se não agirmos rápido, com sagacidade, com compromisso, com potência, estaremos fora das apostas. Eu não quero me ver torcendo por Doria contra Bolsonaro. Não merecemos, mas vamos ter de botar a mão na massa desde já, se não quisermos ficar atolados neste futuro fatídico. O próximo ano não será brincadeira. Temos a chance de construir um caminho para 2022 ou de construir a nossa derrota. A escolha não só está nas mãos das altas hierarquias partidárias. Também está nas nossas.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

FELIZ NATAL, DENTRO DO POSSÍVEL

Pessoas queridas, desejo a todas vocês boas festas e uma ceia farta hoje, mas com cuidado, sem aglomerações. E torcendo para que até o Natal do ano que vem a maior parte de nós esteja vacinada e aí sim possa celebrar em conjunto. Mas não é o momento.

Estou devendo pelo menos um vídeo, e pra semana que vem tentarei fazer uma retrospectiva pessoal do meu 2020 (spoiler: não consigo me lembrar de um ano pior na minha vida). Mas o mais importante agora é mesmo sobreviver. 

Quero ser otimista: que este seja o primeiro e último Natal da pandemia! Tudo de bom pra vocês! E sem uva-passa!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

TODO MUNDO FECHOU DE NOVO, MENOS O BRASIL?

Semana passada escrevi um tuíte compartilhando o que uma amiga que mora na Holanda me contou sobre a pandemia. Um monte de gente respondeu falando como estava a situação (trágica) nos países que moram. Como no início da pandemia publiquei vários guest posts de brasileiros narrando o cenário internacional, publico agora esses tuítes. E se alguém quiser escrever contando mais a fundo como anda a situação no seu país, escreva! Acho muito importante a gente ter registros assim do dia a dia.