sábado, 31 de outubro de 2015

MASTERCHEF JR E A SEXUALIZAÇÃO DE MENINAS

Terça-feira retrasada, quando começou o Masterchef Jr., nem deu tempo de ver o programa, pois eu estava participando de um congresso em Jacobina. Mas acompanhei a repercussão no dia seguinte, no Twitter.
Fiquei sabendo que alguns caras fizeram comentários totalmente inapropriados sobre uma das participantes, uma menina de 12 anos, V. As feministas reagiram de maneira exemplar, lançando a tag #primeiroassédio, em que montes de mulheres compartilharam suas histórias de abuso quando ainda eram crianças ou adolescentes.
Roger Ultrajante em reação misógina
à tag #primeiroassédio
Não vou citar o nome de V. porque a mãe dela pediu numa reportagem que o nome da filha não fosse mais citado, para protegê-la da exposição e dos abusos. Evitarei também colocar fotos dela. 
Nesta terça vi parte do programa e o achei muito sem graça (e olha que eu adorei as duas edições do MasterChef pra adultos). Primeiro, não entendi por que crianças de 9 a 13 anos estão fazendo comidas sofisticadas. O que me pareceu é que é um MasterChef em que os jurados são mais bem educados (a ponto do Fogaça parecer falso), e os participantes choram com mais frequência.
V. apareceu pouquíssimo neste segundo episódio. Quando a vi, fiquei perplexa -- é uma garotinha! Na semana retrasada, diante dos absurdos usados para descrevê-la, pensei que V. era uma menina de 12 anos com corpo "mais desenvolvido" (não que isso justificaria os absurdos que falaram sobre ela). Mas não, ela tem corpo e cara de criança mesmo! 
Li que a pífia aparição de V. foi uma decisão da Band de editá-la do programa. Não me parece justo, porque, afinal, ela quer participar. Ela está lá para ser vista. Mas não para gerar desaforos, claro. Pouca gente decide aparecer na TV (um veículo que ainda tem grande repercussão) para ser pará-raios de doentes e misóginos. 
Mas qual é a saída, além de procurar responsabilizar criminalmente alguns desses doentes? Crianças não devem poder aparecer na TV, até num programa "inocente" de culinária, porque sempre haverá otários que irão sexualizá-las na internet?
Me solidarizo com V. e com os pais da menina. Tenho certeza que, quando inscreveram sua filha no programa, jamais imaginaram ver o nome e a imagem de sua filha expostos desta forma. Isso pode ser muito traumático para uma criança. Mas tirá-la agora do programa também seria. Sinceramente, se eu fosse mãe, não saberia o que fazer. 
Este foi o primeiro email que recebi sobre o MasterChef Jr, há quase duas semanas, da D.:

Eu leio seu blog mas nunca me manifestei. Mas hoje eu vi uma reportagem que um amigo postou no facebook e fiquei extremamente chocada. Eu sou super fã do Masterchef e quando soube que teria o júnior no Brasil fiquei doida para ver as crianças cozinhando. Mas, como a cada dia o Brasil regride para a Idade Média, surgiu uma notícia que me chocou: uma menina de 12 anos está sendo assediada por homens mais velhos na internet. E a reportagem posta os comentários, que são muito assustadores. Se eu tivesse uma filha e ela sofresse esse tipo de assédio eu ia ter muito medo de deixá-la sair de casa. 
Me choca ver os homens tratando isso como algo normal, quando na verdade é um absurdo. A falta de bom senso é assustadora. E como diz a reportagem, parte disso vem de como a sociedade tem tratado as mulheres. Eu discordo quando diz que é por causa da infantilização das mulheres. Para mim tem a ver com a adultização das crianças. Motivo? Consumo. Crianças não consomem. Quem consome é o adulto. Tanto que tem um documentário americano que fala sobre isso. Chama-se Consumo de Crianças - A Comercialização da Infância. Nele é mostrado como a mídia tenta adultizar as crianças para que consumam cada vez mais cedo. [Há também este, excelente, brasileiro: Criança, A Alma do Negócio].
Outro ponto que é abordado na reportagem da menina de 12 anos é sobre a idade das modelos, cada vez mais jovens. Você sabe por que as modelos são sempre jovens? Uma mulher modelo começa a carreira por volta dos 10-12 anos e termina aos 16-17 anos. Eu tive uma amiga que foi modelo quando jovem. Ela odiava essa vida e me contava os absurdos que via. Ela me explicou que as modelos são tão jovens porque nessa faixa de idade as meninas ainda não desenvolveram os órgãos internos e conseguem ter uma barriga lisinha. 
A partir de 17-18 anos os órgãos já estão desenvolvidos e isso cria uma leve barriguinha e os agentes não contratam mais por causa disso. Eu acho um absurdo porque acabam colocando meninas de 12-14 anos para fotografarem com homens de 20-25 anos (porque homens só tem o corpo formado e desenvolvido depois dos 18 anos), às vezes em poses sensuais.
Não há um certo conceito por trás de que mulheres novas têm que estar com homens mais velhos e de que a "vida útil" das mulheres é muito curta? Não cria uma ideia que incentiva a cultura do estupro como que justificando os comentário desrespeitosos a todas as mulheres?
Enquanto existir a mídia, que incentiva e enraíza cada vez mais esse comportamento, as crianças vão ser submetidas a comentários cujos autores vêem como normais, por não conseguirem mais enxergar o erro no que dizem.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

DEZ COISAS SOBRE GASLIGHTING COMO TÁTICA DE ABUSO

Como gaslighting é um termo usado há pouco tempo no Brasil, que tem a ver com manipulação, com criar dúvidas na mente da pessoa alvejada para poder controlá-la. É uma maneira comum de culpar a vítima.
Como este artigo de Shea Emma Fett sobre essa tática -- que não deixa de ser uma forma de violência -- é muito completo, pedi a querida Elis para traduzi-lo.
O texto é longo, mas vale a pena. Agora só falta a gente conseguir traduzir o termo pro português.

Gaslighting é a tentativa de uma pessoa de alterar a realidade de outra.
Há chances consideráveis de você saber mais sobre gaslighting do que a maioria dos terapeutas.
E isso é muito triste porque, se você já sofreu gaslighting, será muito difícil se libertar da situação sem ajuda.
Infelizmente, talvez seja necessário se libertar, e eu quero dizer que você não está sozinha.
Vou compartilhar minha experiência. Estas são dez coisas que eu gostaria de ter sabido desde o começo. Vamos fazer isso juntas.
1. Gaslighting não precisa ser algo deliberado
Eu nunca disse isso, vc deve estar ima-
ginando coisas, não foi isso que
aconteceu -- Gaslighting, uma tática
de manipulação usada para negar sua
memória e sentimentos
Lá pela quinta vez que eu telefonei para um grande amigo meu, sem fôlego, perguntando, "Eu sou um monstro?", ele finalmente disse, "Emma, ele está fazendo gaslighting com você.”
O que raios é gaslighting? Eu pensei.
A Wikipedia me disse que a expressão vem de um filme antigo, em que o personagem principal faz mudanças no ambiente e insiste para a vítima que ela está apenas imaginando essas mudanças.
Como é que é? Eu pensei. Meu parceiro não está fazendo isso. Eu não conseguia imaginá-lo tramando e manipulando meu ambiente ou nossas interações para me fazer de louca. Ele é um ser humano que está sofrendo, que eu fico fazendo sofrer. Sou eu, não ele.
Infelizmente, a primeira definição que encontrei não estava correta. Gaslighting não exige uma elaboração deliberada. Gaslighting implica apenas a crença de que é aceitável tentar alterar a realidade da outra pessoa.
O resto simplesmente acontece organicamente quando uma pessoa que tem essa crença se sente ameaçada. Nós aprendemos a controlar e manipular uns aos outros bastante naturalmente.
O que diferencia alguém que pratica gaslighting de alguém que não o faz é o paradigma internalizado de senso de propriedade. E, na minha experiência, identificar esse paradigma é muito mais fácil do que identificar o gaslighting.
Gaslighting tende a acontecer quando a intimidação deixa de ser aceitável.
Eu acredito que o gaslighting está acontecendo, nas esferas cultural e interpessoal, em uma escala sem precedentes, e isso é resultado de uma estrutura social em que fingimos que todos são iguais enquanto tentamos, ao mesmo tempo, preservar a desigualdade.
Podemos ver isso na mídia constantemente.
Por exemplo, sempre que um crime que é obviamente um crime de ódio é retratado como um caso isolado de doença mental, trata-se de gaslighting. A mídia está dizendo que "O que você sabe que é verdade não é verdade".
A violência por parte de um parceiro íntimo não passou a ser vista como um crime sério até os anos 1970. E nós, nos últimos 40 anos, tratamos das crenças que causam a violência por parte de parceiros íntimos? Não.
Mas agora, se você é violento com seu parceiro, você normalmente é considerado uma má pessoa. E o que você faz com todas as crenças que o levariam à violência, se a violência deixou de ser uma opção aceitável?
Você usa manipulação, e usa gaslighting.
2. Manipulação e gaslighting são comportamentos distintos
Talvez seja mais acertado dizer que gaslighting é um tipo de manipulação, mas não o único tipo.
A manipulação normalmente revolve em torno de uma ameaça direta ou indireta cujo objetivo é influenciar o comportamento de outra pessoa. O gaslighting também usa ameaças, mas o objetivo é mudar quem a pessoa é, não apenas seu comportamento.
É importante reconhecer que gaslighting e manipulação comum não são a mesma coisa.
Ambos vão minar sua autoestima, mas o gaslighting, quando eficaz, irá afetar sua confiança em si mesma e sua noção de realidade.
3. Gaslighting nem sempre envolve raiva ou intimidação
O livro The Gaslight Effect se refere a um tipo de gaslighting chamado glamor gaslighting.
Ele acontece quando a pessoa enche você de atenção especial, mas nunca lhe dá o que você realmente precisa. A pessoa coloca você em um pedestal, mas nunca está presente. Na realidade, ela pode ficar irritada com você quando você precisa de apoio.
Fica difícil, depois de algum tempo, identificar por que você se sente tão sozinha e vazia.
Em outro tipo de gaslighting, a pessoa que pratica o gaslighting sempre é transformada na vítima. Sempre que menciona um problema, você se pega se desculpando no final da conversa.
Para mim, essas eram as piores conversas.
Cada relacionamento em que há gaslighting é diferente, mas, para mim, havia um padrão muito específico. Eu falava alguma coisa para ele. Ele tinha uma reação emocional muito forte, muito além do que eu havia previsto. Eu tentava voltar atrás para descobrir o que eu tinha dito errado e como melhorar a situação.
Ele me acusava de incoerência quando eu voltava atrás.
Eu tentava explicar que estava fazendo ajustes para tentar me comunicar melhor com ele porque, claramente, eu estava falhando.
Ele me dizia que a minha incoerência dava a entender que eu estava mentindo.
Eu dizia, "Não, não, eu não estou mentindo. Talvez não esteja me lembrando bem."
"Parece que não posso confiar na sua memória", ele dizia.
Nós nunca voltávamos à questão original. Normalmente eu terminava chorando histericamente.
4. É normal não conseguir se lembrar do que aconteceu
Isto, mais do que qualquer coisa, é algo que eu queria ter sabido na época.
Era um segredo que eu mantinha e que alimentava meu sentimento de culpa e de dúvida anos depois de tê-lo deixado. Eu tinha apagões. Lembro de conversas em que eu começava de pé na cozinha e terminava encolhida no chão.
Dias depois, não conseguia lembrar o que tinha acontecido no meio tempo. Eu não conseguia lembrar nem qual tinha sido o tema da conversa. A pessoa que era abusiva contra mim me acusava de ser abusiva enquanto eu estava com ele -- e depois, publicamente, durante anos.
É um dos motivos pelos quais o deixei -- porque não conseguia entender o que eu estava fazendo ou como consertar as coisas, e não conseguia suportar a ideia de que eu poderia estar sendo abusiva com alguém. Vasculhei minhas memórias, tentando compreender pelo que ele tinha passado. O que é que eu tinha feito.
E eu encontrei algumas coisas em mim que precisavam mudar, como qualquer pessoa que analisar profundamente suas tendências abusivas vai encontrar. Mas não consegui encontrar, na minha memória, o que ele via em mim.
Não encontrei a narcisista. Não encontrei a manipuladora cruel. Não encontrei a destruidora de lares. Mas eu tinha pontos obscuros na minha memória. Completamente apagados. E me perguntava,  "Foi então que aconteceu? Foi ali que eu fui abusiva?"
Perder partes da sua memória deixa tudo muito plausível quando alguém lhe diz que não pode confiar na sua memória. Deixa tudo muito plausível quando a pessoa te diz que você é abusiva.
Mas é normal perder sua memória quando você está sofrendo gaslighting. Na verdade, é um dos sinais aos quais você deve estar atenta. É um bom sinal de que pode ser a hora de ir embora.
5. Há fases diferentes (e essas fases podem continuar após o fim do relacionamento)
Uma pessoa que pratica gaslighting não só precisa estar certa. Ela precisa que você acredite que ela está certa.
Na primeira fase, você sabe que a pessoa está sendo absurda, mas discute assim mesmo.
Vocês discutem por horas, sem chegar a soluções. Vocês discutem sobre coisas que não deviam estar abertas à discussão -– seus sentimentos, suas opiniões, sua experiência com relação ao mundo.
Você discute porque precisa estar certa, precisa ser compreendida ou precisa da aprovação dele.
Na primeira fase, você acredita em si mesma, mas ao mesmo tempo, sem querer, se permite discutir essa crença.
Na segunda fase, você considera primeiro o ponto de vista dele e tenta desesperadamente fazer com ele também veja o seu.
Não deixe que eles te
definam
Você continua discutindo porque tem medo daquilo que a perspectiva que ele tem de você diz sobre quem você é.
Ganhar a discussão agora tem um objetivo:  provar que você ainda é boa, bondosa, tem valor.
Na terceira fase, quando está ferida, você se pergunta, "Qual é o problema comigo?"
Você considera o ponto de vista dele normal. Você começa a perder a capacidade de chegar a suas próprias conclusões. Você fica exaurida tentando compreender a pessoa e ver sua perspectiva. Você vive com e fica obcecada por cada crítica, tentando solucionar seu problema.
Olhando para trás, eu vejo que estava mergulhada na segunda fase quando saí do relacionamento. No entanto, continuei tentando ter uma amizade com ele por meses. Eu procurava resolução, compreensão e perdão.
Por fim, quando passei a não ter nenhum contato, em vez de me curar, eu passei para a terceira fase. Eu não entendia, nem sabia como parar, o gaslighting que eu estava fazendo comigo mesma depois do fim do relacionamento.
Se eu pudesse voltar e me dar um conselho, ele seria não ter contato imediatamente por pelo menos um ano. E talvez seja isso que outras pessoas também precisem fazer.
É muito, muito difícil. É difícil porque ainda pode parecer que a compreensão e a resolução estão logo ali, num futuro próximo. É difícil abrir mão disso.
Mas pense: você não precisa, ainda. Comprometa-se apenas com um ano. Porque ninguém que não é abusivo irá punir você pelo espaço de que você precisa para se sentir curada.
E quando digo "sem contato", quero dizer sem nenhum tipo de contato. Distancie-se dos amigos em comum. Bloqueie a pessoa nas mídias sociais. Peça que seus amigos não lhe deem informações sobre a pessoa a menos que as informações estejam relacionadas diretamente à sua segurança.
Mande para o inferno qualquer pessoa que disser que você está sendo irracional.
Você precisa disso para se curar, e precisa do espaço para parar de fazer gaslighting consigo mesma.
6. Há traços distintos que tornam você mais suscetível a sofrer gaslighting, mas eles também podem ser superpoderes
Há três tendências que podem colocar você em uma relação em que há gaslighting. Essas tendências são a necessidade de estar certa, a necessidade de ser compreendida e a necessidade de aprovação.
Além disso, alguns traços -– como ter empatia, querer cuidar das pessoas, precisar ver seu parceiro de maneira positiva e ser alguém que quer agradar as pessoas -– podem fazer de você alguém mais suscetível.
Mas eu peço que você não tente sufocar essas características, que são maravilhosas.
Você se importa muito com as suas ideias e com as outras pessoas. Você quer compreender e ser compreendida. Você se importa com o efeito que tem sobre outras pessoas e está disposta a mudar para acomodar as pessoas que estão ao seu redor.
E, ironicamente, a pessoa que fez gaslighting com você lhe disse que você é egoísta, cruel e negligente. E, depois, seu terapeuta disse que você precisa parar de se importar tanto porque isso a leva a relações abusivas. O que fazer?
Empatia é importante. É importante para todos nós. Eu fico muito irritada quando as pessoas dizem que minha empatia é uma fraqueza. Minha empatia é um superpoder. Meu desejo e capacidade de ter empatia me mantiveram em um ciclo de abuso, sim. Mas meu desejo de ter empatia não foi o problema.
Um guia à manipulação: gaslighting
é um processo em que informações
falsas são apresentadas de forma a
fazer o alvo  duvidar de sua
memória ou percepção
A capacidade de ouvir críticas e mudar a si mesma para melhorar com base em um feedback também é um puta superpoder. Não deixe ninguém lhe dizer o contrário. Meu problema não foi minha disposição para mudar, e sim minha disposição para mudar pelos motivos errados.
Mudanças devem fazer de você uma pessoa maior. Devem aumentar sua carga de autoestima. Devem fazer de você uma pessoa mais forte, mais clara, mais direcionada, mais diferenciada e mais compassiva.
As dores do crescimento são diferentes das dores da destruição. O crescimento vai encher você de amor e orgulho, mesmo quando é difícil, a destruição vai encher você de vergonha e medo.
Ninguém pode usar vergonha ou medo para obrigar você a mudar. Quando fazem isso com você, as pessoas não estão pedindo mudanças, estão pedindo controle.
7. Você sabe qual é a sua verdade -- sempre soube e sempre vai saber
A pessoa que faz gaslighting não enxerga você.
Você é uma sombra parada no canto, tentando não atrair atenção, enquanto ela enche a imagem que tem de você com amor e atenção. E não importa o quanto a sua imagem esteja confusa, você sabe que isso é verdade.
Você sabe qual é o espaço que ocupa, mesmo que odeie a si mesma por isso. Se olhar para trás, e se olhar para o interior, você vai ver que sempre soube que algo estava errado.
Pode parecer que você perdeu sua essência. Mas ela sempre esteve lá.
O sistema de alarme sempre funcionou. Você apenas aprendeu a parar de ouvi-lo. Você não perdeu tanto quanto acha que perdeu.
8. O final não deve ser um confronto, é um não envolvimento
Algo muito comum que eu vejo no cinema e a literatura é o sobrevivente que confronta o agressor. Ele o confronta anos depois, e nesse momento mostra a si mesmo e ao agressor que não precisa mais ter medo.
Eu busco essa catarse, por que eu tenho medo. Mas nunca poderei lidar com esse medo por meio de um confronto. Só posso lidar com ele por meio da confiança em minha capacidade de definir e aplicar meus próprios limites.
Quando se envolve de qualquer maneira, você diz ao seu agressor e a si mesma que sua realidade é passível de ser debatida.
Sua realidade não é passível de debate.
Se for como eu, você já teve um milhão de conversas em sua cabeça, e essas conversas são o que está te matando. Sua realidade não é passível de debate. Você não precisa ficar ensaiando uma conversa que nunca vai acontecer.
É ridículo quando alguém tenta lhe dizer quem você é, o que você sente, o que pensa, o que pretendia ou pelo que passou. Quando isso acontece, você pode ficar irritada, confusa ou até mesmo preocupada com a pessoa.
Você pode parar, perplexa, e perguntar, "O que levaria você a acreditar que pode saber o que se passa dentro de mim? Você está bem?"
Em vez disso, muitas de nós nos pegamos tentando chegar a um ponto pacífico.
Não, não é isso o que aconteceu, eu não me senti assim, eu não me sinto assim!
E esta é uma resposta razoável -- até certo ponto. Mas se o objetivo da conversa for um intercâmbio de poder, e não um intercâmbio de compreensão, você nunca, jamais, vai ganhar.
Pare de gaslight sua namorada
Eu gostaria de propor que uma solução para se sentir menos suscetível a sofrer gaslighting é aprender a identificar qual é o objetivo de uma conversa.
Uma conversa com um objetivo de compreensão mútua não deve fazer você se sentir com medo, envergonhada, desorientada ou confusa.
Você não precisa desvendar o que a pessoa está fazendo, só precisa entender como está se sentindo. Você só precisa saber identificar quando a compreensão mútua deixar de ser o objetivo, e aprender a parar de se envolver quando isso acontecer.
Tente:
· “Vamos ter que concordar em discordar.”
· “Eu não gosto de como estou me sentindo agora e prefiro terminar essa conversa depois (ou nunca).”
· “O quê?”
· “Você está tentando me dizer qual é a minha experiência, e eu não quero isso.”
· “Não me procure mais.”
“Comunicar, comunicar, comunicar”, certo? “Pode-se resolver qualquer coisa com comunicação suficiente.”
Pode ser um mantra, mas está errado.
É possível resolver muitas coisas com comunicação, desde que o objetivo das duas pessoas seja a compreensão. Mas no momento em que alguém tenta substituir sua experiência, é hora de parar de se comunicar, pelo menos sobre o assunto em questão.
9. É necessário confrontar a ameaça
Cada interação em que há gaslighting acontece sob algum tipo de ameaça. No meu relacionamento, a primeira ameaça era a reprovação, depois a relação é que ficou ameaçada e, por fim, a ameaça passou a ser sobre a vida dele.
Eu não consegui confrontar ou resistir ao gaslighting até que, um por um, confrontei os medos que essas ameaças me causavam.
Eu sofri. Passei uma semana na cama e chorei por tudo o que eu havia dedicado à relação. Uma a uma, tentei romper internamente as amarras que me prendiam às coisas que me faziam sentir presa.
Chorei pela imensa vergonha que senti e tentei criar a força necessária para suportar. Primeiro sofri pela família da qual queria tanto fazer parte. Depois, sofri pela minha relação com ele. Por fim, questionei se era justo ele me fazer sentir responsável pela vida dele. E não foi fácil.
Passaram-se mais seis meses até que o relacionamento acabou. Mas quando eu me dei conta de que não queria mais estar naquele relacionamento, eu já havia confrontado internamente as ameaças que esperavam por mim -- e conforme elas vieram à tona, uma a uma, com força total, eu pus um pé na frente do outro fui embora.
10. Gaslighting pode ser amplificado em famílias, relações não monogâmicas e outros grupos
É difícil ficar firme quando uma pessoa está tentando substituir sua experiência, mas quando a pessoa tem um coro de apoiadores, é quase impossível. Há um motivo pelo qual o abuso perpetrado em cultos pode levar à destruição completa da personalidade de alguém.
A manipulação e o abuso em grupo têm uma eficácia devastadora.
Não consigo explicar de maneira simples o nível de vergonha e medo que um grupo no qual você está profundamente inserido consegue produzir por meio de um ataque organizado. Precisamos ser muito cuidadosos quando fazemos parte desses grupos para não explorarmos esse poder ou, inadvertidamente, facilitarmos o abuso.
Eu sei que há muita vergonha envolvida no fim de um relacionamento, e ninguém quer ser a pessoa ruim. Mas todos nós devemos uns aos outros não tomarmos parte em relacionamentos nos quais a autoestima de qualquer pessoa seja minada.
Não importa de quem é a culpa, e não importa se é justo ou não. Há coisas mais importantes em jogo. Não devemos punir uns aos outros por fazermos as coisas que precisamos fazer para sermos saudáveis.