sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O LADO NEGRO DE QUE FORÇA MESMO?

Não tenho vergonha de confessar que nunca fui fã de “Guerra nas Estrelas”. Embora em 77 eu já fosse uma menina-prodígio de dez anos, eu ainda era isso, uma menina, e sabres de luz não me interessavam. Jedis nunca me disseram nada. Na realidade, celebrar tanto um filme, como vários críticos fazem com “Guerra”, é como adorar uma música de quando a gente era criança ou adolescente: a qualidade do produto em si importa menos que as lembranças que esse produto gera. Ou seja, o filme funciona como pretexto pro pessoal ficar nostálgico da própria infância.

Pra escrever este textículo, fiz minha lição de casa. Entrevistei um amigo de SP, o Maurício Muniz, especialista em quadrinhos e ficção científica. Ele concorda que “Guerra” tenha infantilizado o cinema, mas acha que a responsabilidade não é só do Lucas. “Guerra” seria apenas um dos inúmeros filmes pensados pro público de 12 anos. Pro Maurício, os efeitos especiais foram revolucionários, e, mais ainda, a franquia criou uma venda de bonecos licenciados inédita até então. Porém, meu amigão prefere “Jornadas nas Estrelas” e crê que a primeira trilogia de “Guerra” é muito melhor que a segunda – por não ser totalmente dirigida pelo Lucas. Segundo ele, Lucas é melhor produtor que diretor.

Continuando com a lição de casa, além da entrevista, revi o “Guerra” de três décadas atrás, o que não foi fácil, porque agora o DVD vem como “Episódio IV – Uma Nova Esperança”. O maridão não tinha certeza absoluta que o IV era o antigo I. Colocamos o DVD pra tocar, e o maridão dizia, triunfante: “Olha só, é a mesma música do de 77!”. E eu: “Todos os seis têm a mesma música!”. Ele continuava clamando que eram os mesmos letreiros, e eu insistindo que os letreiros eram sempre iguais. Até que ele se cansou: “Então, meu anjo? Se o filme de 77 é igual aos que vieram depois, qual a diferença em ver qualquer um deles?”.

Enfim, juro que tentei rever “Guerra”. E agora compreendo mais do que antes por que o Han Solo virou símbolo sexual (o Harrison Ford jovem era tudo). E sigo achando estranho que a princesa Lea seja a única mulher da galáxia. Mas toda vez que aparecem os robôs eu caio num sono profundo. Eles funcionam como medicamentos élficos pra mim. Podiam mandar o R2-D2 e o C-3PO pro espaço. Aliás, não é por nada não, mas HAL é que era computador de verdade. Provavelmente, não existiria “Guerra” se não fosse por “2001, Uma Odisséia no Espaço”. E talvez não existiria “Piratas do Caribe” se não fosse por “Guerra”.

CRÍTICA: MOTOQUEIRO FANTASMA / Motoboy fantasma

Pelos trailers de “O Motoqueiro Fantasma”, esperava uma sessão de tortura lenta. Agora tenho até vergonha de dizer em voz alta que o filminho é ótimo passatempo. Tá, claro que é baseado numa história em quadrinhos classe B (ou C). Os de Classe A incluem “Homem-Aranha”, “Superman”, “Batman”, quiçá “X-Men”. Acho que o personagem fantasmagórico da Marvel não tem muito prestígio. Então (tô chutando) ninguém esperava uma grande adaptação pro cinema. A começar pelo Nicolas Cage, que – dizem as más línguas – é tão fã dos quadrinhos que tem uma caveira pegando fogo tatuada em alguma parte do seu corpo. Caveira com foguinho, entenda, é a marca registrada do “Motoqueiro”. Como eu não conhecia a trama direito, demorei até entender por que tinha que ser motoqueiro-fantasma, e não, sei lá, pra ficar nos esportes, enxadrista-fantasma ou futebolista-fantasma. É que o sujeito é, no fundo, uma espécie de motoboy-fantasma, desses que coletam almas perdidas e filhos rebeldes e os entregam ao demo.

Logo no início da aventura, depois de conhecermos os personagens na juventude (principalmente o motoqueiro e sua namoradinha), o Nicolas Cage recebe a visita de uma “velha amiga”. O filme faz questão de mostrar a Eva Mendes (de “Hitch – Conselheiro Amoroso) e, em seguida, inserir uma imagem da atriz que fez a namorada jovem. Sussurrei pro maridão, “Tô me sentindo uma retardada”. Vejamos: o motoqueiro teve inúmeras amigas na sua adolescência, ou apenas uma? A gente podia confundir a Eva exatamente com quem, uma moto?

Depois dessa derrapada violenta o filminho melhora. Pelo menos ele definitivamente não se leva a sério, e esse é o seu maior trunfo. Quando o Nicolas (parecendo um Clive Owen com muito menos charme) diz “Vamos rodar” no trailer, parece que ele é pior ator do mundo e suas redondezas. Mas no filme a canastrice dele faz total sentido. Ele sabe que não tá interpretando Hamlet. Outro que encarna bem o espírito trash é o Wes Bentley (o vizinho/ traficante/videomaker de “Beleza Americana”). Como ele é bonito demais pra fazer papel de bonzinho, tá ideal como o filho do Coisa Ruim. Aliás, o que ele tem feito de 99 pra cá? Nada? Hibernado?

E eu tô tão decadente que nem reconheci o Peter Fonda (que faz Satanás). Ele é filho do Henry, irmão da Jane, pai da Bridget, e também conhecido como aquele de “Easy Riders – Sem Destino”. Não é à toa que ele e o Sam Elliot estejam no filme. Ambos fizeram vários papéis de motoqueiros. Deve ser uma homenagem. Inclusive, volta e meia um personagem pergunta pra outro: “O que você tá fazendo aqui?”, o que ressona nos ouvidos do espectador. O Nicolas responde essa pergunta difícil com um “Eu tenho um contrato...” Essas piadinhas internas são uma graça. Adorei também a cena em que o Nicolas explica pra Eva porque furou o jantar. “Ahn, é que eu vendi minha alma pro diabo, e agora trabalho pra ele”. Eu não conseguia parar de rir.

E gostei de quando o rapaz pergunta ao demo o que ele quer em troca pela cura do pai, e o Peter passa os olhos pela garagem cheia de bugigangas antes de dizer: “Sua alma, pode ser?”. E de quando o Sam pede pro Nicolas esterilizar alguma coisa, e o Nic se prepara pra incendiar o troço, antes de ser avisado que seus superpoderes não funcionam assim. Tá, não é uma obra-prima, mas compara com a versão horrenda que fizeram pro “Demolidor”. Oops, acabei de descobrir que é do mesmo diretor.

Só espero que toda essa propaganda de motos envenenadas não faça com que o pessoal que anda de moto tente imitar os dublês do filme. Porque uma coisa é cinema, outra é a realidade, e eu já vejo acidentes de moto demais todo dia. Taí algo que não precisa de mais incentivo. Agora, por mais que eu tenha gostado da aventura, quer saber se estou louca pra ver a seqüência? Digamos que eu prefira fazer pacto com o demo. Se bem que vou negociar minha alma em troca de algo melhor: Sata, se estrear por aqui qualquer outra coisa que me permita pular “Norbit”, pode me colocar em cima de uma moto e transformar minha caveira num fogaréu. Sou toda sua.

P.S.: Tem quem ache que minha alma já tem dono. Outro dia uma leitora irada escreveu rebatendo uma crítica minha em que eu dizia que felizmente não sou religiosa, logo jamais serei possuída. Segundo essa leitora, Satanás possui alguém pra incomodar, e ele não teria o que fazer com almas que já lhe pertencem. Bom, a alma do motoqueiro é de propriedade particular do demo há décadas, e mesmo assim o Príncipe das Trevas acompanha a carreira do pobre-coitado com afinco. Não é lindo rebater fanatismo religioso com sabedoria de histórias em quadrinhos?

CRÍTICA: MOTOQUEIROS SELVAGENS / Porcos mais engraçados que selvagens

Motoqueiros Selvagens” é uma comédia beneficiada por ser o único filme passando em Joinville fora “Homem Aranha 3” (talvez tivesse algum Tartarugas Ninjas na jogada). Imagine a cena: a galera chega ao cinema pra prestigiar o aracnídeo e tá tudo lotado. Acaba vendo o dos velhinhos motociclistas. Tá, não são tão velhinhos. Não é bem “Cowboys do Espaço” ou “Cocoon”, mas já já o quarteto composto por John Travolta, William H. Macy, Tim Allen e Martin Lawrence chega lá. E também não é que esta comédia acéfala seja tão última opção assim. Afinal, três dos quatro componentes do elenco são astrosi. Do Travolta nem preciso falar. E só porque você, como eu, teve a sorte grande de escapar do maior sucesso do Tim, “Santa Clause”, e do Martin, “Vovó...Zona”, não faz deles menos famosos. Os críticos americanos deram nota média de 27 em 100 para “Motoqueiros”, mas o público ignorou e lotou as salas. Acredite se quiser, o troço fez 40 milhões de dólares no fim de semana de estréia. Se você me perguntar se eu iria ver esse filme se houvesse praticamente qualquer outra coisa passando, tirando “Norbit” e “Mr. Bean”, eu diria que não. Mas agora que já vi, e o estrago já foi feito à minha frágil mente, devo dizer que me diverti.

Esta baboseira escapista trata de quatro amigos de meia idade cansados de suas vidinhas que pegam suas motos e vão andar por aí sem destino e, óbvio, se metem em enrascadas com motoqueiros barra pesada. Menos piadinhas escatológicas viriam a calhar. Deve ser por isso que eles se chamam porcos selvagens no título original. É meio estranho que uma história com quarentões seja usada pra atrair espectadores de dez anos. Ou homens de meia idade gostam do mesmo humor infantil? De minha parte gostei do pessoal empurrando motos no meio do deserto e do urubu indo na cola. E também do Travolta vendo o bar explodir pelo espelhinho retrovisor e de todas as caretas que ele faz depois disso. Aliás, desde “Pulp Fiction”, parece que todo projeto com o Travolta envolve seu personagem dançando ou ensinando alguém a dançar. Já passou da hora de outro “Pulp” pra ressuscitar a carreira dele.

No começo de “Motoqueiros” há um grande pânico homofóbico (inclusive com uma referência a “Amargo Pesadelo”)ii. Todo santo filme com amiguinhos de infância que deixam suas mulheres de lado pra curtir uma aventura tipicamente masculina tem medo da homossexualidade. Precisam provar que a amizade que eles têm é coisa de homem. Mas pouco a pouco a homofobia se dissolve e “Motoqueiros” parte pra algumas cenas menos previsíveis. Por exemplo, a gente observa montes de insetos estourando na cara deles, já que esses fãs de roupa de couro não são muito afeitos a capacetes. O Travolta vê seus amigos de cara suja e ri com a boca aberta. A gente tem certeza que ele vai engolir algum inseto nojento, mas não. É um pássaro que se choca com ele.iii E sou só eu que penso que seria mais fácil pra todo mundo se as motos tivessem rodinhas laterais, sabe, que nem bicicleta pra criança? Pelo menos o William H. Macy não cairia tanto.

O filme fica embaraçosamente ruim, até trava, na cena em que o grande William diz pra Marisa Tomei que é um “geek” (traduziram pra infomaníaco; tá mais pra nerd), e a atriz tida como o momento mais esquizo da história do Oscar (quando ela ganhou uma estatueta por “Meu Primo Vinny”) responde que não, que ele é uma pessoa sensível, única e especial. Nesse instante o roteiro não tava falando com o William, mas com todos os sujeitos de meia idade que lotam feiras de pornografia nos EUA e aparecem fantasiados em convenções de Jedis. Meu ódio cresceu, mas foi apaziguado pela aparição-surpresa do Peter Fonda logo em seguida. “Motoqueiros” é tão trash que quase chega a ser bonitinho. Se eu me lembrasse do filme no futuro, até poderia me envergonhar por ter rido em várias cenas. Mas esta comédia vai ficar na memória tanto quanto “City Slickers” (“Amigos, Sempre Amigos”), sua clara inspiração. Só se a carreira do Travolta continuar sem destino é que vamos ouvir alguém dizer “Puxa, que saudades de ‘Motoqueiros’!”. Será ele mesmo.


i Dos quatro o que mais se destaca é interpretado por William H. Macy. Por pouco William não abocanhou um Oscar de coadjuvante em 1997 por sua performance no fantástico “Fargo”, dos irmãos Coen. O marido da Felicity Huffman, de “Desperate Housewives”, é especializado em papéis esquisitões, como o de “Boogie Nights – Prazer sem Limites” (1997). “Boogie” é ótimo até o seu terço final. Depois fica sério e trágico demais e perde seu ritmo. Mas ainda assim o épico de Paul Thomas Anderson sobre a indústria pornô americana é muito bom. E eu poderia seguir fazendo mil e uma conexões para evitar falar de “Motoqueiros”.


ii Deixe-me interromper para um serviço de utilidade pública, pra que se você comparecer a “Motoqueiros”, possa rir com a piadinha amarga. “Amargo” é um drama da década de 70 lembrado pelo célebre duelo de banjos e muito mais conhecido por conter uma cena de estupro masculino. É o mesmo roteiro, versão terrível: um grupo de homens sai pra viajar e se dá mal.


iii Por falar em insetos nojentos, já falei que esta semana comi um chocolate inteiro, e só depois vi que havia uma minhoquinha rosa, viva, no papel? Acho que essa foi a única sobrevivente de uma grande família de minhoquinhas.

CRÍTICA: SHREK 3 / Bicho verde pra criança

É, com quase todas as salas do Brasil passando arrasa-quarteirões infantis com o número três no título, não consegui escapar de “Shrek Terceiro”. A sessão que eu fui era noturna, e ainda assim tava cheia de criança sobrando na poltrona. Perguntei pro maridão como ele se sentia vendo um filme pensado pra pessoas quarenta anos mais novas que ele, e ele respondeu: “Me sinto bem, desde que ninguém me reconheça aqui...”. Pois é, o problema principal é que isso não é pra gente. Eu posso até compartilhar algumas risadas com alguém de 4 aninhos, mas suponho que eu tenha interesses diferentes, inclusive um senso de humor diferente. Esses filmes claramente agradam seu público-alvo.i O que me aborrece é que a) não haja opções, já que todas as salas exibem a mesma coisa; e b) os críticos adultos elogiem uma dessas atrações só porque não sentiram vontade de esmurrar a tela. Aturar não é igual a adorar, é? Parto do princípio que o máximo que um adulto pode sentir por esses produtos infantis é tolerância. “Shrek” não vai se tornar o filme de cabeceira de um adulto, a menos que seu gosto esteja tão infantilizado após anos e anos do mesmo tipo de cinema que ele pode vestir uma camiseta escrito “Hollywood, você conseguiu!”.

Eu devo ter sido a única no planeta a achar o primeiro “Shrek” insuportável. É que não agüentei ver um monte de mesmice tratada como se fosse algo inovador. O segundo eu não vi no cinema, felizmente, mas vi agora em DVD, até porque queria entender quem era a mulher-homem que faz companhia às princesas (acho, não tenho certeza, que é a irmã feia de alguma delas) e como o rei vira sapo. Dormi em certas partes do segundo, e me pareceu que o ogro verde deu lugar a um humano durante todo o desenho, mas gostei do Antonio Banderas como o Gato de Botas. Agora, com “Shrek 3º”, as expectativas são muito mais baixas, e ninguém em sã consciência ousa pôr a animação e a palavra “criativa” na mesma frase. Então me permiti aturar melhor o filme.

A história, escrita por oito (!) roteiristas, é idêntica à formula usada pelos seriados cômicos: no primeiro episódio os pombinhos se conhecem, no segundo se casam, no terceiro tem filhos. E no quarto o ogro, cansado, começa a se engraçar por outras saias. Mas sempre volta pra saia original (a separação só ocorre no sexto episódio, sem ser definitiva). Pelo menos em “Shrek 3º” a trama é simples.ii Tem uma mensagem fofinha contra os “bullies”, os valentões que atormentam seus colegas nas escolas de países ricos.iii A mensagem em si é um pouco ambígua, porque não condena abertamente os malvadões, só explica pra vítima que o essencial é não se deixar afetar. Ainda assim há um recado direto pros valentões: ninguém precisa ser vilão o tempo todo. De todas essas lições de moral, só não gostei do elogio à monarquia. Tá certo que o Shrek acha mais importante ser pai do que ser rei, mas mesmo assim reis são louvados. A monarquia é ótima, desde que o rei seja bonzinho. Se eu tivesse filho, não sei se gostaria que ele crescesse ouvindo que hierarquia e poder absoluto são ótimas pedidas.iv

Há várias piadinhas legais. Gostei daquela em que alguém diz “o maior culpado é você”, apontando pra um pobre coitado; todos gritam “Pega ele!” e tem início um linchamento. As primeiras três das 25 mortes do Rei Sapo são gracinhas. E é bacana que as mulheres resolvam a situação e queimem sutiãs.v Gostei do “Just Say Nay”, que o pessoal daqui nem tentou traduzir.vi E a cara do gato é tudo (se bem que quem tem gato de verdade já tá acostumado). A adolescente do meu lado adorou, e gritava “Muito massa!” a cada aparição do gato, principalmente quando ele dança e canta rap. Já a criançada vibrou mais com os puns no fim. Quem diria, hein, que adolescentes e crianças de quatro anos têm tanto em comum?... E pro pessoal mais crescidinho, o que sobra?vii

i Por exemplo, um amiguinho meu de 9 anos adorou “Piratas do Caribe 3”, e o coloca no topo da lista dos melhores que ele já viu. Ele só não gostou dos beijos. Contou seis cenas de beijo, e nessa idade isso é insuportável.

ii Não vou narrar a trama aqui, porque qualquer um que viu o trailer já tá cansado de saber. Além disso, trama?! Isso importa num desenho?

iii Certamente existem “bullies” aqui também, mas acho que não é um problema tão sério como em outros lugares. Ou é?

iv Meu comentário favorito envolvendo morais e bons costumes vem de um site cristão: “o longa-metragem tem momentos de flatulências e outros gases, mas nada que incomode profundamente uma boa família cristã”. Fora, incômodos profundos!

v Depois elas voltam a sua condição “normal”, claro, que não é governar, mas ser lindas e cuidar da prole. Aliás, notou como o Shrek pode ser gorducho e feio que é engraçado? Já a Fiona tá mais magra do que nunca, mesmo agora que ela está grávida de, o quê, sêxtuplos? Perdi a conta.

vi Eu também não sei como traduzir: “Apenas diga não”, talvez. O chiste tá em “nay” ser inglês antigo. Mas “just say nay” soa bem melhor que “just say no”. Até rima!

vii Só porque eu mais ou menos gostei do desenho não quer dizer que eu queira ver “Shrek” 4, 5, 6, e sabe-se lá quantos vierem pela frente.

CLÁSSICOS: PIERROT LE FOU / O que ver nos EUA? Um clássico francês

Fui ao cinema ver um filme de 42 anos de idade: “Pierrot Le Fou”, de Jean-Luc Godard (acho que teve alguma época no Brasil em que levou o título de “O Demônio das Onze Horas”, mas não consigo imaginar por que). Vi “Pierrot” por livre e espontânea vontade e também por total falta de opções. Era isso ou “Bratz”, “Desbravadores” ou “Stardust”. Única grande estréia da semana aqui nos EUA? Uma refilmagem pouco convidativa de “Antes Só do que Mal Casado”. Se for comparar qualquer filme da Nouvelle Vague com a maior parte da produção atual de Hollywood, chego à conclusão que as produções devem ser de outra galáxia. Não são do mesmo meio, nem pertencem à mesma arte. Godard, que foi eleito o 31o melhor diretor da história por uma revista de entretenimento dos EUA (dependendo da fonte essa posição sobe bastante), disse certa vez: “Houve um tempo em que talvez o cinema podia melhorar a sociedade. Esse tempo se perdeu”. “Pierrot Le Fou” (algo como Pierrô, O Louco) certamente é desse tempo (1965, pra você não precisar fazer contas).

“Pierrot” tem uma história, não muito linear, mas tem: um executivo de TV deixa pra trás seu cotidiano burguês pra viver uma paixão com uma mulher envolvida com o crime. No meio do caminho o casal rouba e mata. Se a trama lembra o magnífico “Bonnie & Clyde, Uma Rajada de Balas” (1967), é porque Godard se inspirou no roteiro do filme do Arthur Penn. Mas o roteiro, pro Godard, é apenas o ponto de partida pra várias improvisações (bom, pra mim “Bonnie” é muito mais marcante que qualquer coisa do Godard, mas eu sou daquelas pra quem o cinema americano dos anos 70 é mais importante que Fellini, Bergman, Glauber Rocha e Godard – juntos. Pra mim o período dourado do cinema foi a década de 70 nos EUA. Eu me sentia mal por pensar assim, até descobrir que minha ídola Pauline Kael também achava isso).

“Pierrot” tá repleto de metalinguagem. O casal de protagonistas – interpretados por Jean-Paul Belmondo e Anna Karina, ambos lindos de morrer – ou fala com a câmera ou faz um take depois do outro, sem cortes. Ficamos sabendo o nome de uma pessoa sem nada a ver com a história e sua profissão – figurante de cinema. E, numa festa, o diretor americano Samuel Fuller (de “Cão Branco”) discursa que cinema é “amor, ódio, violência e morte: emoção”. É bacana como a trilha sonora se interrompe, e volta nos momentos mais dramáticos. E é ótimo que a gente veja logo no início a personagem da Anna derrubando um frentista com um peteleco porque, quando ela aparecer com outra roupa, sem que tenha se trocado, a gente vai saber que está num filme com regras próprias, em que continuidade não vale nada.

Além das referências ao cinema, o filme traz inúmeras alusões a tudo e a todos, desde à Guerra do Vietnã ao assassinato do Kennedy. O teórico Fredric Jameson disse que “Pierrot” pode ter sido o primeiro exemplar pós-modernista do cinema. Faz sentido, porque o filme mistura a cultura de elite (Renoir, Velásquez, Joyce) com a baixa cultura (quadrinhos, música pop, o Gordo e o Magro), uma das marcas do pós-modernismo. E não dá pra negar que “Pierrot” continua atual e influenciando gente. Identifiquei pelo menos dois instantes em que a Uma Thurman em “Pulp Fiction” imita a Anna (um deles é quando ambas estão com a cara sangrando). Tarantino deve ser um grande fã, já que na parte dirigida por ele em “Sin City”, as luzes coloridas do Godard iluminando o carro também estão lá.

A maior qualidade de “Pierrot” é seu humor. Isso torna o filme leve e desnorteia o clima existencial/pretensioso causado por um dos personagens, que gosta de recitar poesias e escrever em seu diário. Eu, como a Anna, prefiro o Belmondo imitando um cowboy e atirando numa vietnamita, pra entreter um soldado americano e descolar uma grana. Vi o filme num museu de arte, cercada por americanos, e a maior parte ria das gozações godardianas contra os EUA. Mas liga a televisão na Fox daqui pra ver o que eles pensam de quem critica americano e de quem é francês...


Coisas que não cabem no texto mas eu quero dizer

- Impressionante como a moda se apropriou do termo “alta cultura”. “High culture” em inglês é comum, mas em português a gente tem que traduzir o termo pra “cultura de elite” ou “cultura elevada”. Bizarro.

- Na festa do começo de “Pierrot” os convidados discursam como se fossem um comercial ambulante. Nesse instante o filme pareceu datado (a festa lembra as orgias de “Blow Up – Depois Daquele Beijo”) e ao mesmo tempo muito atual. Hoje há empresas que pagam gente pra narrar comerciais em festas, pra se tatuar com logomarcas...

- Numa hora a Anna se olha no espelho e vê o rosto de uma mulher junto a um homem prestes a se jogar de um precipício a 100 km por hora. Olhei pro maridão e me identifiquei com ela, bien sur. Talvez tirando a parte dos 100 km por hora.

- Noutro momento fiquei preocupadíssima com uns bichinhos. Tá, talvez o pessoal não tivesse essas inquietações na época, mas no filme tem uma arara e uma raposa, ou será um cachorrinho, e eles ficam amarrados. Nada pior pra animais do que serem bichinhos de estimação de um casal narcisista em crise existencial. Porque a gente sabe que o casal vai viajar por aí e abandonar os coitadinhos, sem nem sequer soltar a corda. Passei o resto de “Pierrot” pensando na raposa...

- “Pierrot” faz entender por que os melodramas hollywoodianos adoram pintar uma paixão eterna como algo que dura alguns dias, e de preferência em que um dos dois pombinhos morra antes que os dois comecem a se odiar. A Anna quer ir pra Las Vegas. O Belmondo, pra Florença. Não tem como o relacionamento dar certo. Melhor morrer mesmo.

- Um diálogo no final não tem relação com o resto, mas é divertido. Um homem conta e canta sua vida amorosa. O quê, eu não mencionei que “Pierrot” tem números musicais? Pois tem.

- O último filme que vi do Godard antes deste foi o polêmico “Je Vous Salue, Marie”, de 85, se não contar um episódio de “Aria”. Vi por causa do escândalo que a Igreja Católica fez em cima, e gostei. Truffaut é muito mais acessível. Faça o favor de ver pelo menos “A Noite Americana”.

CRÍTICA: VITUS / O trágico destino dos avôs

Aqui em Detroit estou ficando a dois quarteirões de um museu de arte que tem um super cinema, também de arte. Como imagino que nunca mais na vida eu more do lado de um cinema, estou tentando aproveitar. Ontem fui ver “Vitus”, um filme suíço que passou na Mostra Internacional de Cinema de SP ano passado e que fez tudo pra ser o indicado suíço pro Oscar, e não conseguiu. Mas o filme é uma gracinha. Imagino que dê pra vê-lo em DVD.

“Vitus” é o nome de um menino prodígio e mini-gênio que aos seis anos já aprendeu a tocar piano sozinho, lê enciclopédias, e tem um QI tão alto que é impossível de calcular. Tá, sei o que você tá pensando: mais uma comédia dramática com menininhos como protagonistas, meus sais. Ainda mais um filme em que o protagonista tem um avô amoroso. A gente sabe, desde o início, que o avô amoroso tá condenado à morte. Ser avô em filme com criança como personagem central é como ser ser namorado da Jodie Foster: a expectativa de vida não é das mais longas. O maridão insiste que ser namorado da Jodie Foster é pior, porque nesses casos o cara morre logo no começo. Avôs vivem mais. O avô em “Vitus” é ninguém menos que o Bruno Ganz, de “Asas do Desejo” e “A Queda”, mas ter pedigree cinematográfico não salva ninguém da forca, vide o Alan Arkin em “Little Miss Sunshine”.

Tenho certeza absoluta que se eu e o maridão tivéssemos um filho ele seria um gênio, já que metade de seu DNA viria de uma pessoa extremamente inteligente. Quanto ao restante da sua herança genética, no mínimo ele viria a ser um ótimo jogador de xadrez. Em “Vitus” o xadrez tem bastante destaque, e eu reconheço que me identifiquei com a mãe do guri. Ela até pode ser ultra-ambiciosa por querer se dedicar exclusivamente ao talento do seu pimpolho, mas quais pais não fariam o mesmo? Não me venham com aquela ladainha do final do adorável “Parenthood – O Tiro que não Saiu pela Culatra”, em que o Rick Moranis desiste de educar sua filhinha pra ser gênia, e se rende a brincar com antenas e fazê-la rir. Ok, o pai nota que mais vale sua criança estar integrada do que ser um crânio, mas não parece um grande potencial sendo jogado fora? Vitus também quer ser normal, tadinho. Eu fecho com a mãe monstruosa.

O filme é leve e fofo até a metade. Aí o maridão diz que o diretor Fredi Murer deve ter sido acometido por uma febre de “Quer saber?...”. Então ele transforma a história numa total fantasia infantil, em que um garoto de 12 anos pode ter o seu próprio apartamento, comprar o que quiser, e tentar conquistar uma adolescente sete anos mais velha (sempre adotei esse discurso de que é ridículo homens se casarem com mulheres mais jovens. Deveria ser o contrário, já que o prazo de validade masculino é bem menor, e o pico sexual dos sexos não coincide. Isso tá no filme. É, inclusive, a última cena legal de “Vitus”, que se perde depois). O filme é uma das melhores propagandas da bolsa de valores que já vi. Lá pelas tantas o garoto explica pro seu amigo que o mercado de ações é fantástico, já que se pode ganhar mil por cento, mas só se pode perder cem por cento.

Pra quem é professor, como eu e o maridão, a comédia reserva algumas discussões interessantes. Vitus tem pelo menos dois confrontos com professores, ambos fascinantes. Numa dessas discussões o menino-gênio aponta que é normal os professores saberem mais que seus pupilos, e pergunta se sua mestra sabe quem inventou a máquina a vapor. Como a mestra é suíça, ela sabe e revela pra classe, ao que Vitus emenda: “Se você como professora é tão capaz, por que não inventou a máquina você mesma?”. É uma velha acusação contra uma classe que já ganha mal (“Those who can, do; those who can’t, teach” – algo como “os que podem fazer, fazem; os que não podem, ensinam”), mas de algum jeito fica bonitinha no clima do filme. Eu ri, chorei, e me senti plenamente manipulada no final à la “Shine – Brilhante”. Fazer o quê? Essas tramas são irresistíveis. O útimo programa com protagonista infantil de que gostei tanto foi “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”. Tinha avô?

O MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA

Depois que um fã me parou na rua e perguntou “Você é a Lola?” (e eu não respondi “depende”, como em outras ocasiões), depois que duas comunidades em minha homenagem estão bombando no orkut (uma com trinta membros!), eu ando impossível. Meu ego está dando cambalhotas no ar. E se continuar assim quase consigo esquecer que não ganho um bolão do Oscar há três anos. Quase. Você conhece meu ponto de vista: participar de um bolão é o único jeito de agüentar aquela festinha chata. Mas ganhar o bolão de vez em quando até que pegaria bem, né?

Não que a cerimônia deste ano tenha sido insuportável. A Ellen DeGeneres se saiu bem. Gostei dela pedindo pro Spielberg tirar uma foto do Clint Eastwood, por exemplo. Ser apresentador do Oscar não é um trabalho fácil. Alguém se lembra do vexame que foi o David Letterman? E só aqueles dançarinos nas sombras já valeram a pena. E os números musicais, geralmente a pior tortura da noite, foram mais sucintos (pelo menos juntaram as três canções indicadas de “Dreamgirls” em uma). Claro que eu podia viver sem ver a Celine Dion homenageando o Enio Morricone. Imagino que o Enio pense, nessas horas, “O que estão fazendo com uma trilha que compus com tanto carinho?”. Mas o maior problema é que não houve discursos polêmicos. Nada pra ficar na memória.

Talvez tivesse sido diferente se “Pequena Miss Sunshine” levasse pra casa o prêmio de melhor filme. Havia uma estatística interessante contra a comédia: em 78 anos de Academia, só nove filmes levaram o Oscar principal sem terem sido indicados à melhor montagem. Pior ainda: só um filme na história ganhou sem ter sido nomeado na direção (“Conduzindo Miss Daisy”, em 89). Mas eu achei que, por ter sido o filme mais querido dos cinco, o único que eleva o espírito, daria pra quebrar esse tabu. Não deu. No entanto, se é pra confiar em estatística, teve alguma outra vez que uma refilmagem leva a estatueta?! Por mais que eu goste de “Infiltrados”, soa estranho que ninguém nos discursos de agradecimento diga “Valeu, chineses!”. Quero dizer, não vi o original, mas tem quem jure que várias cenas são idênticas.

Não que eu esteja reclamando da vitória do Martin Scorsese pra melhor diretor. Aliás, não foi só no auditório que o cara descolou um standing ovation (sabe, quando todo mundo se levanta pra bater palmas?). Na sala dos jornalistas também. Depois de 26 longos anos, o homem vai poder decorar sua lareira com uma estatueta.

Mas cadê o elemento surpresa? Deve ser pela falta disso que muita gente boa vive fazendo campanha pra que a Academia divulgue os segundos e terceiros colocados em cada categoria, e o número de votos de cada um. Seria muito mais emocionante. A Helen Mirren ganhou melhor atriz de lavada? O Forest Whitaker ficou quantos votos na frente do Peter O’Toole? Do jeito que foi, as maiores zebras ficaram com o “Labirinto do Fauno” ter perdido melhor filme estrangeiro pro alemão “A Vida dos Outros”. E “Maria Antonieta” levar figurino. Pô, qualquer produção que retrate o século 18 usa essas mesmas roupas! Pra animação, “Carros” era o vencedor esperado (sabe-se lá porquê), e ganhou “Happy Feet – O Pingüim”, assim como pra ator coadjuvante o Eddie Murphy tinha um leve favoritismo, e ganhou o Alan Arkin. Mas o que mais me espantou foi “Babel” levar trilha sonora. O compositor argentino havia sido agraciado com o mesmo prêmio no ano passado, por “Brokeback Mountain”. Só depois descobri que as fichas vão pros votantes só com o nome do filme, não do compositor, fotógrafo, figurinista... Taí a explicação. Ninguém sabia que tava repetindo a dose.

Aposto como a categoria mais disputada mesmo acabou sendo a de melhor filme. Tenho certeza que “Infiltrados”, “Babel” e “Miss” estiveram próximos. Alguns dias antes da cerimônia, li uma entrevista do Damien Bona, co-autor do melhor livro sobre os prêmios da Academia que conheço, “Inside Oscar”. Ele dizia que essa indefinição pra melhor filme era rara, e a última vez que havia ocorrido tamanha falta de favoritismo foi em 91, quando concorreram, embaralhados, “Silêncio dos Inocentes”, “Bugsy” e “A Bela e a Fera”. “Silêncio” seria o “Infiltrados” de hoje: sucesso de bilheteria, elogiado pelos críticos, mas sem perfil de Oscarizável (convenhamos, não é todo dia que um filme que mostra um canibal comendo a língua de alguém ou um psicopata imitando um rato ganha o Oscar). “Bugsy” seria “Babel” (havia levado o Globo de Ouro). E “A Bela e a Fera” seria “Miss”: um filme querido, legal, mas que, segundo ele, se ganhasse, todo mundo iria dizer, dez ou vinte anos depois: "O que a Academia tava pensando quando premiou esse filminho?". Como fizeram com "O Maior Espetáculo da Terra"... Não concordo muito com essa análise, já que sigo achando “Miss” o melhor dos cinco, e sem dúvida um dos grandes do ano.

Mas enfim, como disse um comentarista americano sobre a inutilidade de se chorar sobre o leite derramado, se minha tia tivesse testículos, seria meu tio.


P.S.: Agradeço a todos que xingaram a Globo por mim, por atrasar a transmissão em meia hora. Vamos entender o lado da poderosa emissora: sabemos que não há nada mais importante no mundo que Alemão e companhia jogando mini-golfe. Só que o Oscar é uma vez por ano; BBB é todo dia durante vários meses. O Oscar tem um público calculado em um bilhão de pessoas. E se a Globo não quer passar, pára de comprar transmissão com exclusividade! Vai tomar banho! A culpa não é do Big Bother. A Globo é sempre assim. Lembro do início dos anos 90, quando a emissora adiou o começo da transmissão pra não cortar a reprise de “Beetlejuice”. Tava dublado, e a gente só ouvia "Besouro suco, besouro suco", e se controlava pra não jogar a TV pela janela. Olha, se houver uma hecatombe nuclear, de uma coisa a gente pode ter certeza: a Globo não vai mudar sua programação pra passar o fim do mundo.


quinta-feira, 29 de novembro de 2007

DIA DE COMPRAR TUDO

Não é que essa aberração tem nome? Turducken!

Toda quarta quinta-feira de novembro tem um dos feriados mais tradicionais dos EUA, o Thanksgiving, Dia de Ação de Graças. Parece que o dia anterior é o pior dia pra se viajar por aqui, já que todo mundo vai passar a festa com a família. 
Milhões de pobres perus são devorados, e um americano me contou uma história de horror: às vezes o pessoal coloca, dentro do peru, um pato inteiro, e dentro desse pato, um frango. Os detalhes grotescos de como eles fazem isso eu não quis saber, mas deve ser um espetáculo degradante. Bom, o Thanksgiving passou em brancas nuvens pra mim e pro maridão, porque fomos ao cinema e perdemos os desfiles. O que chamou nossa atenção foi o dia seguinte, apelidado de Black Friday.
Essa é uma das datas mais movimentadas do comércio ianque. As lojas abrem às 5 da manhã, e as filas dão voltas no quarteirão. Tem gente que chega às 9 da noite anterior e enfrenta um gelo de 3 graus negativos só pra ser o primeirão da fila e poder aproveitar as grandes ofertas. As lojas são sacanas. Elas anunciam um laptop que normalmente custa mil dólares por meros 400, mas não divulgam quantos desses há disponíveis (menos de quinze, pelo que me contaram). Quando as portas abrem, as pessoas correm, se atropelam, se acotovelam, derrubam prateleiras, essas coisas. 
Uns amigos nos levaram pra conhecer essa febre consumista. Chegamos às cinco da matina, ou seja, sem chance de abocanhar um laptop por 400 dólares. Ainda assim a fila era imensa – pense numa fila do INSS e multiplique por cinco, pra ter uma ideia. E o frio tava de matar. Como seguranças na porta controlavam quantos indivíduos podiam entrar de cada vez, não houve tumulto. Compramos um estojinho com 50 dvds virgens por 4 dólares, um pente de memória de 1 GB pro computador por 15, e uma mini-câmera de vídeo, dessas pra colocar em cima do monitor, por 10. Mas esses dois últimos itens foram bem suspeitos. Na realidade, tivemos que pagar 30 pela memória e 60 pela câmera e, pra conseguir a diferença de volta, precisamos mandar um formulário com o código de barras pelo correio. Em até dez semanas eles enviam um cheque de volta no valor de 65 dólares, no que chamam de “rebate”. Assim espero. Soa arriscado.
Depois da loja de eletrodomésticos, nossa amiga quis ir ao Victoria's Secret. Eu pensava que essa marca só vendia calcinhas e sutiãs, mas tem também perfumes e maquiagem. Assim que entramos, o namorado dessa amiga disse, “Bem-vindos ao meu inferno particular”. A visita valeu a pena pela cara dos rapazes acompanhando as mulheres. Imagina a expressão de um sujeito que madrugou, passou horas congelando numa fila, e agora encontra-se num lugar totalmente cor de rosa, espremido entre prateleiras pra tentar ficar fora do caminho das moças. Ah, você pode argumentar, mas a loja tá cheia de fotos de top-models em trajes íntimos. 
Veja bem, a essa altura do campeonato, a Giselle podia aparecer em pele e osso, que o olhar de peixe-morto em estado de coma permanente do carinha não mudaria. Sem falar que as fotos todas não são feitas pensando no público masculino, e sim no feminino, que se ilude pensando que é só adquirir um sutiã com lantejoulas e a palavra “sexy” embutida pra ficar idêntica a Giselle. 
Eu tentei me espremer ao lado dos marmanjos e, enquanto esperava, meus pensamentos iam de como apenas uma das minhas pernas pesa mais que uma top-model inteira à imagem da graciosa hipopótama dançando balé no “Fantasia” do Walt Disney. Devia ser o sono.
Agora já recuperada do meu pesadelo cor de rosa, fui descobrir que essa data de celebração ao capitalismo selvagem coincide com o “Buy Nothing Day”, dia criado há quinze anos pra que ninguém compre nada (no mundo cai em 24 de novembro). Aqui nos EUA algum gozador decidiu fazer com que a data do anti-consumo coincida com o auge do consumismo. Adivinha que lado ganhou.
Maridão (como esse homem é lindo, mon dieu) dialogando com painel do Diego Rivera na inauguração do DIA


Uma Tarde no Museu
Enfrentamos mais uma fila gigantesca no dia 23, mas essa por uma causa nobre. Após uma reforma iniciada em 1999, o Detroit Institute of Arts, vulgo DIA, reabriu suas portas. De presente, deu admissão grátis a todos. O museu é divino. Já na entrada há um mural do Diego Rivera (marido da Frida Kahlo) e muitos Van Goghs. Quero voltar lá mais vezes.

CRÍTICA: QUARTETO FANTÁSTICO 2 / Surfista Prateado e aqueles quatro lá

Chegou “Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado”, o filme mais esperado do ano... pro maridão. Assim como o Tarantino e inúmeros marmanjos, ele é fissurado no Surfista. Tanto que, quando quero fazê-lo sorrir, só preciso sussurrar “Surfista Prateado” pra ele abrir um grande sorriso nerd. E tanto que ele se recusa a chamar a aventura pelo título. Pra ele, é “Surfista Prateado e Aqueles Quatro Lá”. Bom, e eu com isso, ou como abrevia um aluninho, e eu quico? Pra mim o Surfista parece o vilão de “Exterminador do Futuro 2”, só que menos sofisticado. E, como nunca fui fã da Marvel, não entendo bem o fascínio. Mas antes de falar nele, vou tratar daqueles quatro lá.

Tenho quase certeza absoluta que houve uma primeira parte de “Quarteto Fantástico”, porque me recordo de ter escrito algumas linhas. Mas não sei, porque não lembro do cara do “Nip/Tuck” como vilão no anterior. Quer dizer, não lembro do “Quarteto” anterior, ponto. Pode ser um mecanismo de defesa empregado pela memória pra apagar acontecimentos traumáticos. Mas reli o meu texto de dois anos atrás e vi que o primeiro Quarteto era bastante intragável, com efeitos especiais de segunda, e fios brancos no cabelo do Sr. Fantástico aparecendo e desaparecendo sem nenhum critério. Sinal de que, nesta seqüência, os efeitos melhoraram, porque nem reparei nos fios brancos. Enfim, aqueles quatro lá estão de volta: o Fantástico doutor, que é um pitéu (interpretado por um tal de Ioan Gruffudd, que, com esse nome, não irá muito longe), prestes a se casar com a Mulher-Invisível (Jessica Alba, fraquinha que só ela) que, por sua vez, tem como irmão o Tocha Humana, que conta com um melhor amigo em forma de pedra, o Coisa (que pra mim continua parecendo o Hulk Fanta Laranja). Em total harmonia familiar, o quarteto é um dos poucos heróis que não precisam de identidade secreta. Isso deveria render boas idéias de como aplicar superpoderes no dia a dia, mas a meia dúzia de roteiristas não consegue bolar nada mais criativo além do Fantástico Homem-Elástico esticar o braço pra colocar a bagagem num compartimento do avião. Há também uma cena de dança constrangedora em que ele empresta seus braços quilométricos a duas moças. O John Travolta fazia melhor com um braço só.

Minha fala preferida do Fantástico é quando ele, modestamente, proclama ser uma das mentes mais brilhantes do século. Só que, como a mensagem é pros nerds, ser um crânio não basta. Tem que casar com a garota mais quente do planeta. E, claro, a Jessica pode até ser a garota mais quente do planeta, versão tochuda do irmão, mas achei a prancha do Surfista mais expressiva que ela. Além do mais, a Mulher-Invisível é meio insuportável, porque acha que os preparativos pro seu casamento são mais importantes que salvar o mundo. Por que pegar no pé do doutor, se ele é capaz de ajudar nos preparativos matrimoniais, celebrar a sua despedida de solteiro, e construir uma ultra mega baita máquina, tudo ao mesmo tempo? Deixa o sujeito salvar o mundo sem tanta pressão!

Por falar em pressão, o maridão justifica a total ausência de referências sexuais no “Quarteto” porque só existe uma mulher no filme, e ela é invisível. Mas não é verdade. O Tocha passa metade da aventura convidando uma militar pra jantar, sem sucesso. Só quando ele diz que ela precisa confiar nele se quiserem salvar o planeta é que ela concorda sem pestanejar. Anotem a cantada certeira, rapazes. Ah, uma dúvida: nos quadrinhos, o Quarteto Fantástico dizia “Vamos nós!”? Porque se dizia, eu tenho uma conexão sentimental. Já fiz parte de um grupo de música chamado “Os Pedregulhos Impossíveis”, e nosso lema era justamente esse.

E agora, tan tan taram: o Surfista Prateado. Tem quem ache que ele pareça a estatueta do Oscar em cima de uma prancha. Já eu percebi uma notável semelhança entre ele e um manequim sem roupa na vitrine do shopping. Mas sua principal função é servir de álibi se alguém acusar a poluição dos países ricos pelo aquecimento global. Nevou no Egito? A culpa não é dos EUA, que se recusam a assinar o tratado de Kyoto. É do Surfista Prateado. Pelo que entendi, o Galactus ou algo assim é um ser alienígena (copiando o pior vilão de “Homem-Aranha 3”) engolidor de planetas, e o Surfista é seu personal chef. Ele vai e prepara o banquete pro seu mestre, e ainda por cima fala humanês, com a voz do Laurence Fishburne. Tá, isso tudo é fascinante, mas por que no final a prancha dele, solta no universo, toma a forma de um supositório? O maridão não quer mais falar comigo por conta dessa observação. Ofendi seu ídolo de infância. Se bem que noutra ocasião já ofendi outro de seus ídolos, o National Kid, e nossa união sobreviveu.

CRÍTICA: PIRATAS DO CARIBE 3 / O fim do mundo chegou

Você tá ouvindo a marcha fúnebre como fundo musical deste texto? É que fico chateada por 70% das salas de cinema de SP estarem passando “Homem-Aranha 3” ou “Piratas do Caribe 3”. Ou seja, de cada 10 salas da maior cidade da América do Sul, 7 estão exibindo exatamente dois filmes. Aqui em Joinville, e em vários outros lugares, o índice de ocupação chega a 100%. Mas claro que existem opções: a gente pode escolher se quer ver o arrasa-quarteirão da vez dublado ou legendado. Sei lá, não parece meio que um deserto cultural?

Ok, você venceu: batata frita. Vou falar de “Piratas do Caribe no Fim do Mundo”, vulgo PIC 3. Não vou tentar resumir a trama porque ela é incompreensível. Tudo que você precisa saber é que a franquia toda é baseada num parque temático da Disney. Mesmo que eu não tivesse cochilado em alguns momentos, ainda assim não compreenderia o que se passa. Quer saber quantas tramas paralelas tem? Bom, conte as palavras do título completo e multiplique por três. Que os produtores não me ouçam, mas o roteiro renderia uns cinco filmes, todos intermináveis.

Uma amiga perguntou se PIC 3 era melhor que o 2, que, segundo ela, era horrendo. Eu tive de dizer, sinceramente, que não me lembrava do 2. E se ela me perguntasse três dias depois, eu tampouco me lembraria do 3 (adoro aquela lenga-lenga de que fizeram o 2 e o 3 juntos pra economizar dinheiro. Assim, gastaram apenas meio bilhão de dólares). Só sei que o filme cai muito quando sua principal atração, o Capitão Jack do Johnny Depp, não tá em cena. Em compensação, ele também cai quando há mais de um Jack na tela. Ou seja, PIC 3 é uma permanente queda vertiginosa.

A parte mais divertida é quando o Jack fala pro seu assistente jogar seu chapéu pra cima, e depois ir pegá-lo. Também gostei da paródia de “Era uma Vez no Oeste”. Mas meu efeito especial favorito foi a coxa da Keira Knightley. Seguinte: observe na rua uma mulher magérrima, que seja só osso. Pode acreditar que a Keira é mais magra. Note como ela raramente aparece de corpo inteiro na tela. Geralmente são só closes. Porém, no final tem uma cena mais ou menos erótica (dentro do que permite uma atração voltada para crianças) entre ela e o Orlando Bloom. A gente vê o rosto dela e uma coxona que pode ser de qualquer um, menos dela. Não tem a menor chance que uma moça com as coxas da grossura dos meus braços tenha essa coxa. Foi uma piada? O público riu, se bem que ria a cada vez que alguém dizia Calypso. Eu não entendi. Riu porque pensa na Banda Calypso ou seria algo mais joinvilense? Só lembro de Calypso como aquele biscoito delicioso com preço proibitivo.

Pra quem se diverte com algo além dos efeitos especiais gerados por computador, existe a aparição-relâmpago do Rolling Stones Keith Richards. A gente sabe que é alguém importante porque, apesar do cara dar o ar de sua graça só por dois minutos, sua presença é muito anunciada. Dizem que é o lendário músico, mas não dá pra ter certeza com toda aquela maquiagem. Podia ser a mãe do diretor. Na trama, parece que tem que ser o pai do Jack. Espero não estar contando nada de mais. Acredita que o estúdio fez os críticos americanos assinarem documentos prometendo não entregar nada da trama? Qual das 25 tramas?

É verdade que só existem duas mulheres em toda a saga piratécnica, mas uma é bem grandona (serviço de utilidade pública: é a Naomie Harris, que tava em “Extermínio”). Opa, eu disse duas? Sem contar a dublê de perna! A Keira protagoniza com o Orlando um beijo feito exclusivamente pra concorrer ao MTV Award de Melhor Beijo. Como todo mundo em “Piratas” tem os dentes podres, menos o casal de pombinhos, eles têm mesmo que ficar juntos. Aliás, a cena da proposta de casamento me recordou que eu e o maridão vamos finalmente nos casar oficialmente, depois de uma eternidade juntos. Ao sair do cartório, o lado romântico do meu amor falou mais alto: “Na realidade, fiquei mais emocionado quando compramos a TV de 29 polegadas”. Só mesmo a paixão pra me fazer esquecer que as salas de cinema de todo o planeta foram saqueadas por piratas. É o fim do mundo.

CRÍTICA: CRIME DE MESTRE, MARIA ANTONIETA, PRIMITIVO / Rainhas, crimes e crocodilos

Deve haver muita coisa boa num filme que vi duas vezes em quatro dias sem me enjoar. Estou falando de “Um Crime de Mestre”. Em SP vi também “O Cheiro do Ralo”, excelente, tirando o final, e “Maria Antonieta”, que odiei com todas as minhas forças, mas acho que não posso mais assistir a biografias de monarcas, porque quero que todos morram. “Antonieta” é muito bonito e tal, belos vestidos, belos bolos, mas cadê a história? Fica quase metade do filme falando de como ela e Luis XVI demoraram pra consumar seu casamento arranjado. Eu esperava que a Sofia Coppola tratasse da parte mais interessante da vida dessa personagem, que é obviamente a Revolução e sua conseqüente decapitação. Mas o negócio ia passando, passando, nada de Revolução, e eu pensando: “Quantas horas dura esse troço? Tenho que voltar pra Santa Catarina amanhã”. A Sofia deve achar que é só colocar trilha sonora de rock num filme de época pra fazer algo diferente. Sabe como ela enfoca a Revolução? Por meio de uma única cena no fim, mostrando o quarto de Antonieta desarrumado. Depois dessa quem queria quebrar a mobília era eu—a do cinema.

Mas vamos nos ater a “Crime”, que é bem legalzinho. Ao ver o trailer e o pôster, pensei que seria algo tipo uma história do Fernando Sabino, em que um cara comete o crime perfeito, seu filho é preso, e ele não consegue convencer os policiais que é ele o culpado. Mas não tem a ver. Aqui o Anthony Hopkins atira na mulher, e mesmo assim é difícil incriminá-lo, porque o detetive do caso tinha um caso (repetitivo, não?) com sua esposa (a do Anthony). Entra em cena um promotor ambicioso. Alguns bons diálogos fizeram o público rir (como o Anthony declarando “My dick is good”, que faz um jogo de palavras com pênis e detetive particular). Eu gostei, mas em algumas ocasiões achei o Anthony um pouco careteiro, lembrando o Hannibal, e noutras o achei perfeito. Na realidade, quem carrega o filme é o Ryan Gosling (indicado ao Oscar este ano por “Half Nelson”). Lembra quando o mesmo diretor, o Gregory Hoblit, fez a gente perguntar “Quem é esse cara super talentoso?” ao ver o Edward Norton em “As Duas Faces de um Crime”? Aqui ocorre um fenômeno parecido. Todo mundo olhando pro Ryan, que deve ser o melhor de sua geração. Se você acha que estou exagerando, saiba que tem crítico comparando-o ao James Dean e ao jovem Marlon Brando. Ele já havia roubado as cenas da Sandra Bullock em “Cálculo Mortal”. O rapaz é ótimo ator. Não é bonito, às vezes se parece até com o Bush, eca. Mas é tão petulante que até fica sexy.

Existe uma subtrama romântica que poderia ter sido deixada de lado. Um carinha esperto acaba de entrar numa firma super concorrida e vai se envolver com a chefa? Conta outra. Mas o maridão não entendeu o oposto: o que a advogada rica vê no personagem do Ryan. Eu perguntei se ele sabia quem era a atriz. É a Rosamund Pike, que fez a irmã mais bonita de “Orgulho e Preconceito”, aquela que se casa com o bobalhão. E o maridão: “Ah, então tá explicado!”. Tampouco faz sentido que o promotor, que abocanhou o emprego que sempre quis, insista em se manter no caso contra o Anthony. Mas é aquela fórmula: “se não for assim forçado não há filme”.

E, tá certo, o Anthony comete um “crime de mestre”, mas depende demais da sorte pra que dê certo. Não entendi o que é planejado e o que não é. Por exemplo, ele queria matar a mulher ou colocá-la em coma? Claro que o que importa de verdade não é a história. É o embate entre os dois astros. Porém, há momentos em que todos os atores cometem tiques com a boca. Ou foi uma epidemia coletiva no set, ou um problema de direção de atores. No Ryan isso até fica bem, porque o personagem dele é esquisito mesmo, exagerado, dramático, mas em todos? De qualquer jeito, quem gosta de filme de tribunal (eu sou uma) nem vai prestar atenção nesses detalhes.

Antes de terminar, preciso gastar algumas linhas pra falar de “Primitivo”, essa bomba que passou em Joinville. Parece que é só pretexto para um filme muito ruim e inexpressivo ser racista. Aliás, não compreendi se o título se refere ao crocodilo gigante ou ao racismo da trama. Passa-se num desses países africanos devastados pela guerra. Há apenas dois personagens negros que não são vilões ou viram comida de crocodilo antes de abrir a boca. Um é um adolescente que vai fazer de tudo para sair daquela miséria e ser levado pro seu sonho dourado, a América. O outro é um afro-americano que, à certa altura, não apenas grita “Odeio a maldita África!”, como também faz um monólogo dizendo: “A escravidão foi legal. Qualquer coisa pra tirar os africanos desse inferno vale a pena”. No final somos instigados a torcer por dois americanos, brancos, contra dois africanos malvados e armados. Eu torci pelo crocodilo, que se dependesse de mim podia papar o elenco inteiro e a equipe de filmagem também, a começar pelos roteiristas extremamente racistas. Mas deve haver alguma lição didática nisso tudo. A única que consegui captar é que crocodilo africano não come americano branco. Deve dar indigestão.

Por mim os crocodilos do mundo, unidos, podiam engolir todas as rainhas que gostam de brioches e poupar o Ryan Gosling.

CRÍTICA: BORAT / Bótimo nos primeiros dois terços

Grande comoção da minha legião de fãs para saber o que achei de “Borat”. Será que eu amei, como os críticos americanos babões, que apontam o troço como uma das comédias mais engraçadas de todos os tempos? Ou será que eu jogo “Borat” na mesma vala de “Norbit” (por enquanto de “Norbit” eu escapei. Mas meus parâmetros de ruindade se medem através de outro Eddie Murphy, “Professor Aloprado 2”). Claro que eu não dedicaria à “Borat” o Troféu Cocô de Hamster Gigante, se bem que eu tampouco reservaria ao filme um lugar no paraíso. Se a gente for medir o sucesso de uma comédia pelo tanto que faz rir, devo confessar que ri um monte. Acho que “Borat” funciona brilhantemente bem até seu terço final, mais ou menos, quando o negócio cansa mesmo.

Borat é um personagem criado pelo humorista britânico (e judeu) Sasha Baron Cohen, não tão distante do nosso Ernesto Varella dos anos 80 (os adolescentes nunca terão ouvido falar), ou, num nível mais baixo, dos repórteres do “Pânico da TV”. A fórmula é antiga e quase sempre dá certo: pegue um sujeito, despeje-o numa cultura diferente, e filme as reações. No caso, Borat é um repórter do Cazaquistão que vai aos EUA “aprender” com os ianques. Ahn, primeira queixa: eles não podiam ter inventado uma nação fictícia, não? Pô, a ex-república soviética do Cazaquistão existe, é o nono maior país do mundo, e não ficou nada honrada com as referências. Tá certo que “Borat” tira muito mais sarro da cara dos americanos que dos cazaquistanenses, ou sabe-se lá como se escreve a nacionalidade deles (eu procurei: é cazaque). Mas uma coisa é um filme americano gozar dos americanos, outra um filme americano espalhar que lá no Cazaquistão irmãos transam entre si, lavam o rosto na água da privada, e fazem queijo com leite humano. Pensa só, a gente, que reclama de “Turistas”, não ficaria possessa se “Borat” inventasse toneladas de besteiras sobre nós?

Mas não esperem que minha solidariedade com os cazaques se estenda aos americanos. Borat entrevista vários preconceituosos dos EUA, nada muito novo pra quem costuma ver os documentários do Michael Moore. Num rodeio, Borat conversa com um típico asno homofóbico da direita cristã, que lhe aconselha a tirar o bigode pra poder ser confundido com um italiano, não com um desses malditos muçulmanos. Borat comenta que em seu país eles enforcam gays, e o cara: “Estamos tentando fazer o mesmo por aqui”. O discurso de Borat ao público do rodeio é ótimo: “Apoiamos a guerra contra o terror do presidente Bush. Queremos que ele beba o sangue de cada homem, mulher e criança no Iraque. Que ele bombardeie o país para que nenhuma árvore cresça lá pelos próximos mil anos”. Só nessa última fala o público começa a desconfiar. Uma pausinha pro meu próprio preconceito: público de rodeio tem QI de ostra em qualquer lugar do mundo? (nota aos indignados: aceito emails de protesto vindos das ostras que se sintam insultadas, não dos fãs de rodeio).

“Borat” tá cheio de cenas hilárias. É uma gracinha vê-lo confundir uma mulher que vende coisas na calçada (como se diz “garage sale” em português?) com uma cigana e falar pra ela: “Você não vai me encolher, cigana. Só preciso pegar algumas lágrimas suas”. É impagável quando Borat pergunta prum candidato a candidato à presidência: “Você quer dizer que os caras que enfiaram um punho de plástico no meu ânus eram homossexuais?”. A expressão no rosto do entrevistado denota um homem simpático, apesar de republicano. E é muito divertido quando o repórter, no meio de um jantar formal, ouve um homem dizer ser “retired” (aposentado) e automaticamente confunde com “retardado”. Borat segue com: “É honroso da parte de vocês convidar um retardado”. Ou quando ele diz que duas das senhoras na mesa fariam sucesso no seu país, mas a terceira, “não muito”. Tudo isso indica que ele não conhece apenas estúpidos no caminho, mas também gente boa. O instrutor de auto-escola, por exemplo, parece ser um sujeito legal. Os negros que ensinam Borat a se vestir e falar, idem. Inclusive o pobre professor de humor que tenta explicar como certas piadas não ultrapassam fronteiras. Ou o homem do tempo na TV, que não consegue parar de rir. Tutti buona gente.

Por coincidência, os encontros de Borat com as pessoas mais ridículas são também os menos engraçados. O interlúdio com os universitários (que aparentemente estão processando o filme) não tem graça, nem a visita à loja de antiguidades. Fica a sensação de algo mal-aproveitado. E a seqüência com os evangélicos? Borat é bonzinho com eles. Dava pra fazer um carnaval em cima disso, e ele os deixa escapar.

Na realidade, quanto mais a comédia fica “encenada”, menos divertida. Esse é o problema do terço final, eu acho. Eu até acreditava que a maior parte das conversas eram espontâneas, sem ensaio, sem que o “entrevistado” soubesse que estava fazendo parte de um documentário de mentirinha. Mas a cena com a Pamela Anderson dá toda a impressão de algo montado (e sem graça), assim como a longa seqüência de Borat e seu empresário na cama. Algo me diz que a montagem de dois homens rolando nus, simulando poses sexuais, está lá pra agradar justamente o público que o filme critica. Aqueles três universitários problemáticos devem amar essas cenas. Apesar dos adolescentes da minha sessão rirem histericamente pelo inusitado, eu deixaria esse tipo de humor com os especialistas de “Norbit”. Mas enfim, tirando essas partes desajeitadas, eu só posso admirar um cara que solta uma galinha viva dentro do metrô de Nova York.

CRÍTICA: ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS / Antes dos milicos entrarem em férias permanentes

Só pra constar: adorei “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”. A história de um menino deixado com o avô durante a ditadura militar resultou num filme belíssimo. O avô morre, os pais fogem da repressão, e quem acaba cuidando do garoto é toda a comunidade judaica do Bom Retiro. Tudo isso em 1970, em pleno clima de “70 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção”. Puxa, éramos 70 milhões trinta e poucos anos atrás, agora somos 180... O filme de Cao Hamburger (que fez também “Castelo Rá-tim-bum”) traz imagens nostálgicas pra todo mundo que viveu essa época. Futebol de botão, álbum de figurinhas, guris espiando moças em provadores de roupa... Pra mim, que não tinha nem três anos em 1970, o que me apertou o coraçãozinho mesmo foi ver o risco branco que ficava no meio da TV quando ela era desligada. Lembra? E claro que há várias imagens que não deixam saudade alguma, como as de policiais batendo em manifestantes. Mas, como tudo é visto sob a ótica de uma criança, essas cenas são mais pano de fundo. O maridão até quis saber como se sente um espectador que não sabe do que o filme tá falando, ou seja, que ignora a ditadura militar, Médici, a festa alienada dos tricampeões mundiais... Eu me recuso a considerar que essas pessoas existam. Pô, não conhecer a própria história recente? Tá na hora de “Anos Rebeldes” passar na telinha de novo, então.
Todo mundo em “Ano” tá maravilhoso, principalmente os atores mirins. No final eu chorei copiosamente, só pra variar, mas a verdade é que o filme não é nada sentimentalóide. Comentei com o maridão que, se o Cao quisesse, ele poderia me fazer derramar baldes de lágrimas durante toda a projeção, do começo ao fim, sem parar. O maridão acrescentou: “Maior moleza, aliás”. Mas o Cao não quis. “Ano” causa um tremendo nó na garganta, mas o choro em si só vem na última fala da narração em off. Um filmaço, lindo e importante pra toda uma geração. E, espero, educativo pra quem não sabe que durante 21 anos os milicos não descansaram no Brasil.