segunda-feira, 26 de novembro de 2001

O POVO, UNIDO, JAMAIS SERÁ...

Começou o Big Brother Brasil (o primeiro, em 2001) e confesso que vi um pedacinho, só pra ficar por dentro do tema que monopolizaria as conversas daqui pra frente. Como as pessoas com quem falei nem mencionaram o programa, estou em dúvida sobre aqueles 53 pontos no Ibope que andam alardeando. Será que estão me enganando de novo? A atração é um horror de chata; nada acontece, o pessoal é histérico, lembra um zoológico humano com uma só espécie em constante exibição. As músicas são legais, mas elas foram melhor aproveitadas em “Casa dos Artistas”. E são as mesmas! O SBT plagia a Globo que plagia o SBT... Falando na Globo, admito que me espantei ao saber que as cotas de propaganda do BBB que estavam sendo vendidas incluíam exposição no Jornal Nacional e em todos os outros noticiários globais. A emissora não apenas cria a notícia, como a divulga também. Mas me acalmei ao constatar que nada de relevante está acontecendo no país mesmo. E lembrei que os programas jornalísticos do Roberto Marinho vivem anunciando as reportagens do Globo Repórter e do Fantástico. Além disso, um dos diretores da Globo veio contestar a informação. Disse que, se BBB for notícia, o Jornal Nacional vai passar. Ah, bom. Deve ser por isso que “Casa dos Artistas” aparecia o tempo todo no JN.
Acho ótimo isso da gente ficar acompanhando o dia-a-dia de doze completos desconhecidos, que nem interessantes são, como se a vida deles importasse mais que a nossa. Em seguida vem a Copa do Mundo, e em outubro estaremos no ponto pra votar no candidato(a) mais apolítico possível. Li em algum lugar que os reality shows fazem sucesso porque nossas vidas são monótonas; logo, qualquer fofoca ou intriga alheia chama a atenção. Mas não quero crer nisso. O dramaturgo russo Tchecov comentou, no início do século passado, que levamos vidas de desespero silencioso. Talvez tudo que estes programas façam seja aumentar o volume, pra que o desespero dos protagonistas – e o nosso – possa ficar mais audível. Será?

NÓS, OS VIDEOTAS
Fora Tchecov e nossas vidas de desespero silencioso, outras lembranças me vêm à mente ao pensar em “Big Brother Brasil”. A mais óbvia, claro, é “1984”, o clássico que trata de uma sociedade autoritária onde reina o pensamento único e todos são vigiados a todo momento pelo Grande Irmão. George Orwell deve estar se revirando no túmulo ao notar que o personagem de sua obra virou sinônimo de entretenimento, não de reflexão. Outra memória é “Admirável Mundo Novo”, que fala de uma ordem em que clonagem e condicionamento são coisas desejáveis. Mas, para evitar que os habitantes deste mundo pensem demais na sua própria condição, existe uma distribuição grátis e diária de drogas. Assim, sem querer viajar demais, não dá pra traçar um paralelo entre estes entorpecentes e a nossa televisão?
Por favor, se você tiver a menor dúvida sobre por que permanecer horas dentro de um carro ou ingerir alimentos nojentos para ganhar uma competição pode ser considerado degradante, assista à “A Noite dos Desesperados”. É sobre um grupo de maltrapilhos que, durante a Depressão, tem de dançar por semanas a fio pra levar um prêmio. “Truman Show” também é uma referência banal quando se pensa em shows de realidade. O que mais choca neste filme bárbaro não é que a vida de um sujeito seja mostrada ao vivo pela TV sem que ele saiba – é que seu programa bata recordes de audiência, já que nada de extraordinário acontece nele.
Mas a obra que não mesai mesmo da cabeça é “Muito Além do Jardim”. Nela, um jardineiro analfabeto passa sua existência dentro de casa, vendo TV. Quando é forçado a deixar sua redoma de vidro, fica perdido com o mundaréu que o cerca. Precisa urgentemente ligar a TV para se acalmar e ser orientado sobre como agir. Pelo amor de Deus, diga que nós, humanos do século 21, não somos assim. Quero acreditar que temos mais o que fazer do que bisbilhotar a vidinha dos outros. Se tirarmos uma letrinha do Big Brother, ficará Big Bother, ou Grande Incômodo. Não parece mais apropriado?

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