terça-feira, 28 de março de 2000

OS PERDEDORES SOMOS NÓS

O maior espetáculo da Terra. Maior em duração, bem entendido, não em qualidade. Assim foi a entrega do Oscar deste ano, que se prolongou por mais de quatro horas. Imagina só, quatro horas para vinte e poucas categorias e duas homenagens especiais. Basta dividir o tempo pra constatar como a Academia de Ciências Cinematográficas não preza exatamente a eficácia.
De onde tiraram que Michael Caine era o favorito ao prêmio de coadjuvante? Não se pode subestimar o poder da Miramax. Eu tinha apostado no Tom Cruise, que é querido e nunca venceu, e várias pessoas estavam certas que o menininho com três nomes ia ganhar. Caine, com sua elegância de costume, foi o ponto alto da noite. Apontou as graças de seus adversários e disse a Cruise que o salário de um coadjuvante é baixo.
Não houve muitos aplausos de pé. Deu pra notar isso quando os convidados se levantaram e bateram palmas para um interminável mix de músicas famosas. Sinceramente, quem você prefere cantando "Over the Rainbow"? A Judy Garland ou a loirinha adolescente da última moda? Foi pra isso que os organizadores decidiram encurtar a apresentação dos indicados a melhor canção, sempre um momento deplorável? Robin Williams cantando "Blame Canada", de "South Park" (que incluía pedaços como "culpe o Canadá, eles nem são um país de verdade mesmo") foi a única salvação.
O lado liberal da academia ficou bem claro nos discursos de Warren Beatty e do diretor polonês Wadja. Vários atores negros apareceram para tentar convencer-nos que não, Hollywood não é racista, imagine. Denzel Washington, forte candidato a melhor ator, não levou a estatueta para casa. O agraciado foi Kevin Spacey, e devo dizer, com justiça. Adoro o Denzel, mas o personagem de Kevin em "Beleza Americana" exigia mais nuances.
De resto, sobram algumas imagens divertidas que nossa memória seletiva se encarregará de deletar, como as piadas de abertura de Billy Crystal. Em Hollywood, tudo pode acontecer. O "winner" é este festival de autocongratulações, e os perdedores somos nós que insistimos em prestigiar uma festinha tão chata.

terça-feira, 14 de março de 2000

CRÍTICA: O COLECIONADOR DE OSSOS / Não colecione bugigangas

Inspiração clara em filmes consagrados não salva O Colecionador de Ossos do fiasco

A vantagem do trailer de O Colecionador de Ossos sobre o filme em questão é que, no trailer, você vê dois minutos, acha ruim e esquece, enquanto você precisa de quase duas horas do longa-metragem para não se lembrar do que viu. O trailer não mente, só resume o filme. Até antecipa cenas que deveriam ser surpreendentes. Então, se no trailer você já se pergunta, "o que esta moça tão magra e chique está fazendo vestida de policial?", as chances são de que você ficará com essa dúvida cruel também durante o filme.
Ai, ai, a história. O belo Denzel Washington é um detetive que sofreu um acidente e está irreversivelmente paralítico, como se algo fosse irreversível em Hollywood. Um serial killer seqüestra suas vítimas
usando um táxi e depois as liquida de forma original e nojenta, deixando pistas para a polícia. Há também uma jovem policial que revela um talento nato para a perícia e ajuda o Denzel a desvendar os crimes.
Então, desde o começo, você já sabe o que vai presenciar. O detetive olha para uma prova recolhida no local e consegue detalhar, a olho nu, do que o material é composto, de onde veio, porque o matador o usou, e a data e lugar onde atacará novamente. Nem Badan Palhares faria melhor. E tem aquele trivial d'a força policial em massa procurar as vítimas, com helicóptero e tudo, e a jovem guarda encontrá-las fácil fácil.
Angelina Jolie é filha de Jon Voight e acabou de ganhar o Globo de Ouro de coadjuvante por Garota, Interrompida. Em O Colecion
ador de Ossos, ela segue a tradição de Meg Ryan como neurocirurgiã e não convence nem um pouquinho como policial. Tanto não convence que incluíram um diálogo totalmente fora do contexto explicando que sua personagem havia sido modelo. Angelina tem cara de bebê chorão. Seus lábios, que alguns podem chamar de "carnudos", outros de "inchados", dependendo do gosto, estão sempre ligeiramente entreabertos; seus olhos, lacrimejantes. E ela é tão raquítica que a gente começa a desconfiar que os ossos do título sejam dela, e talvez Denzel seja o colecionador. Angelina não faria feio nos Morumbi Fashions da vida. Depois de desfilar, claro, ela deveria comer alguma coisinha.
Denzel Washington é lindo e maravilhoso e quiçá o favorito ao Oscar por Hurricane - Furacão. Mas aqui ele não tem muito o que faze
r. Ficar deitado na cama levantando a sobrancelha não constará entre os pontos altos de sua biografia. Até pinta um clima entre ele e Angelina, mas como um é negro e a outra é branca, eles não passam dos olhares. O espectador americano não tem com que se preocupar, pois o cinemão não vai chocar o respeitável público com miscigenações, argh. Sexo interracial, nem pensar.
De impressionante mesmo em O Colecionador de Ossos, só um episódio em que o assassino c
orta sua vítima, ainda viva, e a abandona aos ratos. Não se vê grande coisa, mas o close do ratão pulando é bastante assustador. No resto, o filme é banal. Alguns diálogos chamam a atenção, talvez involuntariamente. Um exemplo é o de um investigador que liga para o Denzel e diz: "Não sei se tem ligação com o caso, mas um taxista baleou um policial e saiu em alta velocidade com dois passageiros que desapareceram. Pode ser só coincidência". Dãããã. Precisa ser detetive para deduzir isso?
E o final é tão, mas tão terrível, que devem ter filmado uns dois ou três e depois deixado para as platéias das exibições-teste decidirem. Ou pior: eles já rodaram desse jeito convencional e feliz, que é para não desiludir ninguém. Afinal, eles sabem do que o povo gosta.
Para quem acha que O Colecionador de Ossos pega carona em Seven, sinto decepcioná-los. A inspiração clara é o magnífico Silêncio dos Inocentes e há um quê de Janela Indiscreta, mas é pecado profanar o santo nome de Hitchcock em vão. Olha, vamos ficar assim. Esqueça os ossos da Angelina e assista ao Colecionador puro e simples, de William Wyler, de 1965. Este, sim, um suspense psicológico de arrepiar.

Leia aqui a resposta da Mica criticando a minha crítica, publicada no jornal em março de 2000 (mais ou menos no meio da página).

sexta-feira, 10 de março de 2000

CRÍTICA: À ESPERA DE UM MILAGRE / Frank Darabont exagera na caminhada

O drama À Espera de um Milagre tem qualidades, mas não sustenta três horas de duração

À Espera de um Milagre, em cartaz no Estado, começa com um velhinho narrando seu passado, o que continua pelas próximas três horas. Ou seja, mais Titanic, impossível. Em tudo nota-se que é uma superprodução convencional: música a preencher os silêncios, fotografia, roteiro e direção sem nenhum ângulo inovador. O pessoal acostumado ao cinemão não vai se decepcionar.
O bom moço por excelência Tom Hanks faz um encarregado pelas execuções no corredor da morte, lá pelos anos 30. Ele cuida de uma cadeia com mais guardas que prisioneiros (dá pra ver que o índice de criminalidade aumentou barbaridades desde então). Seu maior problema é um guarda sádico e covarde com costas quentes. Chega um grandalhão acusado de assassinar duas garotinhas, mas basta olhar pra ele para concluir que ele é inocente. Ainda por cima, este gigante tem o dom de curar doenças. Há também um ratinho que meio que se transforma no mascote da prisão.Não quero que minha verve sarcástica contagie esta resenha. Eu gostei do filme. Chorei baldes, principalmente nas cenas envolvendo o camundongo. Só que À Espera de um Milagre deveria ser encurtado. Existem cenas absolutamente dispensáveis. Por exemplo, precisamos mesmo que um dos prisioneiros diga ao guardinha de Tom Hanks "você é bom"? Claro que não, o Tom é sempre bom. Também poderíamos sobreviver sem que um outro diga de um bandidão: "ele é mau". A bandeira não é necessária pra que o espectador perceba o maniqueísmo desde os primeiros momentos. Não é suficiente que sejamos manipulados, temos ainda que receber tudo mastigadinho.
A seqüência inteira em que Tom visita o ex-advogado do gigante cai na mesma linha do descartável. Parece que só foi colocada lá para marcar o reencontro entre Tom e Gary Sinise, parceiros naquela aberração que é Forrest Gump. A opinião do advogado não acrescenta nada. Faz tempo que sacamos que o grandalhão é a inocência em forma de gente, um homem iluminado, um enviado dos céus.
Todo filme sobre a pena de morte é contra a pena de morte. Não dá pra mostrar algo tão grotesco e legitimá-lo. Hollywood, porém, é pura hipocrisia. Poucas indústrias defendem tanto a pena máxima como esta do entretenimento. Quantos filmes você já viu onde o vilão, depois de aprontar mil e uma, vai para a prisão pagar seus pecados? (Lembre-se que os prisioneiros nas produções de cadeia geralmente não são culpados, são heróis). Prisão é anticlimático, e funciona apenas como castigo a longo prazo. Logo, pra nossa catarse coletiva, o bandido sempre morre de maneira hedionda. E nada de morrer uma ou duas vezes, não. Queremos sangue. Às vezes ocorre assim: vilão leva vários tiros, vira picadinho, explode, cai de um prédio de vinte andares, é atropelado por um caminhão lá embaixo. Quando o mocinho passa por perto, o bandido dá seu último suspiro e ataca o herói, que só então o mata em definitivo. Estamos vingados!Em À Espera de um Milagre há dois vilões, e ambos são exemplarmente punidos. Parece que a pena de morte é errada por ser aplicada por um governo, mas nada contra fazer justiça com as próprias mãos.
O gigante, muito bem interpretado por Michael Clarke Duncan (indicado ao Oscar de coadjuvante - ele é a alma do filme), é um pouco o retardado de Ratos e Homens, um pouco Frankenstein. Coitado do Michael! Este é seu primeiro papel, e pode-se dizer, o último. Tem uma anedota que conta que o tubarão e o dinossauro de Spielberg reclamam por não poderem fazer Shakespeare, por estarem condenados a um único papel. Com Michael acontece o mesmo. Há mais personagens disponíveis para o ratinho do filme (vide Stuart Little, O Colecionador de Ossos) que para um grandalhão que, além de tudo, é negro.A cena do prisioneiro assistindo a O Picolino antes da execução remete automaticamente àquela dos homens vendo Gilda em Um Sonho de Liberdade. Este outro drama de prisão é um dos clássicos da trágica década de 90. Também foi dirigido por Frank Darabont, também baseado em Stephen King. À Espera de um Milagre é legal, mas prova como é difícil um raio cair duas vezes no mesmo lugar. Tomara que Darabont se liberte para tocar outros projetos. Milagre por milagre, o único de 99 até agora foi Beleza Americana.