segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

ATORES PREMIADOS NO SAG REPETIRÃO O FEITO NO OSCAR?

Que a Lolinha ganhe o bolão este ano!

Ontem foi a cerimônia do Screen Actors Guild, os prêmios do Sindicatos de Atores (dos EUA). É um bom termômetro pro Oscar, já que os vencedores em quatro categorias (ator e atriz principal, ator e atriz coadjuvante) costumam se repetir nas duas premiações. 

Assim, Will Smith (King Richard: Criando Campeãs), Jessica Chastain (Os Olhos de Tammy Faye), Troy Kotsur (No Ritmo do Coração) e Ariana DeBose (Amor Sublime Amor) já saem como favoritos. Ainda não vi os dois últimos filmes, mas Will e Jessica estão fantásticos. Os Olhos de Tammy Faye fez com que eu ficasse com pena de uma pastora evangelista que eu nunca tinha ouvido falar.

Veja todos os vencedores do SAG (que também tem prêmios pra TV) aqui.

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Eu queria que o Oscar seguisse o SAG e incluísse uma estatueta para melhor elenco!

sábado, 26 de fevereiro de 2022

INDICADOS AO OSCAR 2022


OSCAR 2022 - vencedores em negrito


Melhor filme

“Belfast”

“Não olhe para cima”

“Duna”

“Licorice pizza”

“Ataque dos cães”

“No ritmo do coração”

“Drive my car”

“King Richard: criando campeãs”

“O beco do pesadelo”

“Amor, sublime amor”


Melhor direção

Kenneth Branagh – “Belfast”

Hamaguchi Ryusuke – “Drive my car”

Jane Campion – “Ataque dos cães”

Steven Spielberg – “Amor, sublime amor”

Paul Thomas Anderson – “Licorice Pizza”


Melhor atriz

Jessica Chastain – “Os olhos de Tammy Faye”

Olivia Colman – “A filha perdida”

Penélope Cruz – “Mães paralelas”

Nicole Kidman – “Apresentando os Ricardos”

Kristen Stewart – “Spencer”


Melhor ator

Javier Bardem – “Apresentando os Ricardos”

Benedict Cumberbatch – “Ataque dos cães”

Andrew Garfield – “Tick, tick… Boom!”

Will Smith – “King Richard: criando campeãs”

Denzel Washington – “A tragédia de Macbeth”


Melhor atriz coadjuvante

Jessie Buckley – “A filha perdida”

Ariana DeBose – “Amor, sublime amor”

Judi Dench – “Belfast”

Kirsten Dunst – “Ataque dos cães”

Aunjanue Ellis – “King Richard: criando campeãs”


Melhor ator coadjuvante

Ciarán Hinds – “Belfast”

Troy Kotsur – “No ritmo do coração”

Jesse Plemons – “Ataque dos cães”

J.K. Simmons – “Apresentando os Ricardos”

Kodi Smit-McPhee – “Ataque dos cães”


Melhor roteiro adaptado

“No ritmo do coração”

“Drive my car”

“Duna”

“A filha perdida”

“Ataque dos cães”


Melhor roteiro original

“Belfast”

“Não olhe para cima”

“King Richard: criando campeãs”

“Licorice pizza”

“A pior pessoa do mundo”


Melhor fotografia

“Duna”

“Ataque dos cães”

“Beco do pesadelo”

“A tragédia de Macbeth”

“Amor, sublime amor”


Melhor edição

“Não olhe para cima”

“Duna”

“King Richard: criando campeãs”

“Ataque dos cães”

“Tick, tick… boom!” 


Melhor design de produção

“Duna”

“Ataque dos cães”

“O beco do pesadelo”

“A tragédia de Macbeth”

“Amor, sublime amor”


Melhor figurino

“Cruella”

“Cyrano”

“Duna”

“O beco do pesadelo”

“Amor, sublime amor”


Melhor trilha sonora

“Não olhe para cima”

“Duna”

“Encanto”

“Mães paralelas”

“Ataque dos cães”


Melhor som

“Belfast”

“Duna”

“Sem tempo para morrer”

“Ataque dos cães”

“Amor, sublime amor”


Melhor animação

“Encanto”

“Flee”

“Luca”

“A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”

“Raya e o último dragão”


Canção original

“Be Alive” – “King Richard: criando campeãs”

“Dos Oruguitas” – “Encanto”

“Down To Joy” – “Belfast”

“No time to die” – “Sem tempo para morrer”

“Somehow you do” -“Four good days”


Maquiagem e cabelo

“Um Príncipe em Nova York 2”

“Cruella”

“Duna”

“Os olhos de Tammy Faye”

“Casa Gucci”


Efeitos visuais

“Duna”

“Free guy”

“Sem tempo para morrer”

“Shang-Chi e a lenda dos dez anéis”

“Homem-Aranha: Sem volta para casa”


Melhor filme internacional

“Drive my car” – Japão

“Flee” – Dinamarca

“A Mão de Deus” – Itália

“A Felicidade das Pequenas Coisas” – Butão

“A Pior Pessoa do Mundo” – Noruega

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

SOU CONTRA A INVASÃO DA UCRÂNIA

Nem estou querendo escrever sobre a Guerra na Ucrânia, porque fico realmente pasma ao ver tanta gente de esquerda apoiando guerra e imperialismo (desde que não seja o americano, tudo bem!). Não sei o que se passa na cabeça do pessoal -- eles acham que Vladimir Putin é comunista?

Claro, tem muita gente que pensa como eu, que é pacifista e condena a invasão. Pô, até o Talibã pediu paz! Mas tenho visto um monte de pessoas dizendo que é complicado, que não se pode tomar lado, que ambos os países estão errados... Pode até ser, mas só um lado tá sendo bombardeado.

A minha dica infalível é: se você não sabe de que lado ficar, veja de que lado estão Trump, Bannon, Bolso. E vá pro lado oposto. Essa dica já valia em 2013, mesmo antes dessas figuras nefastas tomarem o poder. Outra dica é: fique do lado do povo. No momento, quem está sob ataque são os ucranianos. 

Concordo com o que diz o coletivo Juntos! (leia aqui a posição completa. Publico aqui o final:)

"O que essa guerra significa e qual posição devemos tomar?

Nesse momento, é necessário repudiar fortemente a invasão militar russa sobre Ucrânia e lutar para que o direito à autodeterminação do povo ucraniano e de todos os outros povos afetados seja respeitado. O conflito entre a OTAN e a Rússia já deixou mais mortos no país e está criando uma situação geopolítica que, a partir da disputa entre as forças imperialistas que atuam na região, faz dos principais prejudicados os próprios ucranianos. Tanto a posição da OTAN, que busca aproveitar a crise para criar um clima de instabilidade que permite maior ampliação da sua influência, quanto essa invasão russa são reflexos de interesses imperialistas e de elites globais. É uma guerra entre dois diferentes imperialismos que, travada da forma que está, faz com que o povo só tenha a perder.

É necessária uma mobilização global anti-militarista e anti-nuclear, contra as movimentações imperialistas tanto russas quanto ocidentais. A situação ainda pode escalar de diversas formas nos próximos dias, mesmo que uma guerra na qual as potências ocidentais entrem diretamente por enquanto ainda não foi ameaçada. É papel das organizações políticas e sociais impulsionar uma solidariedade anti imperialista pela esquerda com o povo ucraniano nesse momento e debater as consequências dessa disputa entre impérios. 

Não é nosso papel defender o imperialismo menos pior, como faz parte de uma esquerda campista que acredita que as ações de Putin sejam de alguma forma justificáveis, nem ser ingênuos com o que significam as movimentações da OTAN em sua disputa por maior influência política e militar sobre a região. Nesse momento estamos com o povo ucraniano contra a guerra ou qualquer escalada militar sem justificativa a não ser o interesse das elites.

Toda solidariedade ao povo ucraniano! Nossa mobilização é pela paz, contra os blocos imperialistas e pela autodeterminação dos povos!"

Putin é misógino e homofóbico. É por sua imagem de macho alfa que a extrema-direita de todo o mundo gosta dele. Veem a Rússia como um país conservador onde agendas igualitárias não têm vez (e não têm mesmo). Putin é também um imperialista que quer que as ex-repúblicas soviéticas (que declararam sua independência em 1991) voltem a fazer parte da Rússia. 

Depois de apenas três semanas no poder, Putin invadiu a Chechênia, em agosto de 1999. Em 2008, ele atacou a Geórgia. Em 2014, a Crimeia (isso depois que, com a influência dos EUA, os ucranianos derrubaram o presidente da Ucrânia Yanukovych, aliado da Rússia). A Rússia considera a Ucrânia uma zona tampão, que a protege dos inimigos. Não quer de jeito nenhum que ela faça parte da Otan.

Putin, que começou a planejar a invasão há meses, apela: diz que quer desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia. Obviamente é mentira que estava havendo um genocídio em Kiev. Não há dúvida que a Ucrânia tem muitos nazistas (o Batalhão de Azov, que integra o Ministério do Interior da Ucrânia, é nazista), mas tenho a impressão que a Rússia tem muito mais nazis que a Ucrânia. 

Volodymyr Zelenskiy é um palhaço, um ex-humorista que foi alçado a presidente. Mas ele, que é judeu, não é nazista. Certamente Bolso é muito mais nazista que ele. E nem por isso o Brasil deve ser invadido. Aliás, bombardear um país para salvá-lo é bem coisa de americano. 

E nosso presidente nazista não cansa de se envolver em papelões. Junto a Maduro, ele foi a o único da América do Sul a não condenar a invasão russa. E aquela narrativa (não foram só memes) de que Bolso tinha impedido a terceira guerra mundial? Vai ter que devolver o Nobel da Paz? (uma piada que ouvi é que o Capetão impediu sim a terceira guerra. Mas esta que começou ontem já é a quarta).

E parece piada, mas juro que vi um cirista (eles existem) defender o posicionamento de Bolso e tratá-lo como estadista: "Se Bolsonaro continuar firme no apoio a Putin, já é maior que Lula. Só atrás de Vargas e Juscelino". 

Ninguém sabe quanto tempo vai durar a guerra. Não se esperava uma coesão tão forte da União Europeia. Todo mundo está contra Putin, e as sanções econômicas serão enormes. Mas Putin não parece que vai ceder. Hoje mesmo já ameaçou a Suécia e a Finlândia se eles se unirem a Otan.

Só sei que não é possível tratar uma guerra sangrenta como um detalhe geopolítico. Tenho ouvido bastante que "não existem inocentes nessa história". Sei, não, me parece que tem uns 44 milhões de inocentes, que é a população da Ucrânia invadida.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

CHEGA DE MAMATA, PLANOS DE SAÚDE: ROL TAXATIVO MATA

Hoje o STJ (Superior Tribunal de Justiça) retoma o julgamento de recursos para decidir se o rol (a lista de tratamentos cobertos pelos planos de saúde) da ANS (Agência Nacional de Saúde Complementar) é taxativo ou exemplificativo. 

Os tribunais de justiça entendem há mais de uma década que o rol é exemplificativo (serve como base para o atendimento). Porém, se o STJ decidir que o rol é taxativo, os planos de saúde não cobrirão mais o que não estiver na lista.

Se isso acontecer, os convênios -- que lucraram 17,5 bilhões de reais em 2020 -- podem limitar absurdamente suas obrigações e deixar milhões de pacientes sem tratamento. Isso é muito sério, não só para quem tem plano de saúde, mas também para quem depende do SUS, já que qualquer mudança nos planos de saúde impacta diretamente o SUS. E lembrando sempre: qualquer mudança afeta mais ainda as mães solo.

Parabéns à jornalista e ativista Andrea Werner e às outras guerreiras que se acorrentaram hoje em frente ao STJ para pressionar os ministros a votar para que a lista de procedimentos de cobertura obrigatória continue sendo exemplificativa. 

Andréa, que tem um filho autista e é fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, lembra que o tema é importantíssimo e que não está recebendo a atenção que merece da mídia e da população. Ela afirma, acertadamente, que as pessoas "não sabem o tanto que elas vão ser prejudicadas se essa decisão de tornar o rol da ANS taxativo for tomada".  

Leiam o ótimo artigo que Andréa publicou hoje no Uol e ajudem a espalhar as tags #MamatadosConveniosNao #RolTaxativoMata


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

SÓ HOJE E NUNCA MAIS

Hoje, 22/02/2022, é uma data palíndromo (que pode ser lida de trás pra frente do mesmo jeito) e ambigrama (que pode ser lida da mesma forma de ponta cabeça).

Não acredito em numerologia nem nada disso (tem gente até falando em portal), mas as palavras "isso nunca mais vai acontecer" têm um apelo pra mim. 

Aí veio um rapaz e acabou com a minha festa:

Mas não é bem assim. A data palíndroma de hoje é a última do século 21 com apenas dois números. Então é especial sim!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

ASSÉDIO NO CINEMA

Minha mãe, no começo da década de 90, foi ao Cine Belas Artes, em SP, para ver um filme dividido em três sessões, já que dura mais de 15 horas: Berlin Alexanderplatz, do Fassbinder. Ela foi sozinha. Voltou incomodada -- um cara tinha se sentado do lado dela pra se masturbar. Ela não podia acreditar que alguém conseguiria se excitar com um filme deprê num cinema de arte.

Comigo aconteceu também, no final da década de 80. Eu fui ver Era uma Vez na América, do Sergio Leone, num cinema da Consolação. Como o filme é muito longo (4 horas) e era um dia da semana (começava às 8 da noite e acabava à meia noite, se não me engano), não consegui ninguém pra me acompanhar. Teve pelo menos três completos desconhecidos que sentaram ao meu lado (um de cada vez) porque, pra eles, mulher sozinha é de ninguém. Eu trocava de lugar e deixava claro que estava lá pra ver um filme, mas quem disse que eles se importam?

Já faz vários anos, uma leitora contou que um sujeito foi se sentar ao lado da irmã adolescente dela pra se masturbar. A irmã não deixou barato: se levantou e começou a gritar "Tem um tarado aqui!" O asqueroso foi embora rapidinho. 

Acho que muitas mulheres já passaram por isso, e as reações variam. A Kasturba, por exemplo, deixou um comentário instigante no post da Amanda. Creio que a atitude mais coerente é mesmo a da irmã adolescente. A gente não pode facilitar. Eu digo "facilitar" no sentido desses otários acharem que somos um buffet à disposição, e que o máximo que pode acontecer é a gente ficar com medo e vergonha e trocar de lugar. Conta aí, Kasturba querida!

Uma vez fui num cinema com dois amigos. Um homem velho sentou ao meu lado. Em algum momento no meio do filme senti algo passando pela lateral da minha coxa (eu estava de vestido), como se fosse o dedo do velho. Olhei e não vi nada. Pensei em pedir pra um dos amigos trocar de lugar comigo, mas fiquei constrangida, pois não tinha certeza se realmente havia acontecido ou era impressão minha... fiquei quieta. Um tempo depois, senti novamente e levei rapidamente minha mão à perna, e ainda pude tocar na mão do velho que, assustado, tirou a mão. Fiquei paralisada. Sem reação. Não sabia o que fazer. Alguns segundos depois o velho se levantou e foi embora, no meio da sessão. 

Passei o resto do filme pensando naquilo. Com raiva, com medo, com nojo, engasgada... pensando por que não segurei a mão do velho e fiz um escândalo? Por que não dei um tapa nele ali no meio do cinema mesmo? Por que fiquei paralisada, como se eu tivesse feito algo de errado? Não contei o episódio pra ninguém (nem pros amigos que foram comigo ao cinema) e por um tempo me sentia culpada até por isso: como se eu e aquele velho que eu nem sabia o rosto direito tivéssemos um "segredinho sujo". E só consigo pensar: se eu me senti tão mal por causa do dedo de um velho deslizando delicadamente na minha perna numa sala de cinema, um gesto que se não fosse intencional, nem teria me incomodado, quão triste e revoltante e nojento e desesperador não deve ser pra uma mulher que sofre um estupro... Deve ser um misto de emoções realmente insuportável... e não ser acolhida por quem deveria fazê-lo deve trazer a maior experiência de solidão possível. A todas que infelizmente passaram por isso: sinto muito...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

GUEST POST: FERIDAS NUNCA CICATRIZADAS

A PSS me enviou este corajoso relato. Embora tenha feito terapia, ela não sabe lidar com a dor até hoje. É uma sobrevivente. Alerta de gatilho.

É uma questão de coragem falar sobre tudo que já vivi. Apesar das lágrimas, que ora tento conter, vai aqui o meu relato.

Ainda bebê, eu me lembro do berço. Eu, em pé, olhando minha mãe de sangue, sentada sobre seu amante em movimentos de “vai e vem”, naquela época desconhecidos por mim.

Recordo-me de um outro dia, no qual ela foi até o trabalho dele comigo e, em seus abraços,  recebi seus afagos. Até, aí tudo bem. A polêmica começa quando minha memória desaparece.

Tudo se transforma em recortes dolorosos. As lágrimas não cessam. Achei que quanto mais o tempo passasse, mais eu saberia engolir a tristeza que tudo isso me causa.

Não sou melhor nem pior que qualquer outra pessoa. Apenas tenho essa caminhada. Sinceramente, não acredito em Deus, e essa é a minha primeira razão por ser tão descrente. Eu era um bebê, um anjo de “Deus”. Como ela pode fazer isso comigo? Essa pergunta nunca será respondida.

Após esse eventos, muitas coisas aconteceram. Decidi escrever para você e tentarei pontuá-las em ordem cronológica.

Minha mãe me incentivou ao ato sexual com minhas irmãs. Somos cinco no total. Muitas coisas se apagaram e eu prefiro não lembrá-las. Por aqui você saberá apenas o que restou na minha memória. Uma irmã violentada, eu agredida fisicamente e o sexo vulgar em todos esses anos. 

A mãe que se deliciava e não fazia a menor questão de esconder de nós, todas meninas entre 6 e 12 anos, suas palavras e movimentos pornográficos. Cada dia com um macho diferente.

Recordo-me do dia em que apanhei tanto do “marido” de minha mãe de sangue, que os vizinhos e vizinhas vieram ao meu socorro. Eu, sentada embaixo da mangueira, sangrando em todo o rosto, pelo soco que ele havia me dado, por defender minha irmã mais velha. 

Naquele dia ele a violentou. Isso dói tanto, que mesmo descrito em letras garrafais, jamais descreveriam a minha e a dor dela. Um bruto, grosso, violento “dono” de uma mulher, a qual tomou-lhe suas três filhas menores. A vizinhança não deixou que ele se aproximasse de mim e me levou para sua casa. Dona Lourdes. Uma vovó querida.

Temos feridas distantes, nunca cicatrizadas. 

Segui meu caminho, me afastei, vivo num outro mundo.

Tenho uma família maravilhosa que me adotou há cerca de 36 anos. Nela minhas filhas são netas, sobrinhas, primas e têm tudo de bom que uma família pode dar com seus defeitos “normais”.

Entre essa fase inicial e a atual, tenho outras histórias que não me sinto preparada para contar hoje. Tenho certeza que você me entende.

São de outros abusos infantis: estupro, assédio e violência de todo tipo.

Essa era uma promessa minha para 2022: ter força e admitir o quanto toda essa dor me fez mal.

Do início até aqui eu chorei horrores, pois é como se a  morte,  que te leva aos poucos, ou como a vida, que te faz respirar.

Escolhi a vida. Sou arrimo de família, eduquei duas lindas meninas e não permiti que nenhum homem tocasse nelas como fui tocada.

Nós mulheres precisamos ser donas dos nossos destinos. Não podemos deixar que os homens escolham por nós e nos machuquem com feridas que jamais se cicatrizarão.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

JUSTIÇA PARA THELMA FARDÍN: O CASO MAIS FAMOSO DO #METOO ARGENTINO EMPERRA NO BRASIL

Talvez você não conheça um caso que vem deixando muita gente revoltada. Uma cineasta e ativista argentina com quem estou colaborando para um documentário sobre machismo na América do Sul me enviou um email ontem, contando o caso e pedindo a nossa ajuda.

Em 2009, a atriz argentina Thelma Fardín, na época com 16 anos (foto ao lado), estava na Nicarágua filmando a novela Patito Feo quando foi estuprada por um membro do elenco, Juan Darthes, que tinha 45 anos. Ela ficou arrasada, mas não o denunciou. Só nove anos depois, graças à força do movimento #MeToo e da acusação de outra atriz, Calu Rivero, contra Darthes, é que Thelma criou coragem pra falar. 

Em 2018, Thelma gravou um vídeo contando o horror que passou num quarto de hotel na Nicarágua. Ela suplicou, disse pra Darthes parar, disse que não queria, lembrou que os filhos dele tinham a idade dela, mas nada adiantou. Ele pôs a mão dela no seu pênis ereto e disse "Olha como você me faz ficar" ("mirá como me pones"). Essa fala clichê virou um grito de protesto muito bacana e inteligente: "Olha como a gente fica" (#Miracomonosponemos).

Tipicamente, Darthes negou as acusações e pôs a culpa na vítima: ela que foi ao quarto dele querendo um beijo, ele que, cavalheiro que é, a pôs pra fora, ele que disse a ela que não, não poderia ter nada com ela porque tem filhos da idade dela, e porque ela estaria namorando com outro. Poucos acreditaram nessa versão. Ele tentou processá-la por danos morais e foi comparado a Harvey Weinstein.

Como o estupro ocorreu na Nicarágua, o julgamento foi iniciado lá. Darthes não compareceu. Pouco depois, aproveitando-se de que nasceu no Brasil, fugiu pra cá para evitar a extradição. Com provas vindas da Argentina, através de cooperação internacional entre três países, o Ministério Público Federal decidiu julgar o caso aqui. No final de novembro teve início o julgamento em SP. 

Após o depoimento da vítima e de muitas testemunhas (através de videoconferências, devido à pandemia), o julgamento já estava quase no fim (faltavam apenas duas audiências) quando, na semana passada, a 5a Turma do TRF-3, atendendo o pedido da defesa de Darthes, decidiu que o julgamento é de competência estadual, não nacional, e anulou o processo. Ou seja, o processo não foi suspenso por irregularidades, mas por "tecnicismos insuportáveis", como afirmou Thelma. A decisão não encerra o processo nem muito menos absolve o acusado, mas leva a um novo julgamento. Tem que começar tudo de novo.

Thelma vai entrar no STF contra a anulação do julgamento. Em protesto em frente ao consulado brasileiro em Buenos Aires, e também no seu instagram, ela discursou: "A mensagem de hoje é a impunidade". A atriz, que pelas circunstâncias hoje é uma importante ativista, lembrou que, se isso está acontecendo com ela -- num caso de enorme repercussão, que envolve colaboração entre três países e muita movimentação feminista para que a denúncia finalmente chegasse à Justiça -- qual é a mensagem que está sendo passada para que outras meninas e mulheres denunciem?

Esta foi a nota divulgada por Thelma e sua advogada:

"No dia 08 de fevereiro tomamos conhecimento de uma resolução do Tribunal Regional Federal de São Paulo que no dia 07 de fevereiro abriu espaço para um recurso apresentado pela defesa de Juan Darthes e ordenou que interrompesse o julgamento que estava ocorrendo na justiça federal desse país para iniciar um novo processo do zero no âmbito do poder judicial do Estado de São Paulo. A decisão foi tomada pelos desembargadores federais Paulo Gustavo Guedes Fontes e Mauricio Yukikazu Kato. O juiz André Custódio Nekatschalow se pronunciou em discordância, a favor da continuidade do processo.

Como vítima, não sou reconhecida como parte do expediente e meus advogados não podem acessar a íntegra da decisão. Tampouco se encontram publicados os fundamentos da sentença, apenas sua resolução. O que sabemos é que esta ordem do Tribunal Regional, além de representar uma violenta mensagem a favor da impunidade e da revitimização, contradiz a jurisprudência da Corte Suprema do Brasil sobre esta matéria. 

A questão da competência federal já havia sido tratada e resolvida pelo juiz Pablo Ali Mazloum em primeira instância sete meses antes de início do juízo. Concretamente, no dia 16 de abril, o juiz rejeitou as propostas da defesa e coincidentemente à critério do Ministério Público declarou como competência federal o julgamento.

Numa decisão com mais de 15 páginas, o juiz fundamentou esta decisão a partir da jurisprudência dos tribunais superiores e da Corte Suprema, que em todos os casos de delitos graves cometidos no exterior por cidadãos brasileiros ordenaram que os expedientes tramitassem na Justiça Federal.

A sentença do Tribunal Regional que decide reabrir esta questão quase um ano depois e quando o julgamento encontra-se em sua etapa final só pode ser vista como uma demonstração de poder e influência de quem se considera intocável. Enquanto isso, a estrada continua. O acusado continua foragido da justiça de Nicarágua, com alertas vermelhos da Interpol e sujeito a um processo penal no Brasil. Confiamos que o Ministério Público do Estado de São Paulo recorra desta escandalosa decisão e o Tribunal Superior de Justiça a reverta. Assim poderemos continuar o processo até escutar, por fim, uma sentença. Exigimos justiça, nada mais. Nada menos".

O mínimo que nós no Brasil podemos fazer é divulgar o que está acontecendo e nos juntarmos à exigência de justiça para Thelma e para todas as vítimas de estupro.

E não nos esqueçamos: enquanto mulheres indignadas protestam, Darthes, acusado de estupro por pelo menos cinco atrizes argentinas (até agora), caminha livremente pelas ruas de São Paulo.