terça-feira, 27 de novembro de 2001

CRÍTICA: INIMIGO EM CASA / Acidentes domésticos

Cheguei ao multiplex (três salas!) e o bilheteiro, um doce como sempre, perguntou: "Qual filme você vai ver? 'Triplo X'?", ao que respondi: "Quequié, tá me estranhando? Não vou descer tanto assim", e me dirigi orgulhosamente à sala que passava, ahn, "Inimigo em Casa".

Tudo bem, se você nem desconfia que produção é essa, tá como eu. O título em português me lembra de longas fraquinhos, como "Dormindo com o Inimigo", "Morando com o Perigo" e "Um Dia a Casa Cai", e o original é pior ainda – "Domestic Disturbance", ou "Distúrbios Domésticos", que, imagino, é a descrição exata do que acontece quando arremesso pratos em direção à cabeça do maridão, ou de quando o cãozinho se põe a latir sem parar contra o gato do vizinho. Mas não, parece que "Inimigo Doméstico" é um thriller com o John Travolta. Se eu contar o comecinho da trama, você pode adivinhar o resto sem esforço nenhum. Ok. O Travolta é o pai divorciado de um garoto de 12 anos. A mãe do guri está prestes a se casar com o Vince Vaughn, o psicopata de "Psicose". Todo mundo na cidadezinha gosta do Vince por algum motivo (provavelmente porque não viram "Psicose"). Menos o menino. E todo mundo gosta do Travolta. Até o menino. Mas ele é um pirralho chato e mentiroso que se revolta ao ouvir que terá um irmãozinho e se esconde no carro do padrasto. Premissa equivocada número um: sinceramente, se alguém de 40 quilos (chute) se deitasse na parte traseira do meu Uno, eu repararia. Mas o Vince nem nota. Um outro sujeito entra no carro e o menino continua invisível, como se fosse um tapete. De repente, o Vince mata o sujeito e o moleque vê tudo, sem que, claro, o Vince veja o moleque que, a essa altura, já virou acessório opcional do carro. O menino procura a polícia e ninguém acredita nele. Só o Travolta, pai é pai, mas não basta ser pai, tem que participar. Mais tarde, ele tentará ganhar a custódia do filho. Mas ele perde, e sabe por quê? Ué, porque, se o menino se mudasse pra casa dele, o filme terminaria e todos viveriam felizes para sempre. E ainda falta uma meia hora de distúrbios domésticos pra gente suportar.

O público teria que ser muito ingênuo pra não sacar o final, que envolve uma caixa de fusível em curto-circuito e o vilão segurando uma barra de ferro. Adivinha quem leva um choque? Bidu! Este deve ser o 5,673o policial americano que assisto cujo lema é "família que mata unida permanece unida". Problemas de relacionamento familiar? Que terapia de casal, que nada! Já matou alguém hoje? Apague um cara grandão e traga paz e harmonia de volta para o seu lar! O maridão, porém, tolinho como só ele, insiste que o derradeiro assassinato não foi um assassinato – foi um acidente. Não entendo como certas pessoas apreciam tirar o mérito dos envolvidos. Vamos reconhecer o talento da família Travolta pra se reconstruir.

Por falar em família, outro membro que foi ao cinema comigo foi minha mãe. Desta vez, eu não tinha o menor interesse em ler os créditos até o final, já que não havia animais no filme, com exceção do diretor (Harold Becker, pobrezinho, responsável pelo bom "Vítimas de uma Paixão"). Mas minha mãe quis ficar até o finzinho da projeção para ler em que parte do Maine o troço foi rodado. O projecionista se controlou pra não jogar um rolo na gente. Ao finalmente sair da sessão, minha mãe comentou: "Uau, e pensar que o John Travolta esteve por baixo durante tanto tempo, até fazer 'Pulp Fiction'!... E hoje...". Não me contive e completei: "E hoje ele faz coisas como 'Inimigo em Casa' e 'Reconquista'".

Mas, pra que não digam que estou de má vontade, aprendi uma lição valiosa com o filme. Vou compartilhá-la com você. Seguinte: se você é um bandidão que saiu da cadeia, ficou com a grana dos crimes, mudou de nome e foi recomeçar a vida numa cidadezinha, mas ainda tem contas a prestar com outros pilantras, não deixe que sua foto apareça nas colunas sociais. O que, você achou óbvio?! Avise Hollywood.

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